Para ampliar o papel do SUS na luta contra a fome
Criada há 25 anos, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição integra a Saúde à promoção da segurança alimentar. Para melhor implementá-la, especialistas indicam uma lista de medidas – em primeiro lugar, mais financiamento, sem o qual haverá pouco avanço
Publicado 18/02/2025 às 11:19
Instituída em 1999, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) é um importante eixo dos esforços de erradicação da miséria no Brasil. Crucialmente, esta política orienta a integração do Sistema Único de Saúde (SUS) às iniciativas contra a fome, ao atribuir ao Ministério da Saúde (MS) o papel de formular ações que promovam a segurança alimentar e nutricional da população.
No contexto da efeméride dos 25 anos da criação da PNAN, no ano passado, o Governo Federal reforçou a mensagem – peça central da campanha que o elegeu em 2022 – de que tem como objetivo retirar o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas mais uma vez. O feito havia sido alcançado em 2014 – mas dados posteriores indicaram que, já em 2018, os números haviam piorado a ponto de o país voltar a figurar no Mapa. No pior momento da pandemia da covid-19, 125 milhões de brasileiros viveram algum grau de insegurança alimentar e dezenas de milhões se encontravam em situação crítica.
Sem dúvida, dar novo impulso às políticas que melhoram as condições de alimentação da população é um passo indispensável para que os planos do Governo tenham condições de êxito. Um estudo recentemente publicado no periódico Ciência e Saúde Coletiva, a revista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), oferece caminhos nesse sentido ao reunir uma série de recomendações para o fortalecimento da PNAN, formuladas por um conjunto de especialistas entrevistados pelas autoras.
O artigo de Gisele Ane Bortolini (MDS), Camila Basso (USP) e Patrícia Constante Jaime (USP) divide as recomendações entre uma série de temas – três deles considerados “transversais” para a melhor implementação da política. Um destes, particularmente decisivo: “a garantia de financiamento para a agenda de alimentação e nutrição no SUS”, assunto crucial em tempos de duríssimos embates pelo orçamento público no Brasil.
Brasil ainda convive com má nutrição
Ao avaliar a atual situação, os autores destacam que, apesar da melhora após o fim da crise sanitária, “[o Brasil] ainda convive com as diferentes formas de má nutrição”. A escolha por falar em má nutrição se deve ao fato de que a subnutrição, condição mais tradicionalmente associada à insuficiência das políticas alimentares, não é o único problema a afetar os brasileiros. O excesso de peso – já considerado a “condição mais prevalente” –, a anemia e a falta de vitamina A também se fazem presentes no cenário do país.
No entanto, apesar da importância dessa política para o conjunto das ações do Estado nessa frente, “não foram identificados estudos de avaliação da implementação da PNAN publicados que considerem todas as diretrizes no mesmo estudo”, apontam as estudiosas.
Dessa observação, surgiu o mote do artigo: colher avaliações de dezenas de especialistas sobre as diretrizes da PNAN e o estado de sua implementação, buscando impulsionar o papel da Saúde no âmbito das políticas alimentares. Os técnicos ouvidos foram selecionados com base na “experiência anterior ou atual em cargos na administração/gestão do SUS”, “assistência, docência e pesquisa em Alimentação e Nutrição” e longeva participação em entidades da “sociedade civil organizada, instituições de representação profissional e instâncias colegiadas”.
Apresentados a diretrizes selecionadas da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, os entrevistados foram provocados: “Quais estratégias, ações ou inovações você identifica que poderiam ser realizadas em âmbito federal para fortalecer a implementação da diretriz?”
Financiamento é peça “transversal” da implementação
No artigo, as autoras dispuseram em gráfico – também disponível ao fim desta matéria – as 51 recomendações colhidas dos especialistas, divididas em 14 temas. Algumas dessas indicações foram citadas por mais de uma das fontes, e em relação a múltiplas diretrizes da PNAN.
Uma das medidas consideradas “transversais”, por contribuir em mais de um ângulo com a Política, é o oferecimento de formação aos trabalhadores da saúde sobre a implementação de medidas voltadas à alimentação e nutrição no âmbito do SUS. Em artigo citado, relatos indicam que os profissionais da saúde pública consideram “que a oferta [de formação] auxiliou a prática profissional, que as estratégias apresentadas foram pertinentes à rotina de trabalho na [Atenção Primária à Saúde] e que mais da metade realizou ações de promoção da alimentação saudável no cotidiano de trabalho”.
Outra delas é o estímulo à presença de nutricionistas nas equipes multiprofissionais da Atenção Básica, assim como nos postos de gestão da Saúde. Uma experiência no Mato Grosso do Sul demonstra que o envolvimento desses profissionais nesses dois âmbitos favoreceu a “inclusão de ações e metas de alimentação e nutrição nos planos municipais de saúde” e “o uso do Guia Alimentar para a População Brasileira”.
Contudo, a “garantia de financiamento para a agenda de alimentação e nutrição no SUS” é apresentada como nada menos que um “pilar estruturante” do fortalecimento da PNAN. Não por coincidência, figura em primeiro lugar na lista de recomendações formuladas pelas autoras. Os especialistas alertam que os estados e municípios, entes responsáveis por implementar as ações da Política na ponta, têm tido dificuldades em fazê-lo, por insuficiência de recursos humanos, técnicos e de gestão.
Por isso, frisam que o Governo Federal deve dedicar mais orçamento à promoção de “estratégias de apoio”, com o objetivo de “aumentar a capacidade local de operacionalização e implementação de todas as políticas públicas”. Além disso, foi ressaltada a necessidade de assegurar verbas do Ministério da Saúde para o “financiamento de grandes inquéritos, avaliação de estratégias efetivas, avaliação de ações em curso e fortalecimento de uma rede de pesquisa em alimentação e nutrição”.
No último período, como Outra Saúde vem consistentemente cobrindo, não foram poucas as investidas de diversos atores políticos para retirar recursos do SUS e dos programas sociais do Estado brasileiro, decisivos para o enfrentamento da insegurança alimentar e da miséria. Se o Governo Federal pretende levar adiante o objetivo de retirar o país do Mapa da Fome, a atenção às recomendações dos especialistas, em especial no que se refere à garantia do financiamento das ações, é essencial.
Quadro: As 51 recomendações dos especialistas para o fortalecimento da PNAN
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