Para a Saúde enfrentar as mudanças climáticas

Crise do clima se impõe sobre formulação de políticas em todas as áreas: Saúde não é exceção. Setor pode ser chave na conexão entre agenda ambiental e social – para isso, deve encabeçar planejamento do combate à injustiça climática

Foto: Phil Maddocks
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Por Marcelo Guimarães Araújo e Maria Lúcia Freitas dos Santos, para a coluna Saúde É Democracia

Ao falar em mudanças climáticas, nos vêm à mente uma série de questões e perspectivas, a partir do olhar do seu explorador e da dimensão dada. Todos os olhares interessam, tamanha a complexidade que envolve o tema e o esforço, articulações e comprometimento exigidos.

As mudanças climáticas se configuram como um dos mais complexos e desafiadores problemas para a humanidade. Trata-se principalmente da redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), dos quais o mais importante e relevante é o CO2, cuja origem está associada aos combustíveis fósseis. Svante Arrhenius foi o primeiro a reportar o efeito estufa na atmosfera do planeta Terra em 1896, há mais de 120 anos. O principal efeito dos GEE é o aumento da temperatura média no planeta, com diversas e relevantes consequências para os ecossistemas e seres humanos em todo o planeta, mas não necessariamente afetando todos na mesma intensidade – ou seja, esse tema reforça mais ainda as desigualdades existentes.

O relatório AR6 Mudanças Climáticas 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, do IPCC da ONU, afirma que há inequívocas evidências da influência humana e que atualmente cerca de 3,4 bilhões de pessoas vivem em um contexto de alta vulnerabilidade às mudanças climáticas. Cabe acrescentar que os países do Hemisfério Sul estão entre os mais vulneráveis e também são onde ocorre o crescimento da população. Ou seja, no futuro, esses locais serão ainda mais povoados, sofrendo mais intensas consequências das mudanças climáticas.

Efeitos diretos que são comumente associados às mudanças climáticas incluem o aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos como chuvas, enchentes, secas e ondas de calor, assim como agravos causados por deslizamentos de encostas e outros desastres ambientais exacerbados pelo clima.

Entre os efeitos indiretos, podem ser citados o aumento da presença de vetores de doenças como o mosquito Aedes aegypti, que pode causar surtos de febres hemorrágicas como dengue; migrações forçadas pelas secas e violências resultantes das crises geradas; insegurança alimentar e nutricional; impactos na infraestrutura como alterações no lençol freático causando recalques diferenciais com rachaduras nas habitações; ruptura de tubulações de gás; colapso de estruturas de engenharia como diques e barragens; entre outros.

A ONU estabeleceu a Agenda 2030 com um Objetivo do Desenvolvimento Sustentável específico para as mudanças climáticas, o ODS 13. Dentro dele, o item 13.2 tem como objetivo a integração das medidas contra a mudança do clima nas políticas, estratégias e planejamento nacionais. Dessa forma, os países devem criar planos nacionais e planos setoriais de mudanças climáticas que foquem em setores econômicos e atividades específicas, como agricultura, transporte e logística, cidades e habitação e, claro, saúde.

Desde 2013, o Brasil tem o Plano Setorial da Saúde para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima, que foca em danos e agravos de doenças transmissíveis como dengue, malária, leishmaniose, influenza e SRAG e de doenças e agravos não transmissíveis, como câncer de pele e cardiovasculares. A Saúde, para ser coerente e consistente, deve enfrentar o desafio da redução de suas próprias emissões de GEE. Ações podem ser realizadas no monitoramento e controle de GEE nos hospitais e unidades dos SUS, bem como recomendações podem ser feitas em relação ao desuso de produtos e descomissionamento de processos que sejam nocivos. O mais importante, contudo, é o papel político que a Saúde tem em influenciar outros setores do Estado e da sociedade civil.

Vários eixos de ação devem ser reforçados, como a ampliação do conhecimento da população sobre as mudanças climáticas, onde o setor da saúde pode contribuir na capilarização, não somente da informação sobre os impactos à saúde, como também da atuação individual e coletiva no enfrentamento de seus aspectos e seus impactos na população. O diálogo entre os diversos setores do Estado deve ser intensificado, considerando a dimensão e complexidade das intervenções de mitigação e adaptação, exigindo múltiplas abordagens, mecanismos, investimentos e a participação da população como elementos de sustentabilidade. Assim, a Saúde tem o desafio de identificar, avaliar e discutir as determinações sociais e ambientais da saúde associadas com as mudanças climáticas nos diferentes territórios do país.

Esse tema ainda não habita o imaginário popular com a necessária relevância que a situação exige. Perpetua-se os apelos de uma sociedade consumista, a desvalorização do simples (incluindo a vida humana), do necessário. Cada vez mais temos a concentração da riqueza em detrimento da pobreza, da fome, da desigualdade, sendo mais um desafio social e político que imprime e influenciam sociedades: muitos morrem em favorecimento de poucos. E novamente debater Mudanças Climáticas vai muito mais além dos efeitos diretos de suas consequências sobre a saúde humana.

O que há por fazer urgentemente? É evidente que a agenda ambiental deve estar conectada à agenda social e que a Saúde tem um papel central nessa conexão. A desigualdade social impõe um desafio para a Saúde. A complexidade das mudanças climáticas demanda parcerias entre os diferentes campos de conhecimento e uma intersetorialidade na prática, onde deve ocorrer com urgência e de forma aprofundada o diálogo entre os diversos setores do Estado e da sociedade civil. Sem esse feito, o Estado brasileiro estará falhando na garantia dos direitos dos cidadãos e cairemos em uma injustiça climática, na qual as populações mais vulneráveis serão as que sofrerão já em curto prazo os impactos das mudanças climáticas.

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