Ozempic: o que significará o fim de sua patente?

Remédio tornou-se galinha dos ovos de ouro de farmacêutica europeia. Mas, em breve, poderá ser produzido sem restrições. China e Índia preparam-se para oferecê-lo a baixo custo. O que têm a ensinar ao Brasil?

Créditos: Mira Norian/Verywell
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Uma droga relativamente nova tornou-se onipresente nas editorias de saúde dos principais jornais brasileiros e internacionais. Também toma conta das redes sociais e notícias de fofoca, por ter virado febre entre famosos. Até Lula e Janja estão usando as canetas injetáveis, alardeia a imprensa. O novo elixir é mais conhecido por sua marca principal: Ozempic. Mas a substância presente nos medicamentos leva o nome de semaglutida, uma mimetização do hormônio GLP-1, produzido no intestino e no cérebro com a função de regular os níveis de glicose no sangue.

A semaglutida foi criada visando o tratamento da diabetes tipo 2. Ela estimula o pâncreas a liberar insulina quando os níveis de glicose no sangue estão elevados, ajudando a regular a glicose no sangue após as refeições. E, diferente de drogas mais antigas, não provoca o aumento de peso. Na verdade, tem o efeito contrário: ao estimular a sensação de saciedade por um período muito mais longo que o GLP-1 natural produzido pelo corpo, é muito eficaz no emagrecimento. Estima-se que seu uso constante, aliado a dieta e exercícios físicos, pode reduzir o peso de uma pessoa em 10% após um ano. Há sinais, ainda não comprovados, de que pode ser também auxílio poderoso no combate a enfermidades do coração, fígado e rins.

O Ozempic, frequentemente referido como remédio arrasa-quarteirão, representou uma pequena revolução na indústria europeia. A responsável por sua fabricação – e detentora de sua patente – é a Novo Nordisk, empresa dinamarquesa com mais de 100 anos, maior produtora de insulina do mundo. Com a semaglutida, a corporação chegou a outro patamar: recentemente, seu valor de mercado alcançou 570 bilhões de dólares – maior que o PIB de seu país de origem. Tornou-se a maior empresa da Europa, ultrapassando a LVMH, que fabrica produtos de luxo como as bolsas Louis Vuitton, o champagne Veuve Clicquot e a marca de joias Bvlgari. Agora, seu reinado pode estar chegando ao fim.

O mundo alcança níveis de sobrepeso e obesidade alarmantes, e seus principais responsáveis, além do sedentarismo, são os alimentos ultraprocessados – formulações alimentícias industriais extremamente pobres mas cheias de aditivos químicos para ressaltar seu sabor e aparência. Pão de forma, macarrão instantâneo e salgadinhos são apenas alguns exemplos da miríade de ultraprocessados disponíveis nos supermercados. São baratos, práticos e apetitosos. Em um mundo empobrecido e acelerado, e impulsionados pelo lobby da indústria alimentícia, espalharam-se e geraram lucros vultosos. Também são – veja só – altamente causadores de doenças crônicas como a diabetes. Nesse contexto, o Ozempic e similares encontraram seu lugar ao sol.

Mas há uma barreira importante para sua disseminação: seu altíssimo custo. Protegido por patentes, o uso mensal do medicamento chega a custar 935 dólares, nos Estados Unidos. Há alguns meses, o senador estadunidense Bernie Sanders abriu uma investigação para descobrir como seu preço é determinado – há estimativas de que o custo de produção seja menos de 5 dólares por caneta. No Brasil, seu preço mensal varia de R$ 994,03 a R$ 1.308,32, a depender da tributação de cada estado. Não está disponível no SUS, embora já haja casos de pacientes que entram na justiça para recebê-lo pelo sistema público.

É justo ou aceitável impor um preço tão alto por uma droga potencialmente revolucionária para tratar a diabetes tipo 2, uma doença cuja taxa global é de 183 por 100 mil? Mas esse cenário pode se transformar rapidamente, num período próximo. Isso porque a patente da Novo Nordisk está prestes a chegar ao fim em países importantes. É o caso de duas enormes nações com indústria farmacêutica entre as mais avançadas do mundo: Índia e China. Neles, as normas que proíbem a produção da semaglutida expiram em 2026. E ambos estão prontos para aproveitar-se da situação e oferecer o medicamento por preços muito mais acessíveis.

Quando o Ozempic foi autorizado na China, em 2021, abriu-se à Novo Nordisk um mercado gigantesco. Suas vendas duplicaram. Estima-se que o país terá 150 milhões de pessoas com obesidade e 540 milhões com sobrepeso em 2030. Mas a indústria chinesa está fortemente preparada para o dia em que a patente deixar de existir: há ao menos 15 versões genéricas sendo preparadas pelas farmacêuticas locais – 11 em estados avançados de testes clínicos, segundo levantamento da Reuters. A Novo Nordisk procura estender sua propriedade por mais tempo, mas há pouca esperança de que isso aconteça. Na verdade, há chances de que a patente caia até antes.

Uma matéria da Nature ajuda a compreender a importância do investimento das indústrias chinesa e indiana no processo. Busca-se, além de produzir a versão genérica da semaglutida, desenvolver biossimilares: substâncias que se assemelham muito ao produto de referência e são derivados de organismos vivos modificados, como leveduras. Há, ainda, a busca por medicamentos novos: “A ambição não é apenas ter um produto mais barato, mas ter algo que seja tão bom, senão melhor”, afirmou Guy Rutter, um consultor da indiana Sun Pharmaceuticals, à revista. Quanto ao preço, as estimativas são animadoras. Abhijit Zutshi, diretor comercial da gigante indiana Biocon, estima que pode cair de 50% a 90%. 

Produzida em países do Sul Global, essa transformação no mercado de medicamentos para diabetes tipo 2 e para obesidade pode ter grande impacto no mundo. Como expõe uma série de reportagens (1, 2, 3) publicada por Outra Saúde, a indústria de medicamentos indiana é conhecida como “a farmácia do terceiro mundo”. Para chegar ao patamar de 9ª maior produtor farmacêutico, o país desafiou e pressionou as regras dos países abastados e da Organização Mundial do Comércio. Suas exportações para as nações africanas e asiáticas garantem que esses países sigam abastecidos com remédios que não seriam adquiridos nos preços impostos pelas farmacêuticas ocidentais. Hoje, companhias privadas pressionam por adoção de modelo de negócios similar ao do Ocidente, o que pode representar um risco ao fornecimento de remédios aos países empobrecidos. Mas a indústria segue pujante.

No Brasil, a patente da semaglutida também chega ao fim em 2026 – mas a regressão industrial das últimas décadas foi arrasadora, e o país não tem a mesma chance de seus parceiros do BRICS. Em 2021, a Novo Nordisk pediu à Justiça a prorrogação do prazo da propriedade intelectual do medicamento, mas foi negada pela 5ª Turma do TRF-1. Um medicamento semelhante para o tratamento da diabetes, a liraglutida, expira neste primeiro semestre de 2024. Há expectativa no mercado de que empresas transnacionais vendam os genéricos chineses e indianos no país.

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