O uso da cannabis no debate de saúde pública

Estudos têm provado a eficiência de canabinoides para o tratamento de doenças. Entretanto, o uso da planta vai muito além e seu acesso precisa ser ampliado no sistema de saúde público

.

De acordo com a OMS, 2% da população mundial apresenta quadros de epilepsia, considerada uma síndrome neurológica crônica. O tratamento da doença é complexo e pode envolver cirurgia ou fármacos capazes de diminuir a ocorrência das crises. Um dos compostos mais estudados para casos em que não há resposta positiva com outros anticonvulsivantes é o canabidiol (CBD), presente na maconha.

Um artigo, elaborado por Bruno Fernandes Santos, pesquisador da USP, avaliou os efeitos de redução de crises a partir de revisão sistemática da literatura. A pesquisa foi feita em bases de dados, como Google Scholar e Scielo, usando as palavras-chave Canabidiol, Epilepsy e Drug Resistant Epilepsy. Publicado na revista Acta Epileptologica, a pesquisa revela uma redução de 41% no número de convulsões com o uso do canabidiol.

Apesar das evidências científicas cada vez mais sólidas, o tratamento ainda não é amplamente disponibilizado na rede pública de saúde. Em artigo para o Outra Saúde, o médico e filósofo Paulo Fleury Teixeira, especialista em medicina canabinoide, explica que a Anvisa identifica cerca de 250 mil pacientes de canabinoides que são atendidos hoje no Brasil por vias autorizadas e regulamentadas. Contudo, a agência reconhece também que há outro tanto – provavelmente muito maior do que 250 mil – que é atendido por cultivo próprio, através de associações e produtores independentes. 

A boa notícia é que se tem discutido nacionalmente a facilitação e ampliação do acesso aos tratamentos e à pesquisa com produtos de cannabis no Brasil, reconhecimento que é fundamental para o avanço do conhecimento na área. Entretanto, o proibicionismo segue em vigor, e pouco se reflete sobre isso. Em entrevista ao Outra Saúde, o neurocirurgião Pedro Antonio Pierro Neto explica que, hoje, o uso de cannabis medicinal vai além do tratamento de doenças, servindo para fins terapêuticos e até para recuperação física. Para o médico, a liberação da maconha também poderia contribuir para a agricultura e para um uso mais sustentável do solo.

Mas o ponto mais importante, como anuncia Pierro Neto, é que “falar da liberação da maconha é tocar em um ponto nevrálgico da violência social e estatal que marca as relações sociais brasileiras”. É o preto, pobre e periférico que mais sofre com a criminalização da maconha e, uma vez que ela for regulamentada, parte da pressão de cima dessas pessoas pode acabar.

Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras

Leia Também: