O tucano que não voa

Alckmin protagoniza a mais desalentada campanha do PSDB à Presidência da República

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Por Maíra Mathias, do Outra Saúde

Pela segunda vez, Geraldo Alckmin (PSDB) disputa a Presidência da República. E, ao que tudo indica, novamente sua participação vai deixar a desejar. Em 2006, o político chegou ao segundo turno, disputado contra Lula no auge do escândalo do mensalão. Mas conseguiu uma proeza: obteve menos votos do que no primeiro. Nestas eleições, a perspectiva é ainda pior. Segundo a pesquisa Datafolha divulgada ontem (2), ele tem 9% das intenções de voto – o mesmo percentual do levantamento realizado antes do início da propaganda na TV e no rádio.

Como se sabe, Alckmin tem mais tempo do que qualquer outro candidato, chegando a cinco minutos e meio. Isso se deve às coligações costuradas pelo tucano com o chamado Centrão: PP, PTB, PSD, SD, DEM, PPS e PR. Se, nas últimas semanas, algumas dessas legendas e suas lideranças começaram a desembarcar da candidatura em troca do apoio ao primeiro colocado nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), a ligação com os partidos envolvidos em diversas denúncias de corrupção foi um dos calcanhares de Aquiles do ex-governador de São Paulo.

Mas não o único. Analistas diversos já apontaram que num pleito que acontece em um país polarizado entre petismo e antipetismo, Alckmin não conseguiu capitalizar no segundo flanco, dominado por Bolsonaro. Sua derrota vai marcar, para outros especialistas, o auge da crise do PSDB, que vai completar 16 anos fora do controle do governo federal. Há quem fale em fim do partido como força nacional, caso não consiga fazer o próximo governador de São Paulo, estado controlado desde 1995 pelos tucanos. Neste caso, a bola está com uma “criatura” de Alckmin, o ex-prefeito de São Paulo João Doria Jr, que durante meses tentou dar uma rasteira no padrinho político para receber do partido a indicação para a disputa ao Planalto. O PSDB é apontado como preferência de apenas 4% dos brasileiros, e o PSL de Bolsonaro acaba de alcançar esse patamar. (O PT lidera isolado, com 21%, segundo o Datafolha.)

Nessa reta final, a tática de Alckmin é parecida com a de outros integrantes do batalhão do meio da corrida presidencial, como Ciro Gomes (PDT) e – a cada dia menos – Marina Silva (Rede): apelar à “razão” do eleitor que não quer a volta do PT nem a vitória do ex-capitão do Exército. “Esta semana é decisiva, nem os radicais de esquerda, nem os radicais de direita”, disse no último debate, realizado domingo pela TV Record. “Os radicais são parecidos. O PT votou contra o plano real; o Bolsonaro também. O PT votou contra a quebra do monopólio de telecomunicações; o Bolsonaro também (…). O PT votou contra o monopólio do petróleo; o Bolsonaro também. O PT votou no Lula; o Bolsonaro também declarou no plenário que ele votou no Lula. É impressionante como o radicalismo se atrai”, completou, de maneira um tanto cômica, em outro bloco do debate.

O candidato é a favor das “reformas” contra o “marasmo”. Desde as já implementadas – trabalhista e terceirização irrestrita – quanto a da Previdência. Alckmin também na reforma política, tributária e em uma reforma do Estado. Tem destacado que, se eleito, pretende investir em obras de saneamento básico feitas por meio de parcerias público-privadas, e liga a área à melhoras na saúde e à recuperação do emprego (“é emprego na veia”, repete).

Mas, ao que tudo indica, Alckmin não conseguiu encarnar o antipetismo, tampouco emplacar a imagem de terceira via. Mais metade de seus eleitores pensam em mudar de voto, segundo o Datafolha. Governador de São Paulo durante quatro mandatos, Alckmin perde no estado para Bolsonaro e Haddad, segundo pesquisa DataPoder360 divulgada no fim de setembro.

Três ‘Brasis’   

O programa de governo de Geraldo Alckmin é curto, telegráfico. Com apenas 12 páginas, é o mais enxuto entre os candidatos mais competitivos. Não é dividido por áreas, mas em três partes que falam sobre sentimentos que sintetizariam o momento brasileiro: indignação, solidariedade e esperança.

A primeira parte é ilustrada por um protesto em que um homem jovem e branco enrolado numa bandeira (provavelmente a nacional) grita alguma coisa (possivelmente “fora PT”). De partida, o texto diz: “Ninguém aguenta mais sustentar um Estado caro e ineficiente que cobra altos impostos e presta serviços públicos de baixa qualidade”. Alckmin, que se aliou ao Centrão, composto pelo partido mais denunciado na Operação Lava Jato – o PP – promete “tolerância zero” com a corrupção.

Entre os 17 pontos desta parte do programa, não há nenhuma menção direta à saúde. Entre as propostas de reforma do Estado, contudo, há menção à “despolitização de agências reguladoras” (o que incluiria, naturalmente, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Anvisa), à descentralizar poder em nome de mais autonomia para estados e municípios e a redução do número de homicídios para 20 a cada cem mil habitantes. Em 2018, o país bateu a marca dos 30 por cem mil habitantes. Mas, aparentemente, isso vai acontecer com mais “guerra às drogas”.

No “Brasil da solidariedade”, ilustrado por uma mulher (negra) a trabalhar em uma padaria enquanto uma cliente (branca) espera sua vez na fila do pão, o programa promete redução das desigualdades sociais através da ampliação do acesso à saúde, da melhora da qualidade da educação, do combate à violência e do respeito a mulheres, idosos e minorias. São 14 pontos, três deles dedicados à saúde.

Há um conjunto de ideias ligadas à informatização: digitalização de dados, implantação de um cadastro único de todos os usuários do SUS e criação de um prontuário eletrônico com o histórico médico de cada paciente. O texto afirma que esses “são passos fundamentais para melhorar a qualidade do atendimento na saúde e combater desperdícios”.

Alckmin promete ampliar o “Programa” Saúde da Família, implantado em 1994 pelo governo Fernando Henrique Cardoso (que sob Lula, em 2006, foi rebatizado como “Estratégia” Saúde da Família) e hoje tem cobertura de aproximadamente metade do país. O candidato quer incorporar especialidades médicas na atenção básica.

A terceira e última proposta do programa de governo é criar um programa de credenciamento de ambulatórios e hospitais “amigos do idoso”. E é isso. Na parte sobre o “Brasil da esperança” (com foto de jovem com pinta de engenheira) não há menção direta à saúde.

Como a revista Época mostrou, um importante ponto ficou de fora do programa: o financiamento do SUS. O ex-secretário estadual de saúde de São Paulo, David Uip, que representa a candidatura em debates temáticos como o do Roda Viva e o da Fiesp, contou aos repórteres que o problema do dinheiro, considerado o principal pelo grupo multidisciplinar que fez as propostas de saúde, desapareceu do programa. “Precisamos reconhecer que o SUS está subfinanciado. Criamos um sistema muito amplo, mas não pensamos em fontes de recursos estáveis para ele”, diz Uip na matéria. O outro ponto que saiu foi a judicialização.

Ao longo dos debates na televisão, Alckmin tem repetido que “até como médico” (ele é anestesista, mas exerceu pouco a profissão) tem interesse na saúde. Nessas ocasiões, sempre informa que construiu 16 hospitais e 23 ambulatórios médicos de especialidades (AMEs) em São Paulo na última gestão. Geralmente faz a seus adversários uma pergunta sobre a saúde. E, como de resto, suas (poucas) ideias para esta área também não empolgam.

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