O que traz o congresso da Alames, em sua volta ao Brasil

Rio recebe grande evento da Saúde Coletiva latino-americana. Quarenta anos depois de surgir, encontro expressa novos desafios – as ditaduras passaram; cresce agora a luta contra a mercantilização da vida e do cuidado. O que esperar desta nova edição?

Manifestação pela Saúde em Buenos Aires, outubro de 2024. Crédito da foto: Residentes y Concurrentes CABA. Montagem: Outra Saúde
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Entre os dias 4 e 8 de agosto, o Rio de Janeiro será sede de um grande evento que debaterá saúde, direitos sociais e democracia. É o Congresso da Associação Latino-Americana de Medicina Social e Saúde Coletiva (Alames), organização que, aos seus 40 anos, retorna para o país onde nasceu. Para este 18º Congresso, a sua presidente Ana Maria Costa conta ao Outra Saúde que espera que a Alames amplie ainda mais sua interlocução, em “diálogo com o mundo, com outros setores, com a política e com os temas que estão postos nos dilemas do planeta”. 

A comunidade dedicada à Saúde Coletiva parece estar sintonizada com essa proposta. Prova disso são as mais de duas mil inscrições, número bastante acima do esperado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), representante da Alames no Brasil e responsável pela organização do evento. O Congresso acontecerá na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), um local simbólico, como conta Ana Costa, por ser a instituição onde foi criado o primeiro Instituto de Medicina Social do Brasil, em 1971.

“A Alames nasceu em Ouro Preto (MG), numa reunião organizada por Sérgio Arouca, Francisco Campos e Paulo Buss, que identificaram a importância da criação dessa entidade para dar corpo à nascente Medicina Social”, completou a sanitarista. Esse campo, que nasceu na América Latina e no Brasil se consolidou como Saúde Coletiva, parte do princípio de que a saúde não é apenas uma questão biomédica, mas um reflexo das condições sociais. Surgida em meio às lutas por reformas sanitárias e contra ditaduras na região, ela se distingue por vincular a prática médica à transformação política, e inspirou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ana Costa defende que, em 2025, a luta para aprofundar a democracia continua central: “Para ter saúde, é preciso que haja um Estado que se ocupe com o bem-estar e com a qualidade de vida das pessoas. Por isso o conceito da democracia e dos direitos sociais é tão importante para a América Latina, para essa base metodológica da compreensão da doença que é a determinação social da saúde”. Por isso, ela enfatiza a importância do tema da 18ª edição do programa, Por democracia, direitos sociais e saúde: retomando o caminho da determinação social e da soberania dos povos.

Programação do Congresso

A programação inclui conferências, mesas-redondas, rodas de diálogo, atividades culturais e assembleias de movimentos sociais, distribuídos em seis eixos centrais que tocam as raízes da medicina social latino-americana:

  • Capitalismo e Saúde
  • Soberania e Descolonização da Saúde
  • Direitos Sociais e Equidade na Saúde
  • Saúde e Democracia
  • Determinação Social da Saúde
  • Políticas e Modelo de Cuidado

Nos dias 4 e 5 de agosto, acontece o pré-congresso, com mais de 70 atividades que envolvem o debate sobre sistemas de saúde, políticas de assistência farmacêutica, de acesso a medicamentos, direitos sexuais e reprodutivos, entre outros. Essa parte da programação é aberta a todos. Já nos dias seguintes, o Congresso trará comunicações orais, mesas temáticas, apresentações dos pôsteres. Veja toda a programação.

Às tardes, acontecem os grandes debates e conferências. A programação terá nomes importantes do sanitarismo brasileiro e latino-americano, como Jairnilson Paim, a mexicana Ana Cristina Laurell, o colombiano Saúl Franco, Nila Heredia, ex-ministra da Saúde da Bolívia, e Víctor Penchaszadeh, geneticista argentino. Mas também personalidades importantes na luta pela democracia, como João Pedro Stedile, Emir Sader, Ailton Krenak, José Dirceu, Maria Rita Kehl, a economista italiana Clara Mattei e Rebecca Igreja, secretária-geral da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO). 

Para a sexta-feira, antes do encerramento, o congresso planeja ainda um ato de solidariedade a Cuba, “por ter mostrado tanto sobre saúde, por ter criado um sistema que inspirou tanto na criação do SUS e outros países. Por ainda hoje manter, apesar de todos os problemas internos decorrentes do boicote, essa prática solidária de formação e fornecimento de médicos para a América Latina”, explica Ana Costa.

A Saúde Coletiva perante novos desafios

Quatro décadas depois de sua fundação nos anos 1980 – quando a luta contra as ditaduras latino-americanas criou a Saúde Coletiva como trincheira de resistência –, a Alames se reencontra em um cenário de múltiplas crises: o avanço de novos autoritarismos, a emergência climática que já amplia doenças e desigualdades no continente e os desafios persistentes à ampliação do SUS. Se nos anos 1980 a Medicina Social ajudou a derrotar regimes opressores com propostas ousadas como os sistemas universais de saúde, hoje o desafio é igualmente complexo: como frear a mercantilização da vida, garantir soberania sanitária diante de pandemias e catástrofes ambientais e recompor a saúde como projeto democrático radical? 

O congresso no Rio pode ser, além de um balanço dos 40 anos dessa trajetória, um laboratório de respostas urgentes. Como nos anos 1980, elas não virão de elites, mas das periferias, das comunidades indígenas, dos trabalhadores e pesquisadores da saúde. A aposta é clara: a mesma ousadia que um dia enterrou ditaduras pode, agora, ajudar a superar o fatalismo neoliberal – e recolocar a vida, e não o lucro, no centro da política.

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