O pior ano da dengue em SP e o desmonte do Estado
Arbovirose explodiu, em 2024. No maior estado do país, não há investimento no combate a endemias. Institutos e órgãos de pesquisa que ajudariam a conter a crise foram extintos. Tudo em prol da iniciativa privada. No ano que vem, será pior
Publicado 23/10/2024 às 10:56 - Atualizado 23/10/2024 às 11:31

Título original: Maior epidemia de dengue no estado não comove governo de São Paulo e ano que vem será pior
A explosão de dengue no estado de São Paulo em 2024, que até o dia 9 de outubro deixou um rastro de mais de 2 milhões de contaminados, é a maior epidemia da doença no estado, desde que há monitoramento oficial iniciado no ano 2000. A última epidemia aconteceu em 2015, quando foram registrados mais de 700 mil casos. Ou seja, este ano foi quase 2 vezes mais grave que a pior crise histórica.
Os mais de 1,8 mil mortos, números lamentavelmente sempre em crescimento, não são obra do acaso. Os dados do estado São Paulo são maiores do que o resto do país, resultado de uma junção catastrófica entre sucateamento da pesquisa, desmonte de institutos e a completa falta de projetos e políticas públicas voltadas à saúde.
A falta de investimento no combate a endemias coloca a população em risco, principalmente aqueles que estão em situação mais vulnerável. Mulheres pretas e pardas que vivem em periferias de grandes cidades formam o grupo mais afetado pela doença, segundo dados do Ministério da Saúde, representando 26% dos casos.
Ao longo de 2024, o SindSaúde-SP relembrou que a extinção dos institutos das áreas de saúde, agricultura e meio ambiente, a partir de um canetaço do então governador João Doria (PSDB), por meio da lei 17.293/2020 – apoiadas por parlamentares paulistas da base do governo – acabou com estruturas como a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), responsáveis por estudos que ajudavam a conhecer o comportamento de vetores e patógenos.
Foram organizações como essa que elaboraram pesquisas independentes capazes de compreender como esses seres se comportam a partir das mudanças climáticas e indicar caminhos para políticas públicas de controle de endemias.
O sucateamento teve o ápice no governo Doria, mas foi mantido na atual gestão, onde a participação do Estado foi substituída tanto quanto possível por parcerias público-privadas. A questão aqui é que os investimentos privados nem sempre têm compromisso com os interesses da sociedade, como o desenvolvimento de estudos capazes de garantir o acesso à alimentação de qualidade ou oferecer maior segurança à população que vive na periferia com piores condições de vida. A lógica do setor privado é o lucro e isso se estende também às pesquisas.
Da mesma forma que ocorre em setores como a educação, também na saúde a ausência de concursos públicos traz um cenário desolador: até 2022, havia a ausência de 7.991 profissionais na área de pesquisa, incluindo pesquisadores científicos, assistentes, técnicos, oficiais, agentes e auxiliares. Quase 80% do índice necessário para que as secretarias da Saúde, Agricultura e Abastecimento, de Desenvolvimento Urbano, de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística funcionassem adequadamente.
Com a redução de investimento, o esvaziamento de quadros, os salários defasados e a queda cada vez maior do número de pesquisadores, inclusive com a aposentadoria de muitos, não é difícil prever o quadro que se aproxima para o próximo ano.
Desde a extinção da Sucen, o número de casos segue elevado, em média acima dos 300 mil, com a explosão neste ano e a situação pode ainda piorar devido às mudanças climáticas. Há também a possiblidade de aumento de até 6 graus em algumas regiões do estado, como Ribeirão Preto, conforme destacado pela Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC).
A tendência é que tenhamos uma expansão cada vez maior da doença, acompanhada de outras também transmitidas pelo mosquito, como zika, chikungunya e a febre oropouche.
Sem investir em pesquisas e toda a estrutura que as envolve, como a contratação de profissionais por meio de concursos públicos, voltados aos interesses públicos e não privados, em políticas de enfrentamento da crise climática, a recuperação de áreas alteradas e a redução de áreas de monocultura, São Paulo pode seguir a bater recordes negativos. Não apenas como capital da dengue, mas também de outras doenças.
Caminhamos para um cenário trágico, que só poderá ser revertido caso o governo paulista efetivamente se comprometa a cumprir o papel de gestor e administrador da saúde pública no estado mais rico da nação, que segue como referência negativa ao país na área da saúde.
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