Nísia Trindade fala sobre a geopolítica das pandemias

Relatório internacional sustenta: não bastam novos fármacos. Para enfrentar novas ameaças, é preciso superar lógica de patentes, construir conhecimento no Sul Global e abandonar políticas de austeridade. No SUS, há um embrião de resposta, defende ex-ministra e coautora do documento

Créditos: Vitor Vogel – COC/Fiocruz
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Não são somente os vírus e bactérias que determinam o recrudescimento de pandemias – mas a estrutura que mantém as desigualdades globais. Sem combatê-las, não haverá avanço biomédico que evite novas crises sanitárias. Esse é o ponto de partida do relatório Rompendo o ciclo da desigualdade-pandemia – Construindo a verdadeira segurança na saúde em uma era global, lançado ontem (16/12) no Brasil.
O dossiê foi elaborado na UNAIDS, programa da ONU para combater a epidemia de HIV, pelo Conselho Global sobre Desigualdades, Aids e Pandemias. Nísia Trindade, ministra da Saúde nos dois primeiros anos do governo Lula e pesquisadora emérita do CEE/Fiocruz, é uma das membros-fundadoras do Conselho, e contribuiu para a produção do relatório. Em entrevista exclusiva ao Outra Saúde, que pode ser lida abaixo, ela explicou alguns de seus principais aspectos.

“O que o relatório indica é que nós temos que considerar que a pandemia é fruto de fenômenos não apenas biológicos, mas também sociais, econômicos e políticos. E, portanto, ela não pode ser enfrentada apenas com tecnologias de saúde”, esclarece Nísia. E é possível observar a volta completa do ciclo, à medida em que as pandemias – como a de covid-19 ou de HIV – também contribuem para agravar as desigualdades já existentes.

Lançamento do relatório UNAIDS Brasil/Kayo Oliveira Rompendo o ciclo da desigualdade-pandemia- Construindo a verdadeira segurança na saúde em uma era global, nesta terça (16), em Brasília. Créditos: Kayo Oliveira/UNAIDS Brasil

Produção e inovação – em uma resposta ao sistema de patentes

Essa constatação significa, portanto, que para se preparar contra novas pandemias, o mundo precisa de mais que bons fármacos. Em primeiro lugar porque a crise da covid deixou claro que os avanços da ciência acabam concentrados nos países do Norte Global. “Em 2021, apenas dez países concentravam 75% das doses aplicadas contra a covid-19, deixando o planeta mais suscetível ao surgimento de variantes”, descreve o dossiê.

Como combater esse enorme problema de falta de acesso a vacinas e medicamentos? Reformulando o modelo de patentes, respondem os responsáveis pelo documento. Propõem: “Renunciar automaticamente às regras globais de propriedade intelectual sobre tecnologia pandêmica quando uma pandemia for declarada”. 

Essa ação simples e ousada poderia ampliar o acesso, por exemplo, ao lenacapavir, medicamento de ação prolongada para a prevenção do HIV. Trata-se de uma inovação que pode ser transformadora – mas o preço exorbitante imposto pela farmacêutica Gilead impede que seja usado por quem mais precisa.

Mas Nísia Trindade chama a atenção para o fato de que também é preciso expandir a capacidade dos países do Hemisfério Sul de produzir esses fármacos. “É fundamental que os países também tenham condições de produção local e regional. Principalmente no caso de produtos que levam mais tempo no desenvolvimento, como vacinas e imunobiológicos. Os países do Sul Global têm que ter condição de produzir seus fármacos.”

Para isso, o dossiê propõe mais uma inovação: prêmios em vez de patentes. Ou seja, “Substituir a estratégia atual de pagar preços altos globalmente, por doses de fornecedores limitados, por um fundo para pagar grandes prêmios iniciais pela descoberta de medicamentos e vacinas e por licenciamento global para produção”. 

Segundo o relatório, essa iniciativa poderia ser liderada por alianças como os BRICS e a União Africana, que seriam capazes de criar uma nova estrutura “que complementaria a produção ampliada discutida, sem as ineficiências do monopólio”. Em outras palavras, “um novo paradigma de Pesquisa & Desenvolvimento em saúde global”, descrevem os autores.

Para financiar a saúde, interromper o pagamento da dívida

No entanto, nenhuma dessas transformações – nem na produção de medicamentos, nem no combate às desigualdades sociais – é possível sem enfrentar um obstáculo anterior: o estrangulamento financeiro dos Estados.

O relatório é direto: países em desenvolvimento estão asfixiados por uma dívida de US$3 trilhões, que consome recursos que deveriam ir para a Saúde. Para quebrar esse nó, a proposta mais contundente do dossiê é a mesma que movimentos antiausteridade defendem há anos: “implementar uma moratória imediata de pagamentos para países em situação de estresse financeiro devido a pandemias até 2030”. 

O documento vai além e identifica a armadilha que se fecha após a crise: a austeridade fiscal. Ao analisar pandemias das últimas décadas, os pesquisadores descobriram que a desigualdade aumenta quase três vezes mais nos países que adotam medidas de ajuste após o choque inicial. 

“A austeridade prejudica a saúde, enfraquece a capacidade dos países de responder aos determinantes sociais das pandemias e construir respostas médicas, além de aumentar o impacto das pandemias sobre a desigualdade”, conclui o relatório. A mensagem é um alerta direto aos governos que, em nome do equilíbrio das contas, repetem as políticas que deixaram o mundo mais vulnerável à covid-19.

O papel de sistemas universais como o SUS

Se as recomendações do relatório soam como um plano para um futuro distante, é preciso olhar para o que já temos. O Brasil guarda uma peça central desse quebra-cabeça da saúde global: o Sistema Único de Saúde (SUS). Para o Conselho, um sistema que garanta acesso universal é justamente o antídoto contra a desigualdade que alimenta as pandemias. Mas como traduzir esse princípio em prática, especialmente quando o SUS vive sob um subfinanciamento histórico?

A resposta está em enxergar que verdadeira força do SUS para preparar o país contra novas crises está na sua capacidade única de agir sobre os determinantes sociais da saúde – aquelas condições de vida, trabalho e renda que definem quem adoece e quem morre primeiro. É essa virtude que esbarra de frente nas políticas de austeridade, como o atual Arcabouço Fiscal, que estrangulam a capacidade de ação do Estado justamente onde ele é mais necessário.

Nísia Trindade aponta, ainda, outro pilar essencial, que nasceu com o SUS: a participação social. “Tudo isso depende de uma política de Estado, por um lado, e da mobilização da sociedade, por outro”, afirma. Para ela, porém, esse controle social precisa ser dinâmico e vivo, garantindo que “esse processo de construção de políticas públicas esteja muito próximo dos grupos sociais, principalmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade”.

Fique com a entrevista.

Nísia, o relatório leva o título de “Rompendo o ciclo da desigualdade-pandemia”. Explique como esse ciclo funciona.

O que o relatório propõe é uma outra abordagem sobre pandemias. Normalmente, nós pensamos muito nos aspectos de vigilância, ou seja, em identificar eventos de saúde pública que fujam a um certo padrão em termos de adoecimento de pessoas. Nós temos hoje uma tecnologia muito avançada para essa vigilância e isso é, de fato, um fator muito importante.

Mas o que o relatório indica é que nós temos que considerar que a pandemia é fruto de fenômenos não apenas biológicos, mas também sociais, econômicos e políticos. E, portanto, ela não pode ser enfrentada apenas com tecnologias de saúde. Esse é o primeiro ponto.

Isso depende de cada tipo de doença, claro, mas se nós pensarmos na covid-19, por exemplo, a alta transmissão está diretamente relacionada a fatores sociais, condições de moradia, transporte, educação, acesso a serviços de saúde… Isso leva a dinâmicas diferentes da pandemia, com impacto na vida das pessoas.

Isso significa que as desigualdades determinam o curso da pandemia, em grande parte. Elas fazem com que a pandemia vá mais numa direção ou em outra. Quanto maior a desigualdade, maior a dificuldade de um país lidar com eventos pandêmicos, ao mesmo tempo em que a pandemia também agrava algumas desigualdades.

Algumas questões muito evidentes que estão no relatório: o impacto sobre o trabalho das mulheres, a pressão posterior à pandemia de recolocação no trabalho, o impacto em áreas urbanas, de periferias, de favelas, é muito maior. O impacto nos povos indígenas, que também está bem demarcado no relatório. A questão racial como um todo. 

Há, portanto, a ideia de que a desigualdade interfere no curso da pandemia – e a pandemia amplia as desigualdades existentes. Daí essa ideia do ciclo e que seria importante rompê-lo – essa é a proposta.

A senhora foi presidente da Fiocruz durante o auge da pandemia. Foi ministra da Saúde na reconstrução tanto do Brasil quanto da Saúde e do SUS, após a crise sanitária e a destruição do governo Bolsonaro. O que, na sua experiência, comprova essa tese do relatório, esse ciclo? Pode dar exemplos sobre como esse ciclo pode ser visto no Brasil?

Isso foi e continua a ser avaliado por pesquisas. Foram avaliadas condições de impacto das desigualdades durante a pandemia. Logo no início da crise sanitária, foi encomendado pelo Ministério da Saúde um grande estudo, o Epicovid, para avaliar e monitorar a transmissão, através de testes que foram realizados dentro de parâmetros científicos. Mas essa pesquisa foi interrompida, o financiamento foi cessado.

Já no primeiro semestre de 2020, essa pesquisa, coordenada pelos pesquisadores Pedro Hallal e Cesar Victora, dois importantes epidemiologistas brasileiros, identificava de maneira clara uma transmissão mais acentuada em áreas de maior vulnerabilidade social, de maior pobreza. E a transmissão era cinco vezes maior entre os povos indígenas – uma pandemia dentro da pandemia.

A maior gravidade da pandemia também pode ser associada à questão de garimpo e outros problemas nas áreas indígenas – e está na base da crise Yanomami, que nós enfrentamos no início do governo do presidente Lula. Também se viu um impacto muito grande naquelas famílias chefiadas por mulheres em situação de maior vulnerabilidade. Um outro dado é a letalidade por região, que foi muito maior no Norte. Isso tem a ver com condições sociais e com acesso a serviços de saúde, outro determinante social. Esses são apenas alguns exemplos.

Mas eu gostaria de acrescentar algo: como bem aponta o Dossiê Abrasco – Pandemia de Covid-19, há também uma questão em pandemias e em qualquer emergência: a resposta rápida e cientificamente embasada. Isso infelizmente não aconteceu no Brasil, e levou a que a gente tivesse um resultado dos piores do mundo. Segundo dados do início de 2022, o Brasil, um país com menos de 3% da população mundial, teve mais de 10% do número de mortes. Um percentual que chegou a 23% em março de 2021, quando passávamos pela situação mais grave. 

Uma pandemia depende de múltiplos fatores. Em uma crise como a da covid-19, antes das vacinas, nós tínhamos recursos muito limitados para minimizar o problema. Dependíamos das chamadas “medidas não farmacológicas”: máscara, distanciamento social. E isso requer confiança, que é um outro elemento que está presente no relatório. Requer que o governo coordene as ações, particularmente o Ministério da Saúde, como autoridade.

Foi a falta dessa coordenação que levou nosso país a esse resultado – junto com a demora das vacinas, claro.

O Brasil é bastante citado no relatório…

Exato. Além do Epicovid e do estudo coordenado pela professora Célia Landmann sobre desigualdades na educação e letalidade na pandemia, também foi muito destacado no nosso diálogo, para a elaboração do relatório, o Programa Bolsa Família.

Os programas de transferência de renda no mundo têm o Bolsa Família como uma grande inovação social. Quando falamos em inovação na saúde, muitas vezes pensamos na área de desenvolvimento tecnológico, de vacinas ou medicamentos. Mas há também a inovação em programas, em políticas públicas – e ele foi bastante citado no relatório.

Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre essas feridas que ainda estão abertas no Brasil pós-pandemia. Como se sabe, o país – e o mundo – ainda não estão preparados para as próximas pandemias.

Há um impacto muito grande na vida econômica, social e também na saúde. Muitos atendimentos à saúde não puderam ser realizados, por exemplo. Um dos maiores impactos ocorreu na taxa de mortalidade materna, que dobrou durante a pandemia. 

Mas, talvez, a ferida maior seja a da confiança. Houve uma campanha orquestrada contra vacinas, um descrédito sobre as medidas recomendadas a partir de evidências científicas. Isso nunca havia acontecido desse modo na história da saúde pública, em nossa sociedade. Levaremos um tempo para recuperar essa confiança. 

Por isso, no período em que eu estive no Ministério da Saúde, celebrei muito o aumento da cobertura vacinal de 16 vacinas das 17 do calendário infantil. Porque, junto com a crítica à vacina da covid, veio também todo um questionamento ao Programa Nacional de Imunizações, que nunca havia sido politizado – no pior sentido da palavra – no Brasil. E essa é a grande política para proteger e cuidar das pessoas.

Nós conseguimos que a Fiocruz e o Instituto Butantan dessem uma resposta importante em termos de vacinas para a covid. No caso da Fiocruz, também em termos de testes e diagnósticos. Uma rede de universidade se mobilizou com conhecimentos e inovações. Ou seja: nós temos os elementos mais fundamentais. 

Mas não se faz o enfrentamento de pandemias sem coordenação do Estado, sem o governo atuando fortemente. É importante que isso seja visto como um aprendizado pela sociedade

Estamos falando bastante do Brasil, mas o dossiê trata sobretudo da questão internacional. Ele discorre sobre a arquitetura financeira global, que é baseada em dívidas abusivas, que reforçam esse ciclo desigualdade-pandemia. Pode falar um pouco mais sobre como a austeridade piora as chances de um país responder às crises sanitárias?

O relatório dá um número bastante impactante, que é o fato de 3,3 bilhões de pessoas viverem em países que pagam mais pelos custos de dívida do que por serviços de saúde e por programas sociais. Esse dado é um dado muito forte. Portanto, essa discussão de propostas que transformem dívidas em investimentos – seja em saúde ou climáticos, como se colocou agora na COP-30 – é uma ênfase do relatório. 

Além disso, há discussão que vem junto sobre a austeridade fiscal. Há uma diferença entre responsabilidade fiscal e essas medidas de austeridade. Nós vimos, inclusive, no mundo todo, o impacto dessas medidas de redução de recursos para a saúde, para a educação e para programas sociais.

Essa defesa é feita no relatório, que propõe mesmo a suspensão do pagamento da dívida. Muitas vezes há dificuldade de se ter uma posição mais firme, como gostaríamos, no relatório, mas é um caminho importantíssimo.

O relatório do nosso conselho global para desigualdades e pandemias é também uma contribuição para que a implementação do Acordo de Pandemias leve em conta esses fatores, os determinantes sociais da saúde.

O relatório fala que as patentes mostraram-se um obstáculo na contenção de pandemias. O relatório propõe um modelo de prêmios em vez de patentes. Essa é uma proposta realista para substituir o sistema atual?

Esse caminho tensiona no sentido daquilo que é necessário para eliminar as barreiras de acesso. Essa questão das patentes não é nova: o acordo de Doha já colocava que os interesses da vida, da saúde, têm que prevalecer sobre os interesses econômicos e a propriedade intelectual – e essa declaração é fruto de um acordo entre países.

O Brasil viveu uma experiência durante o primeiro governo do presidente Lula, com o ministro José Gomes Temporão, que foi o licenciamento compulsório, dentro dos marcos legais, do antirretroviral efavirenz, para tratar o HIV.

Mas é importante pensar para além dessa questão. É fundamental que os países também tenham condições de produção local e regional. Principalmente no caso de produtos que levam mais tempo no desenvolvimento, como vacinas e imunobiológicos. Eu gostaria de acentuar esse ponto, da defesa da produção regional. Os países do Sul Global têm que ter condição de produzir seus fármacos. Esse também é um efeito da pandemia: a necessidade de aumentar a consciência sobre essa necessidade.

A Unitaid, que foi uma importante agência criada para dar conta do acesso a medicamentos para HIV, malária etc, ampliou muito o seu escopo e agora considera que acesso precisa vir junto da produção local e regional. 

Numa situação de pandemia, para ser concreta e voltar ao Brasil, o fato de nós termos a Fiocruz e o Butantan fez toda a diferença para a produção das vacinas. Mas nós não tínhamos nem estoque e nem capacidade de produzir a tempo, como era necessário, máscaras, ventiladores… As universidades tinham protótipos, mas não tinham a base industrial.

O relatório também cita os medicamentos de ação prolongada para o HIV, como o lenacapavir, ressaltando que essa pandemia não acabou.

Um ponto muito importante é reconhecer o HIV/aids como pandemia – isso nem sempre é colocado nesses termos. O HIV foi a segunda grande pandemia do século XX, e ela continua, nos países com mais dificuldade de acesso, de forma mais aguda.

Esses novos tratamentos estão de fato sendo avaliado como algo que vai transformar a proteção contra o HIV/aids. Por isso, está no centro das discussões. Está presente tanto no relatório como também na pauta de negociações do Ministério da Saúde. O preço justo desse medicamento é uma pauta fundamental.

O dossiê cita muitas vezes os determinantes sociais da saúde. Pode falar mais sobre como sistemas universais como o SUS podem contribuir para reduzir desigualdades?

O relatório mostra que a Saúde é impactada pelas políticas públicas. Para não falar de uma maneira tão genérica, estudos como os conduzidos pelo professor Maurício Barreto, no Centro de Integração de Dados e Conhecimento para a Saúde (Cidacs) mostram claramente o impacto do Programa Bolsa Família sobre indicadores como a mortalidade infantil, sobre a incidência de doenças como tuberculose. Recentemente, foi publicado um importante estudo sobre as relações entre desigualdades e mudanças climáticas também.

Esse entendimento, do ponto de vista de política pública, também levou a que nós criássemos, no Ministério da Saúde, um grupo interministerial para eliminação de doenças com determinação social. A rigor, todas as doenças têm alguma determinação social, inclusive as doenças crônicas. Mas é importante ter políticas públicas nesse sentido.

No caso dos sistemas universais, o interesse pelo SUS cresceu muito com a pandemia. Por mais que saibamos que há desigualdades no funcionamento do sistema, o fato de termos não só o direito, mas uma visão integral que envolve a atenção primária à saúde, o fortalecimento da Estratégia da Saúde da Família, é importante.

Uma articulação da atenção primária com o sistema de vigilância é fundamental para controlar pandemias no futuro. Os sistemas universais, por darem essa garantia de acesso, mostram de fato como a saúde pode ser um direito. O SUS fez diferença, no caso do Brasil, ainda que tenha tido resultados tristes, em especial por tudo que falei – ausência de coordenação, desmantelamento de políticas públicas com impacto muito grande na saúde.

O relatório também chama atenção às desigualdades raciais, de gênero e que atingem outros grupos fragilizados. Como combater também essas disparidades?

É importantíssimo isso. Eu citei um indicador da mortalidade materna, mas não mencionei um detalhe: ela é o dobro em mulheres pretas, em comparação às mulheres brancas. Esse é um dos dados, não é um único. Até nas condições de trabalho das mulheres e o impacto da pandemia, como já falamos aqui, também a questão racial se coloca aí com impacto muito grande também, no caso das mulheres negras.

Eu creio que há avanços, mas que estão aquém da nossa necessidade. Nós vivemos, de 2016 a 2023, um processo muito grande de desmantelamento de políticas públicas. A saúde mental, em todo o mundo, surge como um outro grande problema, agravado no pós-pandemia. Esses são fatores em que a questão racial também aparece de maneira diferenciada. E não apenas com a população negra: também nos povos indígenas, na região Norte há um racismo muito forte, e esse tema se coloca.

Não é possível pensar em desigualdade sem falar das múltiplas desigualdades de renda, de educação, de gênero, de raça, acho que isso fica muito patente após uma análise da pandemia.

Que outros pontos importantes a senhora destaca, no dossiê?

Gostaria de ressaltar o quanto o Brasil vem contribuindo para essa abordagem mais integral em relação à preparação para novas pandemias, seja com políticas públicas, seja com pesquisas. Esse é um ponto muito importante. Mas tudo isso depende de uma política de Estado, por um lado, e da mobilização da sociedade, por outro.

Não falamos aqui sobre isso, mas no relatório é enfatizada a importância da participação social. No caso do Sistema Único de Saúde, o controle social é exercido através do Conselho Nacional de Saúde. Mas temos que tornar essa participação cada vez mais dinâmica – e nós vemos o quanto é importante que esse processo de construção de políticas públicas esteja muito próximo dos grupos sociais, principalmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade.

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