“Não estamos satisfeitos com as respostas da Comissão Eleitoral do CFM”

• Irregularidades nas eleições do Conselho Federal de Medicina continuam a despontar •

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A eleição do Conselho Federal de Medicina, que escolheu dois conselheiros por estado para representar a autarquia em Brasília, segue sob o véu da contestação. As chapas opositoras de vários estados entraram com recursos na Comissão Eleitoral do órgão, que prontamente indeferiu seus pedidos e, através de parecer da empresa Webvoto, confirmou a validade do pleito. No entanto, segundo diversas chapas estaduais, o número de eleitores e votos segue sob suspeita e a justificativa de que alguns médicos podem votar mais de uma vez, caso prestem serviços a mais de um estabelecimento de saúde e paguem a respectiva quantidade de anuidades, não é suficiente. Uma petição no site Avaaz pede anulação do pleito.

“As listas de eleitores são inconsistentes. Queremos saber de onde saiu cada voto por estado. Os fiscais não acompanharam a votação. Fizeram uma transmissão no youtube, só exibiram os resultados definitivos. E pensávamos que mostrariam as mesas de votação estado por estado. Depois, a comissão eleitoral respondeu por meio da Webvoto, isto é, terceirizaram a eleição. Queremos ver quem votou mais de uma vez, e se votou em diferentes estados. Não estamos satisfeitos e enquanto não houver auditoria externa independente não vamos nos conformar”, disse Alex Romano, que concorreu no Rio de Janeiro, ao Outra Saúde.

Por que a eleição não foi feita via TSE?

Romano ainda afirma que a eleição via TSE, com suas urnas eletrônicas, não apenas seria mais confiável como também mais barata. A seu ver, o CFM não tem um sistema de registros médicos à altura da tecnologia da Webvoto e a alegação de que votar online ou por telefone seria do agrado da categoria é falaciosa. Além disso, não há clareza dos motivos que levaram a Webvoto a obter a permissão de prestação do serviço. A Infolog chegou a recorrer da decisão e sua proposta era vista como melhor por diversos grupos de médicos. No entanto, a Perfect Link, empresa que presta serviços de auditoria ao CFM, indicou a Webvoto, que já teve suas condições contestadas em 2021, quando prestou seus serviços à eleição da OAB. Ambas as empresas possuem parcerias que se estendem a outras áreas e processos licitatórios parecidos, a exemplo da eleição do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, realizada em julho.

A Perfect Link, como atesta em seu site, faz auditoria e contabilidade em empresas e associações de categorias de vários setores. Aparentemente, possui vínculos políticos e ideológicos com as últimas direções do CFM, claramente posicionadas à direita do espectro político e com alianças na alta esfera governamental, em especial nos anos de Bolsonaro.

Antes, em 2017, foi uma das empresas que patrocinou a Jornada da Investigação Criminal, evento realizado em Gramado que reuniu as estrelas da Operação Lava Jato e seus homens fortes à época, como Marcelo Bretas, Deltan Dallagnol e Sergio Moro. Seu CEO, Fernando de Pinho Barreira, fez postagens ao lado de apoio a tais figuras em suas redes sociais. Barreira é bacharel em direito, auditor e perito forense. Vínculos pessoais e interesses políticos destes protagonistas talvez expliquem a inusitada condolência que o ex-juiz e atual senador paranaense prestou ao CRM-PR após a queda do avião em Vinhedo, que levava alguns médicos do estado a um congresso de oncologia.

Estranhas surpresas

De todo modo, a eleição é contestada em vários estados, onde a direita neofascista e anticientífica venceu contra prognósticos que davam conta de seu isolamento na própria categoria. No Rio, Rafael Parente, que foi secretário de atenção primária do governo Bolsonaro durante a pandemia, venceu com seus discursos apelativos e moralistas. Sua vitória se deu inclusive contra chapas melhor articuladas na cidade, como a do dr. Luizinho, que chegou a ser cotado para tomar o cargo de Nísia Trindade no Ministério da Saúde em jogada do centrão – e tinha amplo apoio em setores empresariais da cidade. Seu suplente, João Hélio Leonardo de Sousa, é réu em mais de 20 processos por sua atuação médica e foi expulso do quadro de funcionários da Unimed-RJ em decisão de assembleia geral. A empresa ainda impetrou ação contra o profissional.

O mesmo ocorreu em São Paulo, onde a chapa de Melissa Palmeira parecia amplamente favorita contra a de Francisco Cardoso, que espalha mentiras como a defesa da cloroquina contra a covid e suposta ineficiência de lockdown e máscaras no contexto da pandemia. Ceará, Bahia e DF repetem a surpresa em que uma chapa de extrema-direita derrotou concorrentes cujo apoio dentro da categoria parecia muito superior.

Inconsistências técnicas

Além da falta de transparência a respeito dos votos e das explicações sobre quem efetivamente votou mais de uma vez, a direção do CFM publicou portarias que convidavam médicos sem a anuidade em dia a pagarem seus débitos até 30 de julho para se habilitarem a votar – prazo considerado condescendente demais para uma eleição que ocorreria poucos dias depois. Tal procedimento poderia sugerir vulnerabilidade do sistema e até a possibilidade de compra de votos, uma vez que não é possível saber quem colocou registros médicos em atraso em dia e assim ampliou o colégio eleitoral – expediente amplamente associado a manobras eleitorais em clubes e associações privadas.

Nesse sentido, vale lembrar do disparo ilegal de mensagens favoráveis às chapas identificadas com o bolsonarismo, o que configura um claro privilégio de acesso ao cadastro de médicos do órgão em seu sistema interno. O CFM disse que acionou a Polícia Federal, no entanto, não se falou mais no assunto e não há nenhum posicionamento oficial da PF a respeito desta investigação.

De toda forma, se a Comissão Eleitoral do CFM tenta colocar uma pedra sobre o assunto, através de ofícios expressos aos recursos oposicionistas de distintos estados. O fazem inclusive com o mesmo texto, e com uma Webvoto que parece assumir a responsabilidade à frente da própria direção do órgão. A judicialização da eleição é inevitável. Como pediram os bolsonaristas a respeito do sistema eleitoral do TSE, a oposição exige que o pleito seja “impresso e auditável”.   

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