MPF quer verificar se há omissão do governo com covid. Revanchismo?
• Covid: há omissão do governo? • Negacionismo antivacina ainda impacta • “As eleições presidenciais já estão sendo disputadas • Doenças respiratórias em alta apesar do calor • Respostas a ataques do CFM • Mudanças climáticas e saúde •
Publicado 05/11/2024 às 14:00
Três anos após publicação do relatório final da CPI da Pandemia, que deixou flagrantes os crimes que Bolsonaro e seu Ministério da Saúde cometeram na gestão da maior crise sanitária da história do país, seus indiciamentos ainda não foram encaminhados. No entanto, o MPF toma uma iniciativa aparentemente inusitada: o órgão abriu uma apuração para verificar se há omissão do atual Ministério da Saúde na campanha de combate à covid e alega que não há testagem em massa que permita oferecer dados sobre a atual incidência do vírus. Já a pasta afirma que distribuiu 70 milhões de testes, além de ter realizado a compra, ainda não totalmente entregue pela Moderna, dos imunizantes mais atualizados contra o vírus. Quanto a isso, especialistas destacam que as vacinas anteriores são úteis na contenção do vírus e a própria população diminuiu seu engajamento após repetidas vacinações contra esta doença.
Negacionismo ainda em ação
O ministério ainda lembra do papel sabotador do movimento antivacina, que tem ativistas inseridos até em espaços de decisão política médica. Ao mesmo tempo que abre sua investigação contra uma gestão que recuperou altas coberturas vacinais de variadas doenças, o MPF ignora atitudes realmente perigosas do governo passado. O Cepedisa (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário, da Faculdade de Saúde Pública da USP), por exemplo, compilou mais de 4 mil atos administrativos do governo Bolsonaro com evidente intenção de sabotar qualquer campanha preventiva contra o coronavírus, sob notórias formulações anticientíficas – a exemplo da ideia de imunização de rebanho a partir de um contágio indiscriminado da população. Outro fato que chamou atenção foi protagonizado por Francisco Cardoso, conselheiro do CFM eleito de forma contestada em SP: o infectologista vendeu um curso online sobre imunização no qual mostraria a eficácia da cloroquina no tratamento de covid-19. Mas tais acontecimentos parecem interessar menos às instituições de controle e fiscalização.
Movimento social vê jogada política do MPF
O gesto do MPF não passou despercebido pelo movimento sanitarista brasileiro, diretamente envolvido na luta pela retomada dos altos índices de vacinação desta e de outras doenças. “É o que vem por aí. Acrescente-se a isso o corte de gastos na saúde e pensem na imagem que pode aparecer em 2026. As eleições presidenciais já estão sendo disputadas”, afirmou Tulio Batista Franco, um dos coordenadores da Frente Pela Vida e colunista do Outra Saúde.
Ele conecta sua formulação às disputas pelo orçamento que já se anunciam, a exemplo da possível destruição dos pisos em saúde e educação e desvinculação do BPC e do salário mínimo, que começam a ser sistematicamente defendidos na mídia liberal e sua fidelidade aos setores rentistas que controlam a maior parte do orçamento público. “A Frente pela Vida tem que se posicionar radicalmente contra o corte de gastos sociais e na saúde, e disputar desde já a narrativa sobre o ajuste fiscal, começando a propor a taxação de aplicações financeiras, grande parte delas isentas de tributação, como por exemplo, títulos vinculados ao agronegócio como Letras de crédito do agronegócio (LCA), Certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), e vários outros títulos. Isto sim, seria um ajuste fiscal para arrecadação e justiça social”, complementou Tulio.
Influenza B e rinovírus em alta
O coronavírus segue, como a gripe, com maior incidência na população, mas duas síndromes respiratórias agudas graves mais tradicionais apresentam crescimento no número de infecções. Conforme noticiado pela Agência Einstein, a partir de dados do Ministério da Saúde, o rinovírus e influenza B têm alta de infecções e mortes nos últimos dois meses. O dado novo é que tais doenças costumavam baixar nesta época do ano. As mudanças climáticas, com fenômenos de ondas de calor e tempo seco, explicariam a mudança de sazonalidade dos vírus. Além disso, especialistas alertam para a baixa adesão da população às vacinações destas doenças, há anos cobertas pelo Programa Nacional de Imunização. Como afirmou Monica Levi, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações em entrevista ao Outra Saúde, após um engajamento alto em vacinações de doenças respiratórias a população entrou num momento de desinteresse pela manutenção do esquema vacinal, uma vez que a sensação de insegurança médico-sanitária deixou de fazer parte de seu cotidiano. Por sua vez, laboratórios privados registram queda de casos das mesmas doenças.
Frente Pela Vida se posiciona contra CFM em diferentes temas
Outro tópico que revela a permanência das polarizações do cenário político brasileiro é a tentativa do Conselho Federal de Medicina de intimidar a médica Ligia Bahia, que criticou recentes posicionamentos anticientíficos da entidade. Na sexta, o pedido de tutela sobre a médica, o ICL Notícias e o Google foi negado em despacho virtual pelo juiz Renato Pessanha de Souza, que considerou o posicionamento de Ligia condizente com o direito à crítica protegido pela legislação referente à liberdade de expressão. A Frente Pela Vida publica nota em sua defesa nesta terça e destaca o reconhecimento social à contribuição de Bahia na construção da saúde pública brasileira. A FpV também se posicionou contra a nota do CFM em desaprovação pela reserva de 30% de cotas para médicos residentes negros, pardos, indígenas e quilombolas na rede de hospitais federais geridos pela Ebserh. Contraditoriamente, o CFM se retirou da Comissão Nacional de Residência Médica, incumbida de formular programas de residência para os novos profissionais, em descumprimento de sua função constitucional de elaborar soluções para este aspecto.
Mudanças climáticas pioram indicadores de saúde
Um relatório produzido anualmente pela revista Lancet, desde a COP-15 de Paris, registroupiora de 10 dos 15 indicadores de saúde no mundo relacionados às mudanças climáticas. No trabalho feito conjuntamente por 122 cientistas, elenca-se perda de cobertura vegetal, ondas de calor, enchentes e outros fatores geradores de doenças em grande escala. Dessa forma, afirma-se cada vez mais a relação do aquecimento global não só com o agravamento de doenças crônicas em parcelas sensíveis da população, a exemplo de idosos, como também a criação de condições favoráveis à disseminação de doenças infectocontagiosas, como gripes ou dengue, dentre outras potencializadas pela contaminação do ar e da água.