Mesmo proibido, o amianto ainda faz vítimas

Avaliação de moradores de área de mineração abandonada no sul da Bahia mostrou que 45% sofreram exposição ambiental e 12,3% têm doenças relacionadas ao material. Artimanha ainda permite exploração no Brasil, mesmo após banimento em 2017

Foto: Inácio Teixeira/Coperphoto
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Você sabia que o interior da Bahia foi palco de um dos maiores crimes ambientais e sociais do Brasil? Trata-se da mina de São Félix do Amianto, a primeira desse tipo no Brasil, localizada no município de Bom Jesus da Serra, desmembrado do município de Poções em 1989. Embora a exploração da mina pela empresa multinacional francesa Saint-Gobain tenha terminado na década de 1960, as feridas profundas na natureza e na população que habita a região seguem abertas.

A área de mineração abandonada pela empresa foi utilizada por décadas para moradia por famílias da região, que não foram avisadas dos riscos. A água contaminada da mina formou um lago que era utilizado para lavar roupas, banho e até criação de peixes. Os resíduos de rochas da mineração foram utilizados para construção de casas e asfaltamento da região.

Em abril deste ano, mais uma etapa da investigação e da mitigação de danos desse desastre foi concluída, com a devolutiva para a população afetada dos resultados de ações de rastreamento realizados em setembro de 2024, após anos de luta e reivindicação dos moradores da região e de movimentos sociais como a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) e a Associação das Vítimas Contaminadas pelo Amianto e Famílias Expostas (AVICAFE). Elas também tiveram a colaboração de militantes da saúde do trabalhador e de diversas entidades e instituições, como Fiocruz, InCOR, Hospital de Amor e Ministério Público do Trabalho (MPT).

Um total de 584 pessoas realizou pelo menos uma das avaliações (clínica, espirometria, tomografia de tórax), das quais 68 pessoas tiveram uma ou mais doenças relacionadas ao amianto (DRA), o que equivale a 12,3% da população investigada. Isso pode parecer pouco à primeira vista, mas é um dado alarmante, visto que a população examinada representa uma amostra de menos de 1% do total de habitantes da região.

Outra informação que é preciso levar em consideração é que das 68 vítimas de DRAs, 31 (45,6%) referiram exposição ambiental, o que demonstra a presença inequívoca de contaminação do meio ambiente, já que as casas, fundações das edificações, estradas, até lápides de cemitério, foram construídas e pavimentadas com pedras de amianto, que eram doadas para as obras da prefeitura e de residentes da região. Ou seja, parte da população continua exposta e ainda corre risco de desenvolver alguma DRA nas próximas décadas.

Não podemos esquecer que a atividade de mineração ocorreu entre 1939-1967, isto é, foi iniciada há 86 anos. Portanto, podemos concluir que a maioria dos trabalhadores da mina já faleceu e suas mortes não foram devidamente investigadas e registradas. Constam como “causa desconhecida” nos atestados de óbito e contribuem para uma abissal invisibilidade social de DRAs no país e, assim, a subestimação de seu impacto na saúde da população brasileira.

Os alertas científicos de que o amianto causa câncer datam do início do século passado e mesmo com as diversas denúncias de cientistas e profissionais da saúde sobre os riscos para o ser humano e da luta tenaz de movimentos de trabalhadores pelo fim de seu uso e substituição por outros materiais, o uso generalizado do amianto na indústria perdurou por todo o século 20.

Paulatinamente, os países do mundo proibiram-no. No Brasil o banimento total da fibra se deu em 2017, fruto da pressão dos movimentos sociais. Porém, em Minaçu, o estado de Goiás permite a atividade de uma das maiores minas do minério no mundo. Ela pertence à ETERNIT, que comprou ações da SAMA e hoje é responsável pelo passivo da catástrofe na Bahia. Por meio de uma artimanha jurídica, o Brasil segue exportando esse minério, contaminando trabalhadores em território nacional e estrangeiro.

Ações de prevenção e detecção precoce de doenças pelo SUS, o diálogo com os movimentos sociais é essencial para garantir o monitoramento dos riscos e os cuidados de todos os afetados. Contudo, não podemos parar por aí: a luta pelo banimento total da exploração do amianto no planeta e a justiça às vítimas extrapola as fronteiras nacionais. Promover saúde é lutar por relações mais saudáveis do ser humano com a natureza e com o trabalho, que não estejam submetidas a interesses econômicos de uma minoria que lucra com a miséria, a doença e a morte da maior parte da humanidade.


Bibliografia

Almeida, RK. Mina São Felix do Amianto: Transformações socioespaciais. Problemas ambientales, cambio climático y gestión de riesgos, 2013. Disponível em: http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal15/Procesosambientales/Impactoambiental/51.pdf

Moniz M de A, Castro HA de, Peres F. Amianto, perigo e invisibilidade: percepção de riscos ambientais e à saúde de moradores do município de Bom Jesus da Serra/Bahia. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2012Feb;17(2):327–36. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000200007

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