Lula a favor dos planos de saúde baratos e sem cobertura?

• Lula quer favorecer projeto da saúde privada? • Por que são enganosos os “planos de saúde populares” • Operadoras lucrarão com possíveis mudanças • Dengue se espalha por SP • Faltam remédios para epilepsia • Opas busca fortalecer sistemas •

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Apresentado pelo ministro da Saúde de Michel Temer, Ricardo Barros, e desde então unanimemente rejeitado por movimentos e especialistas, o projeto dos “planos de saúde populares” volta ao debate público. Seriam seguros de saúde que oferecem tratamento apenas para consultas e exames sem urgência ou complexidade, projeto em desacordo com a legislação atual e que fere a integralidade do cuidado.

Por isso, assustou grupos de sanitaristas e acadêmicos a notícia, veiculada pela Veja, de que o presidente Lula avalia apresentar algum aval oficial à proposta. Apoiá-la seria a “primeira missão” do diretor-geral da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Wadih Damous, indicado pelo presidente, ainda a ser sabatinado no Senado. Embora o suposto apoio ainda não tenha sido veiculado em nenhum órgão oficial do governo, tampouco houve qualquer desmentido à especulação apresentada pela Veja, mesmo quatro dias após sua publicação.

O chamado “sandbox regulatório”, nome dado à experiência piloto para lançar esse tipo de seguro-saúde no mercado, entrou em cena em fevereiro, quando foi colocado em consulta pública pela ANS. O processo se encerrou em 4 de abril, e nem sequer as empresas têm certeza se vale a pena lançar este produto de saúde no mercado.

Ilegal e enganoso

Em entrevista ao Outra Saúde, Marina Magalhães, pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde (GEPS) do Departamento de Saúde Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, condenou enfaticamente a iniciativa da ANS, que além do pouco embasamento técnico parece ter passado por cima dos próprios ritos institucionais. “A expansão precarizada da saúde privada, ao contrário de aliviar, sobrecarrega ainda mais o sistema público, fragmenta programas de promoção e prevenção, fragiliza linhas de cuidado, agrava os problemas de subfinanciamento via aumento de gastos tributários e, com isso, impede o fortalecimento do SUS”, sintetizou.

Junto ao Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde (GDPES), da UFRJ, o GEPS publicou uma longa nota técnica na qual desmentiu as alegações dos empresários do setor. Na nota, os pesquisadores enumeram sete erros na proposta da ANS para planos de saúde com cobertura super restrita. Entre eles, a falsa ideia de que a população “deseja” aderir à saúde privada: “As pessoas desejam ter acesso a serviços de saúde de qualidade. O comércio de planos sem cobertura para terapias, internações e outros serviços básicos é enganoso. Um produto muito pior a um preço marginalmente menor se enquadra na máxima popular ‘o barato que sai caro’. Muito lucrativo para as operadoras, nada resolutivo para os usuários”.

“Um negócio de R$ 12 bilhões”

Para o coordenador da Frente Pela Vida e colunista deste boletim, Túlio Franco, “Trata-se de um negócio da ordem de 12 bilhões de reais ao ano, que serão subtraídos da massa salarial das camadas mais pobres, em benefício das operadoras de planos de saúde. É proposto um plano sem tratamento, que agride a integralidade do cuidado, e passa a falsa ideia de proteção às pessoas. Por esses e outros motivos, todas entidades de defesa do consumidor na 52ª audiência pública da ANS, de 25 de fevereiro de 2025, que discutiu esta proposta, foram contrárias”, resumiu.

Em resumo, Lula embarcar nesse projeto que favorece o setor privado, em nome de uma busca por aumentar sua popularidade, parece ser claramente um tiro que sairá pela culatra.

14 distritos de São Paulo já vivem epidemia da dengue

O número de distritos paulistanos em epidemia da doença subiu de 5 para 14 em poucos dias. A maioria deles concentram-se nas zonas norte e oeste, mas o destaque vai para essa a zona sul que engloba os três bairros com maior incidência da doença – Jardim Ângela, Capão Redondo e Grajaú. Procurada pela Folha, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que mantém monitoramento constante da situação epidemiológica da dengue na capital e realiza diariamente atividades de prevenção e combate.

É relevante ressaltar que a distribuição desigual de equipamentos de saúde na cidade de São Paulo afeta sobretudo as regiões periféricas da cidade, como aponta estudo da Rede Nossa São Paulo. O fato de os distritos em epidemia de dengue estarem localizados justamente nas periferias da capital paulista, onde se lida com baixos indicadores em critérios como mortalidade e incidência de doenças, está longe de ser uma coincidência.

Associação de saúde denuncia falta de medicamentos para epilepsia

A Associação Brasileira de Epilepsia (ABE) emitiu uma nota denunciando o desabastecimento de medicamentos utilizados no tratamento da epilepsia no Brasil. Segundo a ABE, os fármacos estão em falta desde setembro de 2024, mas o problema foi agravado em 2025. A causa da indisponibilidade estaria relacionada à transferência da produção, até então comandada pela farmacêutica Sanofi Medley, para a companhia Pharlab em fevereiro de 2025, com operações comerciais conduzidas pela empresa Moksha 8.

A fabricação do clobazam (Frisium e Urbanil) foi a principal atingida, gerando grande preocupação por parte não somente da ABE, mas também dos próprios pacientes com epilepsia, uma vez que os fármacos são tratamentos essenciais sobretudo para casos mais graves. O vice-presidente da ABE, Lécio Figueira, diz à Folha que recebeu muitos depoimentos de pessoas desesperadas com a descontinuidade porque não há um substituto equivalente ao clobazam. Ele afirma também que a associação chegou a conversar com a Sanofi para prazos de regularização do abastecimento dos medicamentos, mas não obteve êxito no prazo estabelecido, que era até fevereiro.

OPAS estabelece diretrizes para fortalecer sistemas de saúde

Na terça (15), a Organização Pan-Americana de Saúde publicou o relatório “Implementação das funções essenciais de saúde pública nas Américas: avaliação e fortalecimento de capacidades”, no qual apresenta diagnóstico das capacidades dos sistemas de saúde da América Latina e Caribe.

De acordo com o documento, os países da região dispõem de estruturas de saúde que variam entre capacidades “limitada” e “moderada” no que tange a oferecer respostas satisfatórias tanto para garantir a universalidade do direito à saúde como em relação aos desafios sanitários atuais e futuros que tais países têm diante de si.

A OPAS tomou 14 países como objeto de análise para seu estudo. Essencialmente, a falta de financiamento é a principal fronteira a ser superada pelos países nos quais o modelo econômico é invariavelmente submetido aos dogmas neoliberais. Para além da questão macroeconômica, o documento destaca a necessidade de avanços na produção de dados e combinação com políticas públicas de outras áreas.

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