EUA retira-se da OMS. O que virá?

• Os motivos de Trump para sair da OMS • Europa pede que Estados Unidos voltem atrás • Há 17 crises de saúde em grau máximo no mundo • Como Gaza reconstruirá sua Saúde • Por que diretores da Anvisa iam visitar a gigante do tabaco? •

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Com a retirada dos EUA pelo presidente Donald Trump, “a OMS enfrenta um duro golpe, no momento em que mais precisa ser fortalecida”, escreveu a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP Deisy Ventura em um artigo publicado no Jornal da USP. Essa foi uma das primeiras medidas tomadas na segunda-feira, 20/1, dia da posse do novo governo de ultradireita. Além de sair da Organização Mundial da Saúde, os EUA também vão interromper suas doações, que representam 18% do orçamento da agência. Mas, como explica Deisy, a questão financeira não é o único problema. O que Trump está tentando fazer, em sua visão, é “um amplo e vigoroso ataque ao multilateralismo”, em nome de uma suposta soberania estadunidense. 

Embora seja repleta de contradições, não se pode negar a importância da OMS para o mundo, hoje. “Coordenadora da atuação internacional em matéria de saúde, sua essência é a defesa das evidências científicas como base para a tomada de decisão e a elaboração de políticas de saúde”, comenta a professora. Esse é outro sentido da saída dos EUA da agência: nada mais natural para um governo que deseja ter controle sobre as visões de mundo de seus cidadãos. Basta ver como a OMS foi um empecilho ao primeiro mandato de Trump no momento da pandemia de covid-19. Estar fora da Organização também abre espaço para reduzir o papel regulador do Estado, ideia que parece estar na base da administração do novo governo – que escolheu 13 bilionários para compor seu gabinete.

OMS pede que Trump reconsidere saída

Além de serem os maiores doadores da Organização Mundial da Saúde, os Estados Unidos também devem interromper o financiamento ao combate ao HIV/aids. Devem retirar-se das negociações do acordo sobre pandemias. O que o presidente alega é que gasta-se demais com a agência, que, sob sua perspectiva negacionista, não agiu de forma adequada durante a pandemia de covid-19. Ele também afirma, em delírio mentiroso, que a OMS curva-se à China. 

“Esperamos que os Estados Unidos reconsiderem e realmente esperamos que haja um diálogo construtivo em benefício de todos, dos americanos, mas também das pessoas ao redor do mundo”, afirmou o porta-voz da OMS, Tarik Jašarević, após a decisão tomada por Trump. O ministro da Saúde da Alemanha, Karl Lauterbach, anunciou que seu país tentará convencer os norte-americanos a voltarem atrás. Foi seguido por porta-voz da Comissão Europeia, da União Europeia, que afirmou: “Recebemos com preocupação o anúncio de retirada dos Estados Unidos da OMS e confiamos que a administração norte-americana levará tudo isso em consideração antes da retirada formal”.

Apelo de Emergência em Saúde para enfrentar os desafios de 2025

A retirada das doações estadunidenses à OMS vem em péssima hora. Dias antes, a agência havia lançado um Apelo de Emergência em Saúde para 2025, solicitando U$ 1,5 bilhão para enfrentar uma crise global sem precedentes causada pela convergência de conflitos, mudanças climáticas, epidemias e deslocamentos. Atualmente, 305 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária urgente, segundo a agência, enquanto 3 bilhões enfrentam eventos climáticos extremos e mais de 1 bilhão de pessoas vivem como migrantes. 

A organização identificou 42 emergências de saúde em andamento, incluindo 17 crises de grau 3, as mais graves, em países como Ucrânia, Síria, Sudão e Afeganistão. Epidemias de cólera e mpox também exigem resposta urgente. Em 2024, foram registrados 1.515 ataques a unidades de saúde. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, enfatizou a necessidade de salvar vidas e construir resiliência comunitária, com foco em cuidados essenciais, combate à desnutrição, vacinação, saúde materno-infantil e apoio psicológico. “Conflitos, surtos, desastres relacionados ao clima e outras emergências de saúde não são mais isolados ou ocasionais, eles são implacáveis, sobrepostos e intensificados”, alertou ele.

Gaza: os enormes desafios pela frente

A OMS celebrou o cessar-fogo em Gaza e o acordo de liberação de reféns e prisioneiros, trazendo esperança para milhões afetados pelo conflito. Mas alertou: o caminho para reconstrução será longo. São, em números que ainda podem subestimar o real desastre, 46,6 mil mortos e mais de 110 mil feridos. 25% daqueles que se feriram precisarão de reabilitação contínua e enfrentarão mudanças para o resto de suas vidas. Metade dos 36 hospitais de Gaza foram completamente destruídos, e os que restaram operam apenas parcialmente. Apenas 38% dos centros de atenção primária à saúde funcionam. Não há atendimento especializado para a maior parte da população. A transmissão de doenças infecciosas aumentou drasticamente, a desnutrição está em ascensão, e o risco de fome persiste. O colapso da ordem pública, agravado por gangues armadas, gera ainda mais preocupações.

Um plano de 60 dias será implementado com foco em trauma, saúde infantil, doenças crônicas, saúde sexual e reprodutiva, saúde mental e nutrição. Entre as prioridades, estão a reabilitação de instalações danificadas, ampliação de leitos e contratação de profissionais. A OMS também reforça a necessidade de acesso seguro e sistemático à população, remoção de restrições ao envio de suprimentos e evacuação médica urgente de milhares de pacientes.

Anvisa cancela visita a fábrica de cigarro, em Londres

A indústria do tabaco faz fortes investidas para disseminar os cigarros eletrônicos, os vapes, pelo mundo. Por isso, causou estranheza uma viagem marcada para diretores da Anvisa. Daniel Meirelles Fernandes Pereira e Danitza Passamai Rojas Buvinich planejavam ir, com suas assessoras, a uma visita à British American Tobacco (BAT), uma das maiores fabricantes de cigarros do mundo, em Londres. Após críticas de servidores que relacionaram o evento a uma possível reabertura do debate sobre a autorização de cigarros eletrônicos no Brasil, a visita foi cancelada. A viagem, planejada para janeiro, incluiria também uma visita à AstraZeneca. 

Segundo a Anvisa, a decisão busca evitar interpretações equivocadas sobre sua postura regulatória. Atualmente, os dispositivos eletrônicos para fumar seguem proibidos no país, medida reforçada em abril de 2024. Acumulam-se evidências de que os vapes fazem tão mal quanto cigarros comuns, e a disseminação de seu consumo está contribuindo para reinserir o uso entre os jovens.

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