Emendas parlamentares e um SUS desfigurado

Integralidade do cuidado e coordenação dos investimentos em saúde pelo Ministério estão em risco, devido à captura de recursos pelo Congresso Nacional.

Foto: Lula Marques/Agência Brasil
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Ainda no tema do financiamento, a mesa Negociando a Saúde: o poder das emendas parlamentares e seus efeitos na gestão do SUS, realizada no Abrascão nesta segunda-feira (1º) debateu o poder das emendas parlamentares e seus efeitos na gestão do SUS. Em franco crescimento desde 2015, esta forma de direcionamento do orçamento público vem distorcendo a alocação equitativa de recursos na saúde. 

Seus defensores argumentam que elas podem trazer mais recursos para o SUS, mas uma investigação atenta sugere outro cenário. Dados reunidos por Fabíola Sulpino Vieira, coordenadora de saúde do Ipea, apontam que o crescimento das emendas – que já chegam a 11,4% do orçamento federal do SUS – não adicionou verbas. Trata-se apenas de uma realocação de recursos. Parte destes deixa de ser definida pelo Ministério da Saúde e passa a ser destinada pelos parlamentares. “O piso da saúde, que já virou teto, tem tido maiores parcelas alocadas por emendas”, afirma.

Seus efeitos também são políticos. “A centralidade do Executivo está se dissipando e os ministérios estão fragilizados na capacidade de articular”, alerta Frederico Bertholini, cientista político e professor da UnB. Ele chamou atenção para a atual tendência dos gestores municipais já não buscarem recursos nas pastas federais, mas nos gabinetes do Congresso Nacional, tendo em vista a maior flexibilidade dos recursos das emendas parlamentares. “Os gestores vão querer menos responsabilidades e mais capacidade de colocar o dinheiro onde querem”, aponta. O Ministério da Saúde já sofre dificuldades para controlar a orientação de recursos.

É um cenário de perigos, especialmente para a integralidade do cuidado, diz Fabíola: “Quem recebe uma montanha de recursos não vai dividir com o município ao lado, mesmo que ele precise mais, já que as emendas não têm pactuação e não levam em conta os critérios legais de rateio, que buscam diminuir as disparidades regionais”. 

A apropriação particular de recursos públicos também causa preocupação, já que entre 2019 e 2024 cresceu enormemente a parcela das emendas cujo beneficiário final é uma instituição privada sem fins lucrativos, ela explica. “Se não lidarmos com isso, vamos ter um sistema descoordenado”, concluiu a pesquisadora do Ipea.

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