Emendas parlamentares e um SUS desfigurado

Integralidade do cuidado e coordenação dos investimentos em saúde pelo Ministério estão em risco, devido à captura de recursos pelo Congresso Nacional.

Foto: Lula Marques/Agência Brasil
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Ainda no tema do financiamento, a mesa Negociando a Saúde: o poder das emendas parlamentares e seus efeitos na gestão do SUS, realizada no Abrascão nesta segunda-feira (1º) debateu o poder das emendas parlamentares e seus efeitos na gestão do SUS. Em franco crescimento desde 2015, esta forma de direcionamento do orçamento público vem distorcendo a alocação equitativa de recursos na saúde. 

Seus defensores argumentam que elas podem trazer mais recursos para o SUS, mas uma investigação atenta sugere outro cenário. Dados reunidos por Fabíola Sulpino Vieira, coordenadora de saúde do Ipea, apontam que o crescimento das emendas – que já chegam a 25% do orçamento da Saúde – não adicionou verbas, mas substituiu outras formas de financiamento. “O piso virou teto, e as emendas estão consumindo esse mínimo”, afirma.

Seus efeitos também são políticos. “A centralidade do Executivo está se dissipando e os ministérios estão fragilizados na capacidade de articular”, alerta Frederico Bertholini, cientista político e professor da UnB. Ele chamou atenção para a atual tendência dos gestores municipais já não buscarem recursos nas pastas federais, mas nos gabinetes do Congresso Nacional, tendo em vista a maior flexibilidade dos recursos das emendas parlamentares. “Os gestores vão querer menos responsabilidades e mais capacidade de colocar o dinheiro onde querem”, aponta. O Ministério da Saúde já sofre dificuldades para controlar a orientação de recursos.

É um cenário de perigos, especialmente para a integralidade do cuidado, diz Fabíola: “Quem recebe uma montanha de recursos não vai dividir com o município ao lado, mesmo que ele precise mais, já que as emendas não têm pactuação e não levam em conta os critérios legais de rateio, que buscam diminuir as disparidades regionais”. 

A apropriação particular de recursos públicos também causa preocupação, já que entre 2019 e 2024 cresceu enormemente a parcela das emendas cujo beneficiário final é uma instituição privada sem fins lucrativos, ela explica. “Se não lidarmos com isso, vamos ter um sistema descoordenado”, concluiu a pesquisadora do Ipea.

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