Desprezada por Trump, África volta-se ao Oriente

Além de deixar OMS, presidente dos EUA interrompe assistência humanitária e de saúde no continente. Países buscam alternativas para enfrentar doenças como HIV, mpox e marburg. China, Coreia do Sul e Japão mostram-se possíveis aliados

Créditos: Gettyimages/World Economic Forum
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Por Kerry Cullinan, no Health Policy Watch | Tradução: Gabriela Leite

Países africanos não terão “outra opção” a não ser buscar outras fontes de apoio para seus programas de saúde pública caso os Estados Unidos reduzam seu apoio. Coreia do Sul, China e Japão já ofereceram ajuda durante surtos recentes de doenças.

Essa foi a declaração feita por Ngashi Ngongo, alto funcionário dos Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (África CDC), durante uma coletiva de imprensa na quinta-feira. Em seu primeiro dia no cargo, na segunda-feira (20/1), o presidente dos EUA, Donald Trump, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e congelou toda a ajuda externa por 90 dias para “reavaliar e realinhar” o suporte oferecido.

Além disso, há pressão de conservadores para que Trump corte o financiamento e reforme o Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da Aids [Pepfar, na sigla em inglês. Programa do governo estadunidense criado em 2003 para financiar e apoiar iniciativas de prevenção, tratamento e controle do HIV/aids em países de baixa e média renda, com foco principal na África].

“Algumas decisões tomadas pelo presidente Trump sobre a OMS e o Pepfar são de grande importância para a África… dado o peso do governo dos EUA no financiamento da saúde pública na região”, afirmou Ngongo, assessor principal do diretor-geral do África CDC. “Eles são um dos principais financiadores da saúde pública na África. O Pepfar financia programas de HIV em muitos países que dependem amplamente dos recursos norte-americanos”.

A OMS oferece assistência técnica a países africanos para “melhorar a execução de programas de saúde”, e a retirada de recursos dos EUA será um “golpe” para o continente, acrescentou. A OMS perderá pouco menos de 20% de seu financiamento com o corte de verbas americanas.

Embora os EUA sejam obrigados a notificar sua saída da OMS com um ano de antecedência, a ordem executiva de Trump orienta os funcionários a “tomarem medidas apropriadas, com a maior velocidade possível”, para “suspender a transferência futura” de “fundos, apoio ou recursos” do governo americano à OMS.

Encontro sobre financiamento da saúde em Ruanda

Em 14 de fevereiro, o presidente de Ruanda, Paul Kagame, sediará uma reunião com líderes africanos sobre financiamento da Saúde, onde serão discutidas fontes alternativas de financiamento, acrescentou Ngongo.

Aumentar os gastos domésticos para garantir “financiamento mais sustentável e previsível para a saúde pública”, criar um fundo africano para epidemias e identificar novas fontes de apoio são algumas das opções para preencher o vazio deixado pela saída dos EUA, disse ele.

“Recebemos apoio de muitos países – da Coreia do Sul, da China, do Japão. Muitos se prontificaram a fornecer financiamento, seja em dinheiro ou equipamentos”, acrescentou. “Estamos explorando oportunidades para ampliar a mobilização de recursos desses outros países que realmente estão dispostos a ajudar”.

Trump justificou o congelamento de 90 dias dizendo que a “indústria e burocracia de ajuda externa não estão alinhadas com os interesses estadunidenses e, em muitos casos, são antitéticas aos nossos valores”. Além disso, ele argumentou que essas ações “desestabilizam a paz mundial ao promover ideias em países estrangeiros que são diretamente contrárias às relações harmoniosas e estáveis dentro e entre as nações”.

O novo governo dos EUA provavelmente usará os 90 dias para pressionar países em temas como aborto, direitos LGBTQIA+ e apoio à Palestina.

Surto de mpox

Enquanto isso, o mpox continua a se espalhar no continente, com 5.842 novos casos relatados na última semana. A República Democrática do Congo (RDC) permanece como epicentro do surto, mas ele está se expandindo em Uganda, que relatou quatro mortes nas últimas duas semanas.

O surto em Uganda, inicialmente disseminado por motoristas de caminhão, agora atinge a população em geral, segundo o epidemiologista do África CDC, Dr. Merawi Aragani. Kampala, a capital, é o epicentro, com pouco mais de 1.000 casos. Cerca de 400 mil pessoas já foram vacinadas contra o mpox. A República Centro-Africana iniciou sua campanha de vacinação neste ano.

Tanzânia confirma segundo caso de marburg

Na Tanzânia, nove das dez pessoas suspeitas de infecção pelo vírus marburg morreram. Apenas duas dessas mortes foram confirmadas como causadas pelo vírus. Outros 29 casos suspeitos testaram negativo, mas Ngongo afirmou que o África CDC não tem motivos para questionar a precisão dos testes realizados no país. “Os testes estão sendo feitos no laboratório nacional de saúde pública em Dar es Salaam, que é o mais avançado do país”, disse Ngongo.

“Nós confiamos nos resultados. Como sabem, a Tanzânia é um dos países que o África CDC apoiou significativamente no desenvolvimento de capacidade, melhorias na infraestrutura, fornecimento de equipamentos e distribuição de máquinas de sequenciamento. A capacidade é bastante alta no país, e tendemos a acreditar na confiabilidade dos resultados”.

O África CDC mobilizou a mesma equipe de especialistas que lidou com o surto de marburg em Ruanda para ajudar na resposta da Tanzânia. Isso inclui “epidemiologistas que apoiarão o pilar de vigilância” e especialistas de laboratório “que estão auxiliando com laboratórios móveis”.

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