Demência e sobrecarga de trabalho de cuidado para mulheres
Pesquisa da Unifesp revela que 95% das pessoas que cuidam de alguém com demência são mulheres. Destas, 94,9% não são remuneradas. Os resultados disso vão desde exaustão emocional até solidão
Publicado 03/07/2025 às 12:27 - Atualizado 04/07/2025 às 12:28
O cuidado das pessoas com demência cai quase completamente sobre o colo de mulheres. É o que revelou uma pesquisa da Unifesp, que traçou um perfil dessas cuidadoras, e constatou que 95% são do sexo feminino. Muitas delas se sentem sobrecarregadas e despreparadas para essa função. 94,9% não são remuneradas e 42,8% deixaram de trabalhar para cuidar de seus familiares. Elas têm a idade média de 48,8 anos.
Ao avaliar sua própria situação, 85% relataram exaustão emocional, 78% cansaço físico constante e 62,5% sentem que o cuidado impactou negativamente sua vida pessoal. É também um trabalho solitário: 87% cuidam sozinhas do familiar com demência e cerca de um terço afirma que faltam apoio financeiro e compartilhamento de responsabilidades.
Uma matéria da Folha, que noticia o estudo da Unifesp, conta um caso comovente de uma pessoa que dedica sua vida a cuidar de uma pessoa com demência. Uma idosa sergipana que cuida de seu ex-marido desde que ele começou a dar sinais de falha de memória. Enquanto isso, ela também trabalha como gari. Precisa lidar com as dificuldades e até os momentos violentos do idoso com Alzheimer.
Idosas tendo de cuidar de outras pessoas mais velhas é uma realidade que também já foi avaliada por outra pesquisa da Unesp, relatada neste boletim. Os estudiosos comentam sobre a “dupla vulnerabilidade” em que essas cuidadoras se encontram. Com o próprio envelhecimento, elas precisam dar conta de problemas de sua saúde além daqueles sob seus cuidados. Observa-se um risco de aumento de dores, insônia, preocupações e até transtornos psíquicos.
Em 2024, em torno de 8,5% – aproximadamente 1,8 milhões – da população idosa no Brasil convivia com demência. Com o envelhecimento acelerado da população, estima-se que até 2050 esse número cresça para 5,7 milhões. A pesquisa revela que essa realidade não poderá continuar sendo ignorada: é preciso apoio público para o cuidado de pessoas idosas.
“O país passa por uma transição epidemiológica, o que trará um aumento das doenças crônicas, que em grande parte não serão hospitalizáveis, pois os pacientes têm de viver em casa, seja com Alzheimer, com Parkinson, com outros tipos de demência. Todas essas condições que aumentam na população se refletirão em mais necessidades de cuidado domiciliar”, avalia Jorge Félix autor do livro Economia da Longevidade e estudioso da economia dos cuidados.
Corrigindo uma falha histórica no Brasil, o governo Lula se empenhou em construir a Política Nacional de Cuidados, construída em um esforço interministerial e sancionada em dezembro de 2024. Outra Saúde vem acompanhando o tema nos últimos dois anos, em uma série de matérias e entrevistas (1, 2, 3, 4). Mas a delineação de ações concretas ainda está para ser lançada, a partir do Plano Brasil que Cuida. Um de seus eixos é justamente “Garantia de direitos e promoção de políticas para quem necessita de cuidados e para quem cuida de forma não remunerada”.
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