Deisy Ventura: “Grande pendência e diversas lacunas” no Acordo das Pandemias
Para professora da USP, assinatura de tratado e compromisso para garantir orçamento da OMS foram momentos decisivos da Assembleia Mundial da Saúde. Mas enfrentar próximas emergências sanitárias exigirá mais dos Estados
Publicado 30/05/2025 às 11:17 - Atualizado 30/05/2025 às 12:10

Nesta terça-feira (27/5), encerrou-se a Assembleia Mundial da Saúde, espaço deliberativo máximo da Organização Mundial da Saúde (OMS). A aprovação do Acordo das Pandemias e o compromisso dos Estados-membros de ampliar significativamente os repasses à agência de saúde das Nações Unidas, fragilizada pelo anúncio da saída dos Estados Unidos, foram alguns dos destaques do evento.
“O enfrentamento da questão orçamentária foi decisivo. A OMS precisa sobreviver, o mais inteira que for possível, e os Estados devem assumir esta responsabilidade”, avaliou Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e estudiosa da saúde global, em entrevista a Outra Saúde.
Fruto de uma parceria entre a Fiocruz e a USP, o Grupo de Trabalho Acordo sobre Pandemias e Reforma do RSI, de que Deisy faz parte, lançou uma nota técnica em que promove uma análise aprofundada do tratado aprovado nesta edição da Assembleia. No documento, o grupo destaca que “o maior valor deste acordo é sua própria existência, como linguagem comum que emerge entre Estados, ainda que imperfeita, sob a égide de uma OMS que necessita ser fortalecida”.
Complementando a análise, a professora frisa que “as expectativas devem ser reajustadas, pois ele tem uma grande pendência (um anexo sobre acesso a patógenos que deve ser aprovado ano que vem), muita flexibilidade e diversas lacunas”. Em artigo recente, este boletim tratou de alguns desses limites, apontados por uma série de entidades internacionais. “Estas limitações não são falhas da OMS, e sim dos Estados, principalmente dos que cederam à pressão de lobbies privados e de forças conservadoras”, arrematou a pesquisadora da USP.
No ano passado, devido à fragilidade do texto, a Assembleia Mundial da Saúde se concluiu sem a aprovação do tratado. À época, o especialista indiano KM Gopakumar (Third World Network) afirmou a este boletim: “Um Acordo das Pandemias que reforce o status quo ou institucionalize a desigualdade deve ser rejeitado pelo Sul Global”. Mesmo com sua aprovação na Assembleia deste ano, “a construção de uma resposta internacional equitativa às pandemias [ainda] depende integralmente da vontade dos Estados”, adiciona Deisy. Em artigo para o Jornal da USP, ela também afirmou que trata-se de uma “ocasião de recuperar o sentido de urgência que foi perdido após a covid-19”.
Acerca do papel da delegação brasileira no processo negociador, a professora considera que “a atuação do Embaixador Tovar [da Silva Nunes]”, representante do Brasil no órgão que conduziu as tratativas, “foi decisiva para que um acordo fosse obtido”. Por outro lado, ela sublinha que o país deixou a desejar em termos de propostas de conteúdo do que deve ser o modelo de enfrentamento das pandemias, o que pode refletir as dificuldades internas vividas na emergência sanitária do coronavírus.
“Espero que daqui para frente o Estado brasileiro consiga fazer um balanço de nossa terrível experiência da covid-19 e se posicione entre os líderes da continuidade desse processo na OMS, apresentando propostas de iniciativas concretas que reflitam sua vasta experiência no âmbito do SUS, oferecendo ao mundo um enfoque inovador e factível das crises sanitárias”, completa Deisy.
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