Contra incêndios, Salles força produto potencialmente perigoso

Ibama fez contrato para compra sem licitação de 20 mil litros de retardante para Chapada dos Veadeiros. Produto não tem regulação ambiental no Brasil e, segundo documento do órgão, há risco de contaminação da água e alimentos

Imagem: CBMGO
.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 14 de outubro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Há algumas semanas a Piauí problematizou o fato de que, para combater o fogo no Pantanal, o governo do Mato Grosso estava usando retardantes – produtos químicos que não têm a devida regulação ambiental no Brasil, e cujos efeitos na saúde humana e do ambiente ainda não foram suficientemente documentados. Pois o Ibama, sob orientação do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, elaborou um contrato em regime de urgência para comprar – sem licitação – 20 mil litros do produto, agora com o Cerrado como destino. Ele seria usado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e fornecido pela  Rio Sagrado Industrial Química. A mesma empresa já ‘doou’ mil litros do produto, que foi exibido recentemente pelo ministro em uma visita à Chapada. Na ocasião, Salles disse que o retardante já foi usado no local.

A descoberta é do repórter André Borges, do Estadão, que ressalta ainda como o contrato do Ibama ignora trechos importantes de um laudo da própria autarquia publicado em 2018. O documento, que foi usado para basear os pareceres favoráveis à aquisição, diz que “o produto é biodegradável e apresenta baixa toxicidade para seres humanos e para algumas espécies representativas do ecossistema aquático”. Só que ele não para por aí: alerta sobre riscos e sobre a falta de regulação no Brasil, uma vez que os dados sobre ecotoxicidade são incipientes. E enumera uma série de precauções, entre elas a “suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias”, devido ao risco de contaminação. Pelo mesmo motivo, o documento diz que esse tipo de produto deveria ser evitado em Áreas de Preservação Permanente (APP). Nada disso foi levado em conta quando a compra emergencial foi aprovada. Aliás, a Chapada dos Veadeiros é uma APP… E, segundo o governo de Goiás, não é autorizado o uso de retardantes na região.

Após a denúncia do jornal, o Ministério Público junto ao TCU pediu a paralisação do processo de compra e a interrupção de qualquer lançamento dos retardantes até que a corte analise o caso.

Em tempo: Salles participou de uma audiência pública na comissão do Senado que acompanha o enfrentamento aos incêndios no Pantanal, e justificou sua inação afirmando que o governo federal só tem competência para fiscalizar 6% desse território. O restante seria responsabilidade do estado. No G1, ambientalistas contestam o argumento: apesar de só esse pequeno percentual estar sob responsabilidade direta da União, o Ministério tem o dever de atuar na proteção do bioma, principalmente em situações de crise.

Leia Também: