Como a economia do cuidado diz respeito às mães brasileiras?
Em uma sociedade onde a lógica do capital transforma a vida em mercadoria, reorganizar o tempo de trabalho é uma pauta urgente da saúde, sobretudo para mulheres
Publicado 14/05/2025 às 14:15 - Atualizado 14/05/2025 às 14:24
Um relatório do IBGE, divulgado em 2024, mostra que as mulheres dedicam, em média, duas vezes mais tempo que os homens às tarefas domésticas e ao cuidado de pessoas. Dados da FGV mostram que mais de 11 milhões de mães criam seus filhos sozinhas. Dentro destes números, há ainda um dado que não pode ser negligenciado: a maioria destas mulheres são negras. Outra pesquisa, conduzida pela pesquisadora da USP Giliane Belarmino, revelou que 97% das mães se sentem sobrecarregadas quase todos os dias e 94% relatam estar esgotadas.
Esse conjunto de dados, nos leva à conclusão de que, para as mães do Brasil, sobretudo as negras, adoecer já virou rotina. Esse adoecimento tem relação direta com a lógica do trabalho em nossa sociedade, que transforma o direito à vida e ao lazer em mercadoria. Como pontuou Itamar Lages, sanitarista e integrante do Cebes-Recife, a reorganização do tempo de trabalho é uma pauta urgente da saúde coletiva. Neste contexto, pode-se imaginar a importância do fim da escala 6×1 para a saúde das mães brasileiras, que lidam, na realidade, com uma escala 7×0.
Esses dados dialogam diretamente com assunto que foi tema deste boletim recentemente: o trabalho invisível de cuidadores. Uma pesquisa realizada pelo IPEA em parceria com o Ministério da Igualdade Racial revelou que, das pessoas envolvidas em atividades de cuidados no Brasil, 78% são mulheres e, dentro disso, 70% são mulheres negras com baixa uescolaridade – sendo elas trabalhadoras domésticas, professoras da educação infantil e profissionais da enfermagem. Muitas outras – a maioria, aliás – trabalham de forma não remunerada.
O Brasil instituiu em 2024 a Política Nacional de Cuidados (PNC), que visa garantir o direito ao cuidado e promover a corresponsabilização entre Estado, família, setor privado e sociedade civil (Saiba mais aqui). Apesar de ser um marco importante, o estudioso Jorge Félix, pesquisador do Cebrap e autor do livro Economia da Longevidade, em entrevista ao Outra Saúde, alerta que a PNC ainda está longe de equacionar o problema do reconhecimento desta ocupação como trabalho formal. O grande obstáculo é o modo capitalista de reprodução socioeconômica, que sempre se serviu da exploração do trabalho de cuidado não remunerado.
Mesmo que longe de eliminar o problema, a boa remuneração e proteção com direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais, bem como a estruturação de políticas que promovam serviços públicos de cuidado, ainda assim são formas de mitigar a sobrecarga das mães brasileiras, sobretudo as negras, responsáveis pela maior parte das atividades de cuidados.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, seja nosso apoiador e fortaleça o jornalismo crítico: apoia.se/outraspalavras