Desastre de Mariana: cinco anos sem julgamento

Consequências do rompimento da barragem da Vale se arrastam: atrasos sucessivos nas obras de reconstrução de comunidades; falta de assistência aos Krenak, para quem o Rio Doce era essencial; os perigos que continuam no solo e na água

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MARIANA: CINCO ANOS HOJE

Cinco anos atrás, um tsunami de lama tóxica varreu do mapa três comunidades, contaminou dois rios e tirou, de imediato, a vida de 19 pessoas. O rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, empresa controlada pelas multinacionais Vale e BHP Billiton, despejou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro no meio ambiente. Levou 17 dias para que esse caldo pegajoso percorresse 663 quilômetros e chegasse ao mar. No caminho, deixou cidades sem ter de onde tirar água, pessoas sem ter de onde tirar o sustento, indígenas sem ter de onde tirar sentido espiritual. Passada aquela grande onda, as vidas de centenas de milhares de pessoas continuaram sendo impactadas diariamente por ondas menores, mas persistentes, de descaso do poder público e desmandos das empresas que cometeram o crime até hoje sem julgamento. 

A forma como lidamos com o maior desastre ambiental já ocorrido no país é parte importante do porquê continuaram ocorrendo desastres de enormes proporções depois: outro rompimento, em Brumadinho, óleo no Nordeste, fogo na Amazônia e no Pantanal… Hoje, os cinco anos são lembrados em poucas reportagens: dá para contar nos dedos das mãos. Reunimos para vocês os fatos que nos pareceram mais importantes dessas apurações.  

Brasil de Fato dá conta do sucessivo atraso nas obras de construção de novas comunidades para quem vivia nos três distritos completamente destruídos pelo mar de lama: Bento Ribeiro, Paracatu de Baixo e Gesteira. Primeiro, a Fundação Renova – criada pelas empresas para gerir os recursos destinados à reparação dos danos do crime – disse que tudo estaria pronto em março de 2019. Não aconteceu. A segunda data descumprida foi agosto deste ano – agora, com a desculpa da pandemia. O prazo atual é fevereiro de 2021. Quem acompanha de perto as obras duvida, já que em dois reassentamentos só foi concluída a terraplanagem dos terrenos. Enquanto isso, 342 famílias seguem sem reparação. 

Estadão entrevistou um dos atingidos, Paulo César Mendes, que mostrou para a reportagem um documento da prefeitura de Mariana com prazos ainda mais preocupantes. Lá, a previsão máxima para o início das obras em seu lote é outubro de 2021. A conclusão pode ir até outubro de 2024. No documento, a Fundação Renova aparece como proprietária do imóvel; não Paulo. 

A questão da propriedade parece ser muito importante para a fundação. No Brasil de Fato, os atingidos relatam que a Renova tinha feito uma exigência para construir os assentamentos: eles deveriam abrir mão da propriedade das casas destruídas pela lama em troca das novas, como se a construção não fosse um direito básico, mas algo a ser barganhado. Depois de protestos, os atingidos conseguiram permanecer “donos de seus patrimônios, mesmo que em ruínas”. 

Estado de Minas conta que as comunidades Krenak, que antigamente habitavam toda a extensão do rio Doce e hoje vivem em um pequeno território no município de Resplendor (MG), vêm recebendo basicamente um auxílio financeiro (que não é atualizado a cada nova família formada) e carros pipa. Na cosmogonia da etnia indígena, o rio é “Watu”, sagrado e ancestral, local de rituais, pescarias e jogos. “Nada foi reparado. Não temos estudos de impactos sobre o rio Doce. A Renova desrespeita totalmente nossa forma de organização, a nossa história e os conhecimentos tradicionais do nosso povo com o rio”, critica Krembá, uma das lideranças da tribo. Há comunidades da etnia Guarani afetadas em Aracruz (ES) que também recebem esse tipo de auxílio da fundação que, no entanto, não reconhece a comunidade de Linhares (ES) que se autoidentifica como Botocudo.

De olho nos impactos na saúde para as pessoas que não perderam suas casas, mas moram nas cidades atingidas pelo rompimento, a Folha desencavou a história de um estudo interrompido pela Fundação Renova. Contratado pelo Comitê Interfederativo, composto por órgãos públicos, o laboratório Ambios realizaria análises no solo, água, sedimentos, poeira e alimentos que pudessem indicar riscos aos seres humanos. Na primeira de três etapas, avaliou que Mariana e Barra Longa eram municípios com perigo urgente para a saúde pública. A conclusão parece não ter agradado a Renova, que resolveu entrar na Justiça para emplacar uma metodologia diferente – apesar do Ambios seguir métodos oficiais, chancelados pelo Ministério da Saúde. Um juiz de primeira instância acatou o pedido da fundação. Na decisão, não apresenta argumentos, só adjetivos: “imprestáveis, inservíveis, inadequados” foram alguns dos utilizados para desqualificar os estudos. A segunda instância conseguiu reverter essa decisão.

A reportagem entrevistou uma moradora de Barra Longa, onde a lama chegou a invadir casas no centro da cidade. A poeira levantada pelo vai e vem dos caminhões que retiravam os rejeitos causou alterações nos níveis de metais no seu organismo e no do filho, na época um bebê de sete meses. “Não afetou minha casa, mas afetou minha saúde, porque meu zinco, arsênio, chumbo, tudo foi alto. E no meu filho também”, diz, chegando a uma conclusão que parece ser generalizada: “Estamos à mercê, porque ninguém procura a gente para saber como está a nossa saúde.”  

SERRA VIRA RÉU

No dia da prescrição dos crimes de caixa dois, corrupção e lavagem de dinheiro que teriam sido cometidos pelo senador José Serra (PSDB-SP) em 2014, um juiz acatou a denúncia feita pelo Ministério Público Eleitoral. Assim, ontem, o tucano virou réu. Isso só pôde acontecer porque, uma semana atrás, Gilmar Mendes devolveu para a primeira instância o inquérito. 

Para quem não lembra, o processo subiu para o Supremo graças à tese da defesa, acatada pelo então presidente do STF Dias Toffoli, de que Serra teria direito a foro privilegiado. Isso aconteceu depois que a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão no apartamento funcional de Serra, em Brasília, e tentou apreender documentos no gabinete dele, no Senado. Na época, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mandou a polícia legislativa impedir a entrada da PF, argumentando que poderiam ser apreendidos documentos referentes à atividade parlamentar. A tese da defesa foi justamente a de que não haveria como distinguir o que tinha a ver com o período em que Serra não tinha foro – justamente objeto da investigação que, afinal, queria descobrir abusos no decorrer do pleito de 2014 – do restante. No final, a Procuradoria Geral da República argumentou que o Supremo deveria arquivar tudo o que tinha sido reunido sobre Serra de 2015 em diante e remeter para São Paulo o restante do inquérito. 

O juiz Marco Antonio Martin Vargas, da 1ª Zona Eleitoral de SP, também acatou a acusação contra os empresários Mino Mattos Mazzamati, Arthur Azevedo Filho e José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp. Na decisão, ele indica que há indícios “suficientemente seguros” de que Serra recebeu R$ 5 milhões não declarados à Justiça na campanha eleitoral. Os acusados rebatem, naturalmente, dizendo que as denúncias são frágeis. O sigilo dos autos cai só depois do segundo turno das eleições municipais, em 28 de novembro.

SEM PREVISÃO

Quando falamos aqui sobre o início do julgamento do Supremo sobre os incentivos fiscais ao mercado de agrotóxicos, há menos de uma semana, ressaltamos que era difícil prever quando ele chegaria ao fim. Isso porque qualquer pedido de vista ou destaque levaria à paralisação. Pois ele já foi pausado: na terça, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, e não há previsão para a retomada.

QUEBRA DE EXPECTATIVA

O cronograma de entrega da vacina de Oxford/AstraZeneca para o Reino Unido teve uma alteração nada trivial. Ao todo, são previstas cem milhões de doses, sendo que 30 milhões deveriam ter sido entregues até setembro deste ano. Isso não aconteceu, e agora o chefe do programa de aquisição de vacinas disse que só quatro milhões serão recebidas ainda este ano. Segundo ele, “as previsões que foram feitas de boa fé à época estavam supondo que absolutamente tudo funcionaria e que não haveria nenhum tropeço”… Era bastante provável a existência de ‘tropeços’, de modo que a notícia não chega a espantar. Apesar dela, a expectativa ainda é que o número total seja atingido ao longo do ano que vem.

Estamos falando da fabricação e entrega das doses; evidentemente, para a distribuição é preciso que o imunizante tenha bons resultados nos testes clínicos e seja aprovado. Quanto a isso, o órgão regulador de saúde do Reino Unido anunciou que vai fazer a revisão acelerada dos dados para aprovação (assim como fez a Anvisa, no Brasil). No melhor dos casos, essa vacina poderia ser registrada por lá até dezembro e, então, seria possível vacinar as primeiras pessoas ainda este ano. “Acho que há uma pequena chance de isso ser possível, mas simplesmente não sei”, disse o professor Andrew Pollard, coordenador dos ensaios, em audiência com parlamentares.

Não sabemos o que esse atraso da AstraZeneca pode significar para o calendário brasileiro. Há pouco tempo a Fiocruz divulgou seu cronograma, cujos pontos foram reforçados ontem em uma oficina para jornalistas: a previsão é finalizar 30 milhões de doses até fevereiro e mais 70 milhões até julho. Só que isso depende do envio de insumos pela farmacêutica britânica. “Temos datas planejadas, mas nunca sabemos se vai atrasar mais um pouquinho. Há uma impossibilidade de prever com precisão. Estamos tentando acelerar o máximo possível”, disse Maurício Zuma, diretor de Biomanguinhos, a fábrica de vacinas da Fundação.

OUTRO ATRASO

Os testes clínicos com a CoronaVac em São Paulo também estão atrasados – não porque os voluntários não tenham sido vacinados no tempo certo, mas porque ainda não foi identificado o número esperado de infecções. A previsão inicial era que, até outubro, 61 dos participantes tivessem sido contaminados (já explicamos por aqui como o protocolo funciona: quando um número determinado de infecções é alcançado, os pesquisadores veem quantas das pessoas contaminadas haviam tomado a vacina e quantas haviam tomado o placebo, e aí calculam a eficácia do imunizante). A justificativa para o atraso é que o coronavírus está circulando com menor intensidade no estado. E, por isso, o governo anunciou que vai selecionar mais voluntários para aumentar as chances de ter participantes que peguem o vírus.

ESPALHOU-SE

Todos os mais de 15 milhões de visons da Dinamarca vão ser abatidos depois que uma mutação do novo coronavírus começou a se espalhar desses animais para humanos. Até agora, 12 pessoas foram contaminadas. Já falamos sobre o risco (sempre alto) de doenças emergirem a partir de grandes criações, como acontece com porcos e galinhas. O caso dos visons é ainda mais trágico porque os bichos não servem de alimento, e sim para a indústria de peles de luxo. Os primeiros visons infectados com coronavírus foram descobertos na Holanda, em abril; de lá para cá, centenas de milhares já foram sacrificados neste e outros países, como a Espanha. Na própria Dinamarca – o maior produtor mundial de visons – o número de abates já havia passado de um milhão.

Mas agora a história é um pouco diferente e, talvez, mais perigosa, porque a mutação descoberta parece impedir que as pessoas infectadas produzam anticorpos. A preocupação das autoridades de saúde do país é que isso possa interferir na eficácia de futuras vacinas; o governo optou pelo abate como precaução, mas na verdade ainda não há muita certeza de nada. 

NO CORAÇÃO DOS ASSINTOMÁTICOS

Foi publicado ontem, no periódico JACC, mais um estudo que traz preocupações sobre a ação do novo coronavírus no coração. Dessa vez, em jovens atletas que tinham sintomas leves ou eram completamente assintomáticos. Das 54 pessoas analisadas, mais de um terço apresentou anormalidades cardíacas, como inflamação ou excesso de líquido no pericárdio (um saco que envolve o coração e as raízes dos grandes vasos). Segundo os autores, o tipo de inflamação encontrada, em geral, desaparece em poucas semanas, mas há casos em que pode haver efeitos graves de longo prazo, e é difícil prever quando um paciente desenvolverá complicação. Com base nas descobertas, os autores fazem uma série de recomendações para atletas infectados, como a necessidade de testes cardíacos antes de voltar a jogar.

QUASE METADE

Um relatório da Defensoria Pública do Rio mostra que, em todo o estado, pelo menos 1,8 mil pessoas que precisaram de internação na rede pública morreram na fila para conseguir um leito ou no transporte da unidade de saúde para o hospital de referência. Dá para entender melhor o que esse número representa quando ele é comparado com outro: ao todo, foram 4,2 mil os pacientes que precisaram de leitos; isso significa que nada menos que 44,5% deles não conseguiram. O maior número de mortes nessas circunstâncias aconteceu na UPA de Manguinhos (231 óbitos), num dos maiores complexos de favelas da capital. E o problema deve ser ainda muito mais grave do que esses dados apontam – o levantamento foi feito com base em questionários enviados às unidades de saúde, e só metade delas respondeu.

LIGEIRO AUMENTO

Ontem o número de novas mortes registradas no Brasil voltou a subir: foram 622, e esse é o maior número das últimas duas semanas. Não dá para afirmar que o número reflita a realidade, porque chegou logo após o feriadão (em geral, por conta do represamento de dados em fins de semana e feriados, costuma haver um salto em seguida). A média móvel nos últimos sete dias subiu um pouco (ficou em 384), mas ainda é menor do que estava duas semanas atrás.

CHEGARAM LÁ

Em junho, o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, Anthony Fauci, disse que o país poderia chegar a cem mil registros diários de covid-19 em pouco tempo – na época, a média era de 40 mil.  Ontem a previsão se concretizou: foram 103.087 casos, o maior número diário já registrado por qualquer país. Ao todo, 52 mil pessoas estão internadas por lá neste momento, o que não acontecia desde agosto. 

Referindo-se ao dia depois das eleições, no mês passado Donald Trump disse que em “4 de novembro” já não se falaria muito mais sobre a doença. Sua profecia, ao contrário da de Fauci, não poderia ter falhado mais.

DESCRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS

O resultado das eleições nos Estados Unidos seguem indefinidas, embora Joe Biden esteja bem próximo da vitória após ganhar dois estados importantes – Michigan e Wisconsin. Pelas projeções do New York Times e do WaPo, o democrata precisa de 17 delegados para se tornar o próximo presidente; enquanto Trump precisa de 56 para se reeleger. 

Mas enquanto nenhum martelo é batido, há outras notícias interessantes do pleito. Isso porque vários estados promoveram plebiscitos sobre drogas. Arizona, Montana e Nova Jersey aprovaram o uso recreativo da cannabis. E o uso medicinal passou no Mississipi e na Dakota do Sul. Já Oregon votou pela descriminalização do porte de pequenas quantidades de todas as drogas, se tornando o primeiro estado do país a adotar essa política pública. Por lá, o uso terapêutico de cogumelos psicodélicos também foi aprovado. O estado pretende financiar centros de tratamento para usuários que abusam das drogas com os impostos da legalização da maconha.

UM CONTO INDIANO

Era uma vez, na Índia, usineiros que recebiam subsídios do governo para exportar cana de açúcar. Em um certo ano – 2020 – eles projetaram um aumento de 13% na produção, que chegaria na casa das 31 milhões de toneladas. Ao mesmo tempo, receberam a notícia que talvez a ajuda acabasse. Foi aí que a entidade que representa seus interesses, a Indian Sugar Mills Association, teve uma ideia. ‘E se nós investíssemos em marketing para incentivar a população a comprar esse excedente?’, pensaram. Resultado: em pleno século 21, a indústria indiana resolveu acabar com os “mitos” sobre o açúcar e seus efeitos sobre a saúde.

A campanha publicitária lança mão das redes sociais e vai promover workshops com chefs famosos. “Coma, beba e seja saudável: um pouco de açúcar não é tão ruim”, incentiva um dos conteúdos publicados num site – cujo lançamento, aliás, contou com a participação do governo. “Existem muitos mitos por aí sobre o açúcar e seu consumo, sem base científica”, repetiu, como papagaio, o secretário de alimentos da Índia, Sudhanshu Pandey.

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