Amílcar Tanuri (1958-2025): um virologista notável
Ex-diretora de Farmanguinhos rememora o apoio essencial do recém-falecido pesquisador da UFRJ ao desenvolvimento de antirretrovirais nacionais, nos anos 1990
Publicado 07/10/2025 às 13:15 - Atualizado 07/10/2025 às 13:16

No último dia 26 de setembro, faleceu aos 67 anos Amílcar Tanuri, pesquisador e líder do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ. Uma matéria da Revista Pesquisa Fapesp reconta sua trajetória, marcada por contribuições indispensáveis à saúde da população brasileira. Destacamos uma delas: seu papel na testagem de medicamentos genéricos para o tratamento de HIV/aids que o Brasil ousou desenvolver na década de 1990, em desafio às grandes farmacêuticas internacionais. Garantindo sua eficácia, Tanuri fortaleceu o questionamento dos altíssimos e injustificáveis preços impostos pelas empresas, facilitando a negociação.
Em depoimento a Outra Saúde, a química Eloan Pinheiro, diretora-executiva de Farmanguinhos quando o laboratório público da Fiocruz capitaneou o desenvolvimento desses remédios, rememorou a participação de Tanuri nesse processo. Ela conta:
“Fui grande amiga de Amílcar Tanuri. Ele teve um papel extremamente importante no estudo de engenharia reversa que fizemos na década de 1990 para a produção de antirretrovirais.
Na época, o Ministério da Saúde trouxe essa demanda para que fizéssemos a engenharia reversa dos medicamentos, mas havia uma insegurança com a qualidade dos insumos farmacêuticos que recebíamos. Naquele tempo, não existia Anvisa e não tinha teste de bioequivalência. Também não tínhamos a monografia* desses medicamentos. Então os estudos foram muito auxiliados pela parceria que nós em Farmanguinhos estabelecemos com o laboratório do Tanuri, na UFRJ, para testar a qualidade da matéria-prima recebida diretamente no vírus vivo [do HIV/aids] que ele tinha em seu laboratório.
Era a única maneira de testar se aquela matéria prima era eficaz e de boa qualidade. Caso fosse, podíamos continuar o desenvolvimento. Enquanto formulávamos critérios analíticos mais detalhados, era Amílcar que fazia o teste das doses de cada Insumo Farmacêutico Ativo. Isso foi para a zidovudina, a lamivudina, o indinavir e todos os outros medicamentos que Farmanguinhos desenvolveu na época.
Ele também cumpriu um papel importante quando fizemos um piloto estratégico para o efavirenz. Nós recebemos uma amostra da matéria-prima vinda da Índia e, novamente, foi Amílcar que testou e verificou que ela tinha atividade. Com isso, fizemos um piloto para demonstrar ao ministro da Saúde da época que era possível fabricar o medicamento por um preço bem menor do que aquele que a Merck estava oferecendo naquele momento. Na época, saíram muitas notícias de jornal em que a Merck questionava o nosso desenvolvimento. Objetivamente, nós conseguimos que o preço do efavirenz – ainda sob patente no ano 2000 – fosse decrescido em cerca de 60% para aquisição pelo Ministério da Saúde, essa é a realidade.
Senti muito a ida de Amílcar porque ele era um pesquisador que via a pesquisa não só como um fator essencial para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos. Ele tinha uma visão das necessidades do paciente e a convicção de que os medicamentos precisam ter preços mais adequados, para garantirmos sua produção e o tratamento de situações concretas no nosso país.”
*A monografia farmacopeica de um medicamento é um documento de descrição básica de uma substância farmacêutica ou medicamento, identificando suas características e componentes. Deve ser obrigatoriamente entregue à Anvisa. (N. E.)
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