Alguns pontos sobre a crise na UERJ

• Volta às aulas após ocupação • As bolsas da universidade • Diálogo e radicalização • O começo • Apoio à reitora • O orçamento •

Créditos: Veja Rio

UERJ volta às aulas após desocupação da reitoria

As aulas do campus principal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) voltam hoje (24/9), após dias de tensão. Estudantes ocupavam a reitoria do prédio localizado no Maracanã desde o dia 26/7, em defesa de bolsas de permanência estudantil que haviam sido concedidas no contexto da pandemia de covid. A reintegração de posse aconteceu na sexta-feira, depois de a reitoria ter considerado que todas as tentativas de diálogo haviam sido esgotadas. Houve confusão e a PM utilizou bombas de efeito moral, além de deter dois estudantes, um jornalista e o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que estava presente. Após a saída dos estudantes, foi feita uma perícia no prédio e a polícia constatou que havia danos em paredes, portas, pias e mobiliários. Alguns discos rígidos contendo informações importantes da instituição haviam sido retirados dos computadores.

A questão das bolsas

Desde a pandemia, alunos com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo recebiam bolsa permanência de 706 reais. Seu escopo foi reduzido: agora, vale apenas para aqueles que vivem com até meio salário – cerca de 1.200 pessoas. Para as restantes, a reitoria oferece um valor menor, de 500 reais, durante período de transição. Bolsas de auxílio a alimentação e material também estão mais restritas. É importante destacar: os estudantes que entraram na universidade por cotas não deixaram de receber bolsas, que já estão garantidas no orçamento – são cerca de 9 mil que recebem o auxílio. “É um grande esforço que estamos fazendo, desde o início do ano, para garantir a quantidade de bolsas. Talvez seja a universidade que dê mais bolsas de permanência no Brasil”, afirmou a reitora Gulnar Azevedo a este boletim. Ela também afirmou que a UERJ oferece outras cerca de 6.500 bolsas acadêmicas.

Faltou diálogo com os estudantes?

“Nós fizemos essa proposta, para poder garantir uma transição. E, mesmo assim, eles não quiseram negociar. Foram oito tentativas de negociação, oito mesas com todos os centros acadêmicos da UERJ, o DCE e os ocupantes da reitoria. Eram reuniões abertas”, garantiu Gulnar. Segundo seu relato, há uma parte dos estudantes que foram totalmente intransigentes e se fecharam às negociações. A reitora foi ameaçada de morte duas vezes nas redes sociais. 

“Alguns centros acadêmicos queriam aceitar a nossa proposta. Quando falavam alguma coisa diferente do que os ocupantes queriam, eles impediam que a reunião continuasse. Foi nesse nível, entendeu? Um nível muito grande de violência e de intransigência. Eles impediam a continuidade das reuniões com tambores e instrumentos musicais”, contou. Ao ver que a tensão aumentava, a reitoria acionou a justiça para que fosse feita a reintegração de posse. Segundo ela, havia “risco e prejuízo enorme” para a gestão da universidade, pois o campus que estava ocupado abriga a administração central. Lamentavelmente, a força policial foi convocada pela juíza responsável pelo caso para retirar os estudantes.

Mudança em momento inoportuno

Um estudante que falou à redação confirma que o diálogo foi impossibilitado por parte dos ocupantes da reitoria. Mas, em sua opinião, o ato executivo que extinguiu as bolsas foi publicado repentinamente. “Se a reitora tivesse feito um movimento anterior, convocando os alunos, a comunidade da UERJ, para fazer uma mobilização política em cima do estado para garantir a manutenção dessas bolsas”, o desfecho poderia ter sido diferente, segundo ele. O estudante também relata que algumas das reuniões foram “mal conduzidas” por representantes da reitoria. Segundo ele – que deu seu relato no dia em que a PM do Rio de Janeiro fez a desocupação do prédio –, a maior parte dos estudantes não aprovava o “manejo” da crise pela reitoria.

Apoio de entidades aos reitores

Gulnar Azevedo e o vice-reitor Bruno Deusdará receberam manifestações de apoio. A Frente pela Vida, rede de movimentos da saúde, escreveu que ambos “têm uma trajetória de defesa da democracia e do ensino público. Gulnar em um dos períodos mais difíceis da vida nacional, ocasião da pandemia, esteve junto com várias companheiras e companheiros, à frente da luta em defesa da população, e da democracia brasileira”. Também criticou a “interdição do diálogo, construção midiática de narrativas, interrupções de reuniões, e violência, como se viu agora, em que a reitora Gulnar Azevedo teve sua vida ameaçada”. A presidência da Fiocruz também manifestou sua “total solidariedade” à reitora e destacou que “nenhum estudante em vulnerabilidade ficou sem suporte em algum tipo de auxílio”.

Orçamento limitado

Em meio às discussões sobre o futuro das bolsas, é incontornável o tema do orçamento da UERJ – e das universidades brasileiras que, como um todo, sofrem de falta de verba muitas vezes para que funcione sua estrutura básica. Sobre o assunto, Gulnar afirmou: “Nós viemos trabalhando desde o início com o governo nesse sentido. No ano passado, o recurso recebido foi insuficiente para garantir todas as nossas atividades. Por isso, houve uma suplementação de 336 milhões de reais. Em 2024, o governo do estado afirma estar com dificuldade de arrecadação e prevê que, até o final do ano, não será possível fazer a suplementação de recursos. Nós conseguimos, depois de muita negociação, garantir uma suplementação de 150 milhões. Mas eles não vão apenas para bolsas: são para garantirmos todas as atividades até o final do ano. Não dá para cobrir tudo”.

Hipótese: em tempos “arcabouço fiscal” a nível federal, Regime de Recuperação Fiscal a nível estadual e “austeridade” como ideologia dominante em todos os níveis, crises como essa continuarão a acontecer.


*Alterações feitas em 1º/10. O texto anterior continha uma informação errada a respeito do valor das bolsas.

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