Agronegócio quer liberar pesticida que causa onda de suicídio no Suriname
Com apenas 630 mil habitantes, o país registra uma das maiores taxas de suicídios do mundo. Nesta crise, a substância conhecida como paraquat tem papel relevante, mas não é o único fator em jogo
Publicado 16/06/2025 às 12:57 - Atualizado 16/06/2025 às 13:08
Uma pequena nação da América do Sul, com apenas 630 mil habitantes, registra uma das maiores taxas de suicídios do mundo. Trata-se do Suriname, que faz fronteira com os estados brasileiros do Pará e Amapá. Uma reportagem do The New York Times revela o enorme papel dos agrotóxicos nesta crise – e os crescentes esforços para proibi-los.
Liberada no país e disponível por um preço irrisório, a substância conhecida como paraquat é a mais visada. Fabricado pela multinacional suíça Syngenta, o herbicida é amplamente utilizado pelo setor agrícola e também por famílias que querem se livrar do mato em seu jardim. “É muito fácil de encontrar, toda casa tem uma garrafa ou mais”, conta uma entrevistada. Profissionais de saúde relatam que sua ingestão intencional é cada vez mais comum, visto que poucos mililitros já levam à morte certa.
Evidentemente, o paraquat não é o único fator em jogo no Suriname: em uma sociedade onde rápidas transformações levam a muitas incertezas na sociedade, há uma grande carência de equipamentos de saúde mental. Mesmo assim, a proibição do agrotóxico – medida já tomada por dezenas de países, incluindo potências como a China e a União Europeia – seria decisiva para enfrentar a atual crise, argumentam especialistas. Estudos mostram que o banimento do paraquat fez cair em 70% o índice geral de suicídios no Sri Lanka e reduziu em 50% a taxa de suicídios com pesticidas na Coreia do Sul. Não se trata da única razão para interditar o uso da substância: como informa o Jornal da USP, a exposição a pequenas doses multiplica o risco de surgimento da doença de Parkinson e está associada a danos genéticos, fibrose pulmonar e câncer.
Se dependesse do agronegócio, o paraquat ainda seria legal no Brasil. Há oito anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a resolução nº 177/2017, que proibiu a “importação, comercialização e utilização” do paraquat no país. O setor teve até 2020 para se readequar, mas mesmo assim buscou reverter o banimento até o último segundo.
Uma apuração do De Olho Nos Ruralistas revela que, pouco antes do fim do prazo, parlamentares ligados ao agronegócio promoveram uma ofensiva relâmpago para impedir a proibição. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e os deputados Alceu Moreira (MDB-RS), Luiz Nishimori (PL-PR) e Pedro Lupion (DEM-PR), reuniram-se sete vezes com a Anvisa para fazer este lobby. O lobista João Hummel Vieira, que se apresenta nas redes como fundador da Frente Parlamentar da Agropecuária, foi identificado como um dos estrategistas que organizou as ações. Não houve êxito. Em 2022, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) solicitou mais uma vez a “liberação emergencial” do paraquat, “seguida de revisão da decisão da Anvisa” – mas também fracassou.
O episódio revela a dimensão dos riscos que o agronegócio representa à saúde dos brasileiros.
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