África do Sul: agentes de saúde buscam direitos

Lá, como no Brasil, eles estão entre os profissionais mais mal pagos do setor público. Com planos do governo para criar um sistema universal de saúde, a categoria questiona: como fazê-lo sem valorizar os trabalhadores da atenção primária?

Créditos: NUPSAW
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Pelo People’s Health Dispatch | Tradução: Guilherme Arruda

Como noticiou este boletim, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, sancionou em maio a National Health Insurance Bill, lei que dá início à construção de um sistema único de saúde naquele país, prevendo a a gratuidade e a universalização de seus serviços. Os trabalhadores da saúde sul-africanos querem colaborar com o projeto, mas encontram um entrave: suas péssimas condições de trabalho. O artigo a seguir destaca o pleito dos agentes comunitários de saúde, uma categoria indispensável para a atenção primária, que reivindica que a formalização e valorização de seus empregos colaborará com a implementação da saúde pública, universal e gratuita. Os resultados das eleições desta quarta-feira (29/5) no país embolaram o cenário político e levantam o questionamento: o sonho de um “SUS sul-africano” e do real reconhecimento de seus profissionais estará mais próximo ou mais distante? (G. A.)


Na África do Sul, os agentes comunitários de saúde (ACS) estão se mobilizando para exigir empregos formais e estáveis. Ao longo do mês de maio, esses trabalhadores e organizações aliadas promoveram manifestações em várias regiões do país, visando pressionar o governo na reta final das eleições, realizadas no último dia 29/5.

Em meio à escassez de profissionais de saúde vivida no país, os ACSs frequentemente têm cumprido papeis que deveriam ser de enfermeiros, farmacêuticos e educadores de saúde. “Muitas vezes, eles são os únicos trabalhadores da saúde disponíveis, em especial nas áreas rurais distantes dos equipamentos públicos”, alertou Melanie Alperstein, do Movimento pela Saúde dos Povos (MSP), em um protesto na Cidade do Cabo, no dia 17/5.

Em entrevista ao People’s Health Dispatch, Tinashe Njani, do MSP África do Sul, frisou que os ACS tendem a ser considerados os “mais baixos” na hierarquia dos profissionais de saúde – e, frequentemente, são mandados ao trabalho sem proteção adequada. De acordo com Njanji, os agentes comunitários de saúde são os últimos a receber Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e, por vezes, precisam adquiri-los por si mesmos. O mesmo costuma acontecer com os uniformes.

A luta dos ACSs não pode ser entendida como separada daquela de outras categorias da saúde. Os sindicatos apontam que, enquanto os agentes são obrigados a cumprir funções que deveriam ser de farmacêuticos, muitos farmacêuticos estão desempregados devido a cortes no orçamento da Saúde e congelamentos de novas contratações. O arrocho financeiro afeta os ACSs de múltiplas maneiras, explica Njanji. As tarefas se acumulam, ao mesmo tempo que colegas e especialistas de outras profissões se demitem, devido às péssimas condições laborais. Além disso, a carga de trabalho deve crescer ainda mais, já que as restrições orçamentárias aumentam as filas – e mais pacientes precisam ser visitados em suas casas.

Sob essas condições, é difícil ver como os supostos esforços do governo para garantir o acesso à saúde – incluindo o recém-sancionado National Health Insurance Act – podem ser exitosos.

O MSP África do Sul é um aliado de longa data da causa dos agentes comunitários de saúde, consistentemente destacando suas contribuições na pandemia da covid-19, assim como na luta em defesa da saúde infantil e materna e contra a tuberculose, o HIV/ids, as doenças não-transmissíveis. Apesar de seu papel, muitos ACS não recebem um salário por seu trabalho, e sim uma remuneração muito inferior à de outros funcionários públicos: na província de KwaZulu-Natal, seus ganhos giram em torno de 4 mil rand – cerca de US$215,00 ou R$1126,00.

Muitos ACSs são contratados por meio de Organizações Não-Governamentais (ONGs) em contratos precários de apenas um ano, que não oferecem nenhuma estabilidade. Direitos como licença-maternidade e aposentadoria lhes são negados.

Mesmo excluindo-os de direitos, as mais variadas instâncias de Estado aplaudem os agentes por sua importância para a construção de um sistema de saúde baseado na atenção primária. Os mais recentes planos do governo dizem querer priorizar o acesso à saúde nas regiões rurais e isoladas. Contudo, os ACS vêm implementando tais práticas já há muitos anos, construindo laços com as comunidades e compartilhando informações de saúde valiosas, mesmo desconectados de outras partes do sistema de saúde.

De acordo com o Sindicato Nacional do Serviço Público e Trabalhadores Aliados (NUPSAW, na sigla em inglês), os ACS “cumprem um papel fundamental no acesso à atenção primária, especialmente em comunidades excluídas e distantes das clínicas e hospitais”.

Se a população e o movimento sanitário reconhecem a contribuição vital dos ACSs para a saúde pública da África do Sul, o mesmo não pode ser dito dos formuladores de políticas públicas. O National Health Insurance Act afirma que a atenção primária será o “coração” do novo sistema. No entanto, alerta Tinashe Njanji, “não há nenhum papel claro para os Agentes Comunitários de Saúde nele”, a despeito de sua importância evidente na garantia da atenção primária.

O governo só pode solucionar a situação integrando os ACS ao sistema de saúde formal e garantindo condições decentes de trabalho para todos os profissionais, sugere o NUPSAW. Essa abordagem teve êxito na província de Gauteng, que abandonou o modelo precário de contratações vigente no resto do país. Para estender essa conquista a todos os agentes, o sindicato já anunciou sua disposição de manter a mobilização, marcando novos protestos para as próximas semanas.

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