Aborto legal: os votos de Barroso e a luta das enfermeiras

Pouco antes de se aposentar, ministro do STF votou a favor do direito ao aborto — e do papel da Enfermagem em garanti-lo. Mas serão necessários mais esforços para vencer o conservadorismo das instituições

Foto: Victor Piemonte/STF
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Aposentado neste sábado (18), o ministro Luís Roberto Barroso utilizou seu último dia no Supremo Tribunal Federal (STF) para votar em duas importantes matérias relacionadas ao aborto no Brasil, que repercutiram ao longo do fim de semana. 

Na noite de sexta-feira, Barroso votou de forma favorável à ADPF 442, ação que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Somando-se ao voto da também aposentada ministra Rosa Weber, já são duas manifestações em favor da pauta na Suprema Corte, que ainda não registrou nenhum voto contrário.

No mesmo dia, o ministro também concedeu uma liminar que autorizou enfermeiros e técnicos de enfermagem a realizarem procedimentos de aborto legal, que hoje precisam obrigatoriamente contar com a participação de um médico. Citando um “déficit assistencial” e uma “proteção insuficiente” que impedem mulheres e meninas de acessarem um direito garantido há décadas, Barroso também afastou a possibilidade de punição a profissionais da enfermagem que prestarem auxílio à interrupção voluntária da gravidez.

“A enfermagem é muito capilarizada, o Brasil tem enfermeiro em todos os estados, em todos os municípios, às vezes em municípios que nem têm médicos. A presença em todas as unidades de saúde, em todos os municípios, dá condições de ampliar o acesso equitativo e qualificado”, defendeu Jacinta Sena da Silva, presidente da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), em entrevista a este boletim.

No entanto, até esta segunda-feira, 7 ministros do STF votaram pela derrubada da liminar, número que já forma maioria para tornar inválidos seus efeitos. Os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli divergiram de Barroso afirmando não haver urgência que justifique o deferimento de uma decisão liminar.

“O aborto é um tema muito sensível no Brasil. Mas como dizer que não há urgência, se a cada 30 minutos uma criança nasce de outra, essa com idade de 10 a 14 anos? O estupro, no caso dessas crianças, é presumido. O Estado falha em protegê-las do estupro e, de novo, quando interpõe barreiras ao acesso legal”, questionou Marisa Palacios, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, ao Outra Saúde.

O cenário é ilustrativo das dificuldades que a luta pela legalização do aborto, bem como pelo direito dos profissionais da enfermagem de conduzir esse procedimento de forma segura, ainda enfrenta no Brasil, frente ao conservadorismo das instituições.

A liminar de Barroso havia sido concedida em resposta à ADPF 989, apresentada pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e outras entidades da saúde coletiva, e à ADPF 1207, apresentada pela ABEn e organizações aliadas. Em meio à incerteza com o resultado da ação, “a ABEn reafirma seu compromisso com a vida, a defesa da saúde pública, da autonomia profissional, do direito à saúde e do acesso equitativo aos serviços de saúde”, afirmou Jacinta.

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