A Saúde Mental no SUS encara novos desafios

Hipermedicalização, aumento de transtornos psiquiátricos, avanço do conservadorismo. Como a RAPS pode responder às novas crises? Como fortalecê-la nesse processo? Por que o cuidado em liberdade continua sendo a resposta necessária?

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As bases estão firmadas para que o Brasil supere o modelo manicomial de assistência em saúde mental, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) está estruturada e permite que as pessoas com transtornos psíquicos sejam tratadas em liberdade – o que poderia enterrar o sistema baseado no isolamento, que negligencia direitos humanos e dificulta a reinserção social. Mas, para que isso se concretize, será necessário um ritmo muito mais robusto de “investimento para ampliação dos serviços substitutivos, como os Centros de Assistência Psicossocial (CAPS), e contratação e qualificação dos recursos humanos” que vão operá-los. 

A avaliação é da psiquiatra Ana Paula Guljor, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/Fiocruz), em entrevista ao programa SUS 35 anos. Organizado por Outra Saúde, o ciclo de conversas promove reflexões acerca dos rumos do sistema público de saúde brasileiro, no aniversário da lei que o regulamentou.

Neste âmbito de uma Reforma Psiquiátrica considerada um exemplo internacional pela Organização Mundial de Saúde, mas que sofre retrocessos, os desafios se multiplicam. Crescem os números e a influência política das comunidades terapêuticas, instituições que acumulam denúncias de violações de direitos. Seu método de “tratamento” para o uso abusivo de álcool e drogas muitas vezes envolve a privação de liberdade, na contramão dos avanços promovidos no país desde os anos 1980. 

No atual governo, preocupam os sinais contraditórios. A saúde mental ganhou seu próprio departamento no Ministério da Saúde e houve um importante reajuste no orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Mas a certificação das comunidades terapêuticas também foi regulamentada, e elas passaram a contar com um departamento próprio no Ministério do Desenvolvimento Social. Buscar um equilíbrio entre os dois projetos é um equívoco. O caminho adiante passa por “uma orientação clara de defesa do cuidado territorial”, proposta em que o país tem uma “experiência importante e exitosa”, aponta Guljor.

Além de tudo isso, pensar no sofrimento e nos transtornos psiquiátricos no Brasil de hoje exige encarar novos desafios. No ano passado, o Brasil registrou 400 mil afastamentos do trabalho por motivos de saúde mental. A prescrição excessiva de remédios psiquiátricos – conhecida como hipermedicalização – populariza-se como solução fácil para o problema do sofrimento psíquico de milhões. 

Na entrevista de Outra Saúde com a presidente da Abrasme, as reflexões caminham para uma importante tese: apesar das novidades no cenário da saúde mental, o caminho adiante segue passando pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde e do cuidado territorial.

“Nós temos um modelo comunitário, territorial, que vem sendo reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como um dos mais avançados do mundo em termos de proposta, ao mesmo tempo que tem uma efetividade no cuidado. Estamos pensando na redução de danos, nos CAPS, nas Unidades de Acolhimento. Esse modelo é subfinanciado, mas existe”, ela completa.

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