A Padilha, a tarefa de reforçar a atenção secundária
Novo ministro da Saúde assume com o compromisso de priorizar o programa Mais Acesso a Especialistas. Túlio Franco sugere: há espaço para fortalecer também o atendimento intermediário, aproveitando os cerca de 5 mil hospitais que hoje estão subutilizados
Publicado 12/03/2025 às 12:01 - Atualizado 12/03/2025 às 15:33

Médico, sanitarista e ex-ministro da saúde do governo Dilma, Alexandre Padilha assumiu sua nova função no governo Lula: a chefia do Ministério da Saúde, um dos maiores símbolos da ideia de “reconstrução” propalada pelo governo eleito. Um dos protagonistas pela coordenação de programas que ampliaram o alcance do SUS nos primeiros governos do PT, restaurados na gestão de Nísia Trindade, Padilha terá diante de si o desafio de dar continuidade ao que foi organizado em 2023 e 24, ao mesmo tempo em que precisará buscar marcas próprias.
Sua apresentação à mídia, com direito a produção de figurinhas dos membros do novo secretariado, anunciado neste dia 11, já apresentou algumas prioridades para a Saúde, em especial o recém-elaborado programa Mais Acesso a Especialistas.
“É um momento de ousadia. São 22 meses de gestão e uma eleição pela frente. São necessárias ousadia e velocidade para ter resultados de impactos sentidos pela população. O Mais Acesso a Especialistas precisa aumentar a oferta de especialistas, mas exige gestão da demanda. E isso inclui diminuí-la, o que significa aumentar a resolutividade da atenção básica”, analisou o médico Túlio Batista Franco, em participação no Outra Manhã, programa de entrevistas do Outras Palavras TV, na última sexta
Coordenador da Frente Pela Vida (FpV), uma rede de movimentos sociais de defesa do SUS que contribuiu para a retomada de uma agenda de políticas públicas na área. Túlio esteve com Padilha nesta terça, 11/3, quando o novo ministro recebeu a FpV em seu gabinete.
“A Frente propôs, e foi acordada, a manutenção de um canal direto de comunicação com o gabinete, em linha de mão dupla, como forma de bem informar, compartilhar opiniões, e assegurar o protagonismo do movimento social da saúde baseado em boas informações. Isto dá um salto de qualidade na relação entre o Ministério da Saúde e as entidades da Frente pela Vida”, contou ao Outra Saúde.
Em linhas gerais, o movimento sanitarista brasileiro aprova o novo gabinete, que no fim das contas mantém o mesmo perfil de Nísia e seu secretariado. Como analisado anteriormente, e corroborado por Túlio na live da última sexta, ficou patente o caráter político-parlamentar da troca no ministério, cuja reforma sinaliza mais uma estratégia pré-eleitoral do que uma mudança drástica na orientação de governo.
Atenção secundária, a ponta esquecida do SUS
Feita a transmissão do cargo, começa o trabalho. E se nesta primeira metade de governo Lula o lema reconstrução fez sentido, parece nítido que os dois anos restantes de sua administração precisam apresentar novidades tangíveis no cotidiano de uma população ainda pressionada pela precarização do trabalho e oligopolização da economia, com evidentes reflexos no custo de vida.
No que tange à saúde, cabe a Padilha aliviar este peso através do SUS, no que o Mais Acesso a Especialistas foi anunciado como carro-chefe de suas prioridades. O alvo principal é a redução das filas de cirurgias, processo que em alguma medida já ocorre. Mas Padilha foi além e fala em correção da tabela SUS, diretamente relacionada com investimentos em atenção hospitalar.
“Aqui, entramos no debate do dinheiro. O SUS sempre foi subfinanciado e desfinanciado no pós-2016. Temos que enfrentar a questão das emendas, que se tornaram um problema. Mas é possível adotar soluções de baixo custo e alta eficácia”, pontuou Túlio Franco.
Dessa forma, ele joga o olhar para duas frentes. É claro que investir na atenção especializada, facilitar o acesso a consultas e exames e reforçar o foco na diminuição das filas da cirurgia são ações inquestionavelmente necessárias. Mas o sanitarista mostra que o Mais Acesso a Especialistas não é simplesmente um programa de aceleração de procedimentos médicos de alta complexidade.
“Boa parte dos encaminhamentos são feitos sem esgotar o esforço de diagnóstico da Atenção Básica. Sem ampliar sua resolutividade e propedêutica não tem quantidade de especialistas que dê conta. É uma política com dois braços. E temos tecnologia de gestão de saúde que possibilita atender tal projeto.”
Aqui, Túlio retoma a proposta de fortalecimento da atenção intermediária, isto é, a ligação entre uma unidade básica de saúde e um hospital, ponta historicamente menos prestigiada nas formulações de políticas públicas. Trata-se de uma maneira eficaz e barata de garantir bons tratamentos em saúde, a ponto de se evitar internações e intervenções na rede hospitalar, que oneram o sistema.
“A rede de cuidados intermediários existe, por exemplo, na Itália e Reino Unido, com leitos e estruturas referenciadas que fortalecem a Atenção Básica, o que reserva ao hospital aquilo que realmente exige a tecnologia hospitalar. O Mais Acesso a Especialistas dialoga com essa noção aqui exposta”, explica.
Na prática, isso significaria ampliar a estrutura, inclusive de pessoal, da atenção primária, uma vez que tais serviços seriam disponibilizados nos próprios territórios onde vivem as comunidades. As condições já estão disponíveis: “temos mais de 5.000 hospitais pelo Brasil com 30% de ocupação. Poderiam abrigar um programa de cuidados intermediários conectados, com baixo custo, porque seria uma política implementada sobre uma estrutura já existente”, complementou.
A política
Em seu discurso de despedida, Nísia afirmou que “foi ministra do SUS”, uma frase que não é aleatória e representa todo um sentido histórico. Também bateu firme no expediente utilizado nos bastidores para gerar pressão por sua saída. Depois de presidir a Fiocruz, fazer o enfrentamento direto ao bolsonarismo e liderar o desenvolvimento de uma vacina contra a covid nas barbas da presidência de Bolsonaro e, no governo, controlar a farra das emendas parlamentares, que desfalcam e descoordenam o SUS, seu tino político parece ter sido subdimensionado.
“O Ministério da Saúde foi uma rocha contra o negacionismo e reafirmou a ciência como orientadora das políticas. Deixa um legado de absoluta importância. É possível dar continuidade e ousar mais porque seu trabalho foi bem feito”, elogiou Túlio. Caberá a Padilha avançar na promoção do direito à saúde pública em sua integralidade e controlar as pressões econômicas de um congresso hostil.