Teria a mpox surgido no Canadá?

Relatório revela: região do Congo onde se originou o atual surto é um epicentro da atividade das mineradoras estrangeiras no país – em especial a canadense Banro. Não seria a miséria imposta por essas corporações um fator da disseminação da doença?

Foto: Fondation Carmignac
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Por Gustavo Duch, no CTXT | Tradução: Redação

A varíola dos macacos, que foi renomeada para mpox pela OMS em 2022, começou no Canadá. Dizer isso pode parecer uma provocação, mas agora que os países ricos estão preocupados com ela, é preciso perguntar quem gerou as condições para o surgimento e propagação dessa zoonose e por que isso aconteceu.

Cientificamente falando, sabemos que a nova variante surgiu no leste da República Democrática do Congo, um país enorme em extensão, cultura e riquezas naturais. Essa “maldição da abundância” faz com que o país ainda funcione sob a herança de um colonialismo explorador. Como muitas vezes vemos nos meios de comunicação, suas densas florestas e outros biomas estão salpicados de muitas minas a céu aberto, onde as condições de trabalho são absolutamente precárias e a exploração infantil é a norma. Ou seja, dois ingredientes convergem: o primeiro, o desmatamento, que possibilita o contato das pessoas com os vírus dos animais; o segundo, uma situação social com atendimento médico precário, falta de acesso à água potável, condições de higiene inexistentes e imposição forçada a muitas mulheres do trabalho sexual, favorável ao contágio e à disseminação de uma nova epidemia.

A varíola dos macacos, de fato, não é nova neste lugar. O que temos de novo é um surto que, agora que parece se espalhar para o Ocidente, despertou a preocupação das instituições internacionais e dos governos dos países desenvolvidos. Essa atitude é uma das características próprias de uma relação – para continuar falando em termos biológicos – de parasitismo, onde o Norte capitalista vive às custas de um hospedeiro, o Sul Global, sem se preocupar com o mal que lhe causa.

Mas será possível identificar qual capital está por trás disso? No Congo, convivem a mineração artesanal e grandes atores internacionais. Podem ser encontrados tanto sob o controle do governo quanto sob o controle de grupos rebeldes da região, mas, direta ou indiretamente, é comum o apoio de capital estrangeiro. Em particular, se revisarmos informações sobre a mineração em Kamituga, zona zero do novo surto, aparecem três corporações significativas: SAKIMA, Kamituga Mining e, sobretudo, Banro Mining. A Banro é uma multinacional cuja sede está muito longe, em Toronto, no Canadá, e historicamente manteve posições privilegiadas no Congo. De fato, participou e participa dos negócios das outras duas corporações mencionadas. Graças a um relatório da entidade Mining Watch Canada, podemos nos aproximar um pouco dos obscuros mecanismos de ação dessas corporações mineradoras.

Segundo os dados de 2020, “a Banro dispõe da maior quantidade combinada de terras de qualquer empresa de mineração de ouro no continente africano. Com quatro licenças de mineração e dezessete licenças de exploração, as posses da Banro cobrem 7.500 km² do cinturão de ouro Twangiza-Namoya na República Democrática do Congo”. As informações reveladas por esse observatório são alarmantes, pois responsabilizam a multinacional por pelo menos três tipos de violações dos direitos humanos: deslocamento forçado de partes da população local; mortes por falta de medidas de segurança; e impedimento do direito dos trabalhadores de formar sindicatos – abrindo a porta para que, finalmente, surjam e se repitam os lamentavelmente habituais surtos de violência. Há mais de trinta anos esse território vive em guerra.

O filósofo e escritor Paul B. Preciado defende que vivemos sob um modelo de organização social que ele chama de “petrosexorracial”, onde a dependência dos combustíveis fósseis está ligada “à legitimação da destruição do ecossistema e à dominação de alguns corpos sobre outros”. A epidemia de mpox, como vimos, lhe dá razão. E se adicionarmos que grande parte do que o capital estrangeiro extrai dessa terra africana é o coltan, muito demandado pela indústria da chamada transição ecológica, acho que o justo e razoável seria renomeá-la como “a varíola dos hipócritas”.

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