Crise global e um governo em busca de uma marca
O ano começa em tormenta. Enquanto Trump bagunça o cenário global, Lula trabalha para dar novos rumos a seu mandato, com reforma dos ministérios e novas estratégias de comunicação. Saúde e Educação podem ser a chave para uma indispensável virada
Publicado 30/01/2025 às 10:01 - Atualizado 30/01/2025 às 14:44
Título original:
Trump, reforma ministerial e marcas do governo Lula: o que 2025 nos promete
Rômulo Paes de Sousa, para a coluna Saúde É Coletiva
Diatribes de Trump
A eleição de Trump veio tirar as redações de política da modorra do início de ano. Na gestão-espetáculo inaugurada na semana passada ninguém poderá se queixar de tédio. Afinal, o novo presidente dos EUA precisa entregar aos seus eleitores e admiradores as bizarrices que prometeu na campanha. É um mandato que se inicia proibidão para os que prezam pela liturgia do poder.
Deisy Ventura e Sônia Fleury traçaram um panorama abrangente e cuidadoso dos potenciais efeitos Trump na saúde global. Deisy Ventura analisa a “estrondosa ruptura” do presidente americano com a OMS como um ataque frontal ao multilateralismo, a desqualificação técnica da instituição como coordenadora do enfrentamento global às doenças e agravos, e o enfraquecimento dos mecanismos de regulação em saúde para favorecer a indústria de medicamentos e alimentos.1
As iniciativas administrativas se anteciparam aos ritos legislativos, ameaçando tanto os parceiros internacionais como os nacionais. Na primeira semana de gestão dos institutos de saúde, a suspensão de financiamentos de pesquisa e de colaboração técnica, a suspensão de cursos e de viagens de pesquisadores, deixaram perplexa a comunidade científica global e em transe os institutos de pesquisa americanos.
A disfuncional democracia americana recolocou no poder alguém com o potencial de agravar a decadente liderança norte-americana no mundo. Afinal, hoje, o mundo é mais complexo que há 8 anos atrás e os atores globais já vivenciaram um governo Trump, estando, portanto, mais preparados para um novo enfrentamento. Sônia Fleury nos dá uma ótima síntese do novo contexto: “o vazio deixado pela política de Trump em relação à OMS e à liderança no desenvolvimento científico e tecnológico em saúde abre espaço para que a China busque ocupar esse lugar; efeito não considerado no cálculo político trumpista.”2
Reforma de gabinete
Nas manchetes menores dos grandes jornais, o Brasil trata do ponto de virada que o Presidente Lula busca dar ao Governo. Já se nota uma atitude mais combativa na defesa das iniciativas do governo, a busca de uma marca social e o início de uma reforma de gabinete para aumentar a sua base de sustentação política e corrigir alguns entraves na gestão. Não é de hoje que o Presidente é adepto da comunicação política minimalista.
Na sua estratégia, devem constar até quatro temas que impliquem: melhoria da qualidade de vida da população mais pobre, grande cobertura para que as pessoas vivenciem essas transformações, inovação para facilitar a disputa pela paternidade das políticas com a gestões precedentes, e que sejam de fácil comunicação. Afinal, no sistema federativo brasileiro, a titularidade das políticas bem-sucedidas é também campo de disputa com os entes subnacionais. Além disso, a oposição ainda reina no território digital, o que torna a comunicação do governo uma tarefa nada simples.
A reforma de gabinete é apresentada pela imprensa em uma narrativa muito convergente. Em consonância com o que vinha sendo noticiado, o ministro da Secom foi exonerado. No pelotão de frente das possíveis trocas, permanecem os titulares da Secretaria Geral da Presidência, Secretaria de Relações Institucionais, Ministério da Defesa e Ministério das Mulheres. Também, o Ministério de Minas e Energia, Ministério do Turismo e Ministério da Agricultura passaram a ser mencionados como objeto de possíveis trocas. Mudanças nesses postos poderiam alterar a titularidade no Ministério da Indústria e Comércio e no Ministério da Pesca.
Em Brasília, contudo, a função oracular não é para os detentores de mediunidade escassa. Nem todos os desenganados sucumbem. Nem todos os favoritos se preservam nas graças dos deuses. Roda a roda da fortuna.
Marcas de governo
O governo Lula busca fixar sua marca buscando combinar um bom desempenho econômico com melhorias efetivas no bem-estar da população mais pobre. A aposta quanto à marca social está nos programas de educação e saúde.
O Ministério da Educação tem investido em programas de transferência de renda. O Programa Pé de Meia, lançado em novembro de 2023, que busca fornecer apoio financeiro na modalidade de poupança aos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, para a reduzir a evasão escolar e a melhoria do desempenho acadêmico dos matriculados no ensino médio público. A cobertura estimada é de 3,9 milhões beneficiários através de R$ 12,5 bilhões em investimento anual, concedendo R$ 9,2 mil para cada estudante3. Contudo, no presente, o TCU mantém bloqueados R$ 6 bilhões por discordâncias quanto a orçamentação do programa.
O Programa Mais Professores para o Brasil, lançado em janeiro de 2025, busca implementar ações integradas em resposta à necessidade de valorização e formação continuada dos docentes4. Ele tem como propósito fortalecer a presença docente em regiões mais distantes do centro do país, oferecendo bolsas de R$ 2.100 por mês a educadores com formação especializada que atuem em áreas com maior necessidade de profissionais, como física, matemática e biologia. Já o Pé de Meia Licenciatura prevê a concessão de bolsas mensais de R$ 1.050 a estudantes que ingressarem em cursos de licenciatura com desempenho destacado no ENEM. O Ministério da Educação prevê um total de R$ 1,7 bilhão para o conjunto de ações que visam valorizar e aperfeiçoar a formação de professores da educação básica entre 2025 e 20265.
Na saúde, a aposta é no Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE) que se propõe a: 1) Reduzir as filas de espera e garantir agilidade nos diagnósticos e tratamentos especializados no SUS; e 2) Revisar o modelo de financiamento e reorganizar a Atenção Especializada no SUS. Em 2024, o programa recebeu a adesão de todos os estados e investiu quase R$ 600 milhões na sua implementação e estruturação. Em 2025, o investimento será de R$ 2,4 bilhões, o que permitirá o aumento do atendimento nas seguintes especialidades: ortopedia, oncologia, oftalmologia, cardiologia e otorrinolaringologia. O PMAE implicará um aumento expressivo de procedimentos especializados no SUS.
Ainda que as pesquisas de opinião indiquem uma redução da aprovação do governo Lula, há tempo para recuperação de imagem e o governo dispõe de bons instrumentos para chegar a 2026 em boas condições de disputa. Além disso, o governo Trump, por comparação, pode trazer à memória do eleitorado brasileiro o estrago que governantes irresponsáveis são capazes de fazer.
1 Ventura, D. O sentido e o impacto da retirada dos Estados Unidos da OMS. Jornal da USP. 21/01/2025. Disponível em: https://jornal.usp.br/articulistas/deisy-ventura/o-sentido-e-o-impacto-da-retirada-dos-estados-unidos-da-oms/
2 Fleury, S. O que esperar de um ano que começou com tanta insegurança? – por Sonia Fleury | Parte I. Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz. 27/01/2025. Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=O-que-esperar-de-um-ano-que-comecou-com-tanta-inseguranca-Sonia-Fleury-Parte-I
3 BRASIL. Ministério da Educação. Programa Pé de Meia. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/pe-de-meia
4 BRASIL. Mais Professores para o Brasil. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/mais-professores
5 CNN. MEC separa R$ 1,7 bi para investir em valorização de professores, diz Camilo. CNN Brasil Money, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/mec-separa-r-17-bi-para-investir-em-valorizacao-de-professores-diz-camilo/