A comunicação no rumo certo: e a Saúde com isso?
Governo conseguiu enfim expor a disputa de interesses no debate sobre impostos. Passo seguinte é mostrar que a vida pode ser melhor, e para isso enfrentar os dogmas sobre os gastos públicos é crucial. Só assim será possível construir o SUS que o Brasil precisa
Publicado 15/07/2025 às 10:10 - Atualizado 15/07/2025 às 15:08

Nesses primeiros 15 dias de julho, a pauta que vem mobilizando as redes e as ruas é a virada da comunicação do governo Lula frente aos adversários do povo brasileiro. Seja no enfrentamento ao Congresso de Hugo Mota, David Alcolumbre et caterva na questão do IOF, ou encarando Donald Trump e dizendo um redondo não à chantagem política em forma de taxação pela anistia de Bolsonaro, o governo conseguiu – como há muito tempo não fazia – estabelecer uma comunicação direta com a sociedade, especialmente conosco, a classe trabalhadora.
Tem muita gente boa escrevendo, falando e refletindo sobre este momento, como nosso editor Antonio Martins e Marina Basso Lacerda, em um artigo mais do que necessário no Outras Palavras. Humildemente me junto ao grupo e pergunto: desse cenário, o que podemos pensar, refletir e fazer para a comunicação e saúde se somar a esse coro e ampliar sua presença e participação nesse debate?
Articular teoria e prática no calor dos fatos requer atenção redobrada. Não contribui com o debate nem tons alarmistas, nem ufanistas. Aprendemos na pandêmica quadra bolsonarista (assim espero) que são nesses dois registros onde residem as fake news e os discursos subservientes. São justamente os posicionamentos diretos, simples, de comunicação concreta e objetiva que têm conseguido expor à população a disputa de interesses que se desvela em cadeia nacional da rádio e TV e no “24 por 7” ininterrupto da internet, das mídias sociais aos grandes, médios e pequenos portais de notícia. Fica aqui uma primeira e conhecida lição comum a toda e qualquer pessoa que atua em comunicação e saúde: precisão na informação, clareza e criticidade são fundamentais para uma boa comunicação.
Comunicação é também linguagem, e o povo brasileiro é hábil no domínio delas, especialmente a linguagem da web. A produção exponencial de vídeos em plataformas de Inteligência Artificial para rápida distribuição nos aplicativos de mensagens instantâneas e mídias sociais não é uma novidade na disputa política. Chamou a atenção o largo uso da linguagem do jornalismo televisivo: teve paródia com o jornal de maior audiência, depoimentos típicos de programas de auditórios, políticos sem máscara se refastelando em mamatas como vilões de novela.
É um repertório que o brasileiro conhece e bem; e que já foi e ainda é utilizado em muitas ações de educomunicação e comunicação e saúde. No entanto, muitas vezes, a dureza no trato com a informação científica, o histórico tom prescritivo das campanhas de saúde e a falta de recursos para criações com apuro técnico e acabamento fino impedem que esses produtos consigam alcançar uma melhor capacidade de diálogo e comunicação.
Não dá para achar que todas as criações para comunicar medidas de prevenção e promoção da saúde e conhecimentos científicos, sociais e sanitários tenham de adotar essa linguagem, mas com certeza a IA já faz parte do cotidiano e devemos saber utilizá-la de forma que melhor favoreça as produções em diversidade, qualidade e ampliação de canais e de linguagens. Só não podemos esquecer, como conversado na coluna anterior, que estamos jogando no terreno das Big Techs. Logo, é necessário ocupar o novo aeon digital, aprender a hackeá-lo, mas nunca abandonar as formas artesanais e analógicas que não dependem de eletricidade, computador e de sinal de telefone e rádio.
O grande feito, porém, está para além do discurso, da linguagem e da tecnologia. O estrangulamento orçamentário do Executivo imposto pelas emendas impositivas do Legislativo, sem nos esquecer do alinhamento ao draconiano arcabouço fiscal, expôs um governo sem condições de cumprir minimamente com o programa pelo qual foi eleito. Partir para o enfrentamento tornou-se a única saída e isso exigiu mostrar a diferença de projetos e interesses em disputa. O “Nós contra eles”, “Hugo nem se importa” ou qualquer outra frase que conseguiu incomodar os poderosos e os barões da mídia não é uma questão meramente discursiva. Com uma linguagem direta e simples e recursos otimizados pela tecnologia, a luta de classes ganhou a pauta, com foco total nos efeitos danosos vividos diariamente pela classe trabalhadora para a garantia dos lucros da burguesia e do rentismo. O melhor: a população entendeu e entrou no debate.
Conseguir politizar a comunicação entre governo e a base social e eleitoral e pautar a luta de classes na arena da opinião pública é mostrar que a vida pode e deve ser diferente; que as regras econômicas e impostos não são dogmas divinos, mas sim escolhas políticas que podem ser feitas de outra maneira, atendendo os interesses da maioria do povo.
O timing da chantagem feita por Trump pelo aumento das taxas do comércio exterior ter sido tão próxima da queda de braço pelo IOF mostrou que tais escolhas são globais. Não só escancarou o jogo da extrema direita como exigiu posicionamentos críticos e contrários aos EUA por parte da mídia, fazendo comentaristas e editorialistas recuarem e, pasmem, defenderem o mesmo Lula que haviam atacado na semana anterior.
A luta de classes está em pauta aqui e agora. Numa conjuntura tão volátil e numa disputa tão nua e crua não é possível fazer grandes prognósticos ou adivinhações sobre as peças e mensagens que estão sendo produzidas pelo marketing político. Para continuar pautando o debate e ampliando o diálogo social são necessários, além da clareza, objetividade e concretude, respeito e verdade. Falar em justiça tributária é muito mais do que explicar a apropriação social de impostos e tributos com memes de gatinhos e cachorros caramelo. É mostrar que os embates econômicos sobre alocação do orçamento no Congresso, derrubados pelo rolo compressor do Centrão e da Direita e seus lobbies, não só poderiam como devem ser utilizados para melhorar as condições de vida da população, incidindo sobre os determinantes sociais, econômicos, comerciais e políticos da saúde e toda a compreensão da determinação social e do direito à saúde para a redução das iniquidades.
Uma comunicação que se quer e precisa ser dialógica, polifônica, universal e com maior capacidade de vocalizar e ser o megafone dos segmentos vulnerabilizados não pode perder esse momento histórico.
- Falar do mosquito, da dengue e da chikungunya num game de vigilância é, antes de tudo, articular com a falta de prioridade e investimentos em saneamento básico e seu rateio pelas mesmas empresas que exigem isenção fiscal e assim gerar mais lucro.
- Discutir os avanços da ciência num podcast é expor que poderíamos ir ainda mais longe como nação com maiores investimentos em Ciência e Tecnologia do que para o superavit primário, que só serve para garantir renda aos banqueiros.
- Divulgar o calendário de vacinação da unidade de saúde é explicar que o Zé Gotinha só vem visitar a comunidade porque existe o SUS e seus recursos, tão parcos, ainda são constantemente ameaçados pelas pessoas do andar de cima.
É hora de uma outra política econômica para o SUS. Para isso, cada produção audiovisual, matéria, game, evento e debate devem articular a determinação social da saúde na linha de frente e de maneira concreta e objetiva em seus discursos, linguagens e argumentos, evidenciando, assim, a luta de classes também nas pautas da comunicação e saúde.
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