Por que a esquerda perde eleições?
Derrota na Bolívia escancara crise profunda. Progressistas não chegaram às reformas estruturais e, melancólicos, ancoram-se em conquistas do passado. Desencanto foi capturado pela ultradireita. Reacender esperanças exige ousadia…
Publicado 18/08/2025 às 17:22 - Atualizado 18/08/2025 às 17:38

Por Álvaro García Linera, no Estrategia | Tradução: Rôney Rodrigues
As esquerdas e os progressismos no governo não perdem eleições por causa dos trolls das redes sociais. Também não porque as direitas sejam mais violentas, e muito menos porque o povo que foi beneficiado por políticas sociais seja ingrato. As batalhas políticas nas redes não criam do nada ambientes político-culturais expansivos nas classes populares majoritárias. Elas radicalizam e conduzem por caminhos histéricos. Mas sua influência requer, previamente, a existência social de um mal-estar generalizado, de uma disposição coletiva ao desapego e rejeição de posições progressistas.
Da mesma forma, as extremas direitas, autoritárias, fascistoides e racistas sempre existiram. Vegetam em espaços marginais de militância enfurecida e enclausurada. Mas sua pregação se expande devido à deterioração das condições de vida da população trabalhadora, à frustração coletiva deixada por progressismos tímidos ou à perda de status de setores médios.
E quanto aos que argumentam que a derrota se deve ao “desagradecimento” daqueles setores anteriormente beneficiados, esquecem que os direitos sociais nunca foram uma obra de caridade governamental. Foram conquistas sociais ganhas nas ruas e no voto. Por tudo isso, sem desculpas, um governo progressista ou de esquerda perde eleições por seus erros políticos.
E esses erros podem ser múltiplos. Mas há uma falha que unifica os demais: o erro na gestão econômica ao tomar decisões que atingem o bolso da grande maioria de seus apoiadores.
No Brasil, o golpe de Estado parlamentar de 2016 contra Dilma Rousseff, impulsionado pelas frações mais antidemocráticas do espectro brasileiro, se apoiou no mal-estar econômico que já se arrastava há vários anos e que teve, no ajuste fiscal de 2015, uma nova volta do parafuso na contração da renda popular.
Na Argentina, o peronismo perdeu as eleições de 2023 devido ao aumento da inflação durante a gestão de Alberto Fernández. Embora a tendência inflacionária seja uma constante na economia argentina há décadas, há uma fronteira histórica que, uma vez ultrapassada, leva a uma liquefação das lealdades políticas populares, lançando-as a se agarrarem a qualquer proposta, por mais aterradora que seja, que resolva essa asfixiante volatilidade do dinheiro. A anomalia política Milei é a forma distorcida de canalizar a frustração para o ódio e a punição.
Na Bolívia, o instrumento político dos sindicatos e organizações comunitárias camponesas (MAS) está prestes a perder as eleições devido à desastrosa gestão econômica de Luis Arce. [Nas eleições deste domingo, o senador de direita, Rodrigo Paz, obteve 32,18% dos votos, enquanto o ex-presidente conservador Jorge “Tuto” Quiroga, da coalizão Alianza, ficou em segundo lugar, com 26,94% dos votos. Os dois, portanto, irão para o segundo turno] Com uma inflação de alimentos básicos que beira os 100%, a falta de combustível que obriga a formar filas por dias para obtê-lo e um dólar real que dobrou de preço em relação à moeda boliviana, não é de estranhar que o processo de transformação democrática mais profundo do continente perca dois terços de sua votação popular para mãos de velhos vendilhões da pátria, que prometem expulsar os indígenas do poder a chutes, presentear empresas públicas a estrangeiros e entronizar, com a Bíblia na mão, as oligarquias cipaias da terra na direção do Estado. Se a tudo isso somarmos o ressentimento das classes médias tradicionais, deslocadas de seus privilégios pela ascensão social e empoderamento político das maiorias indígenas, fica clara a arenga abertamente revanchista e racializada que envolve os discursos das direitas bolivianas.
Em todos os casos, há também outros componentes políticos que reforçam esses erros centrais que levam à derrota. No caso do Brasil, as denúncias de corrupção, depois politicamente manipuladas. Na Argentina, o cansaço com o longo confinamento devido ao coronavírus, que destruiu parte do tecido econômico popular, etc.
Na Bolívia, a guerra política interna. De um lado, um medíocre economista que está por acaso como presidente e que acreditou poder deslocar o líder carismático indígena (Evo) proscrevendo-o eleitoralmente. Do outro, o líder que, em seu declínio, já não pode ganhar eleições, mas sem cujo apoio também não se vence, e que se vinga ajudando a destruir a economia sem compreender que nessa hecatombe também está demolindo sua própria obra. O resultado final desse miserável fratricídio é a derrota temporária de um projeto histórico e, como sempre, o sofrimento dos humildes, que nunca foram levados em conta pelos dois irmãos embriagados em estratégias pessoais.
Em suma, derrotas políticas levam a derrotas eleitorais.
Agora, a pergunta que se faz é como governos progressistas e de esquerda puderam falhar economicamente quando, em seus inícios, essa foi a força de legitimidade que lhes permitiu vencer eleições repetidamente. No caso da Bolívia, com 55%, 64%, 61% e 47% em primeiros turnos. Certamente, o progressismo latino-americano do século XXI emergiu do fracasso das gestões neoliberais vigentes desde os anos 80.
A maioria implementou políticas redistributivas de riqueza e ampliação de direitos. Os resultados foram imediatos. Mais de 70 milhões de latino-americanos saíram da pobreza em uma década, as instituições reservadas a aristocracias rançosas se democratizaram e, no caso da Bolívia, houve uma recomposição das classes sociais no Estado ao transformar os indígenas-camponeses em classes com poder estatal direto. Aí residiu a grande força e legitimidade histórica do progressismo. Mas também o início de seus limites, pois, uma vez concluída essa obra redistributiva inicial, ela começou a se mostrar insuficiente para garantir a continuidade ao longo do tempo dos direitos conquistados.
Trata-se de um limite por cumprimento de metas que obrigava a compreender que os países haviam mudado precisamente pela ação do progressismo e que, portanto, era preciso propor a essa nova sociedade reformas econômicas de segunda geração, capazes de consolidar o alcançado e dar novos saltos rumo à igualdade.
E o fato é que o progressismo e as esquerdas estão condenados a avançar se quiserem permanecer. Ficar parado é perder. A nova geração de reformas passa necessariamente por construir uma base produtiva expansiva, de pequena, média e grande escala, tanto na indústria quanto na agricultura e nos serviços; tanto no setor privado, camponês e popular quanto no estatal; tanto no mercado interno quanto na exportação, garantindo um amplo suporte laborioso e duradouro à redistribuição da riqueza.
Mas, até hoje, os progressismos nos governos, especialmente os que já estão em segundo ou terceiro mandato, ou os que querem voltar a governar, permanecem ancorados nas conquistas passadas, em sua defesa melancólica e, ao contrário de quando começaram seu primeiro governo, por agora carecem de uma nova proposta de transformação capaz de reacender as esperanças coletivas em torno de um mundo a conquistar. Que as direitas tenham se apropriado do paradigma do ímpeto pela mudança não é uma casualidade. É um resultado do conservadorismo do atual progressismo. E de suas derrotas eleitorais também.
No entanto, o espírito do tempo histórico ainda não se decantou. Nem o continente nem o mundo, que caminham aos tropeções entre neoliberalismos recarregados, protecionismos soberanistas ou capitalismos de Estado produtivistas, definiram ainda a nova fase longa de acumulação econômica e legitimação política.
Por mais algum tempo, seguimos no portal liminar onde derrotas e vitórias são breves. Mas isso não durará para sempre. Se o progressismo quer continuar sendo protagonista dessa disputa pelo destino, é obrigado a lançar-se sobre um futuro reinventado com audácia, com mais igualdade e democracia econômica.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para [email protected] e fortaleça o jornalismo crítico.