O Peru profundo dá passo peculiar à esquerda

Em novo sinal de declínio da política tradicional, candidato desprezado em Lima desperta rincões andinos, vence primeiro turno e elege 28% do Congresso. Quer o fim da pobreza, políticas públicas e Constituinte. Mas não enfrenta o patriarcalismo

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Por Arturo Alejandro Muñoz, no Other News |Tradução: Simone Paz

A tomada e Lima. Este foi o nome dado no Peru à inesperada e esmagadora vitória eleitoral do professor Pedro Castillo no primeiro turno das eleições presidenciais no país inca, no último domingo (11/4). Uma grande surpresa, já que nas pesquisas anteriores às eleições, Castillo não aparecia nem sequer ameaçando os colocados em segundo e terceiro lugar pelas enquetes; inclusive, na própria cidade de Lima, o professor só surgia ao final da lista, quase um desconhecido.

Porém, sua força estava nos campos, na ruralidade peruana, nos vales, cânions e povoados andinos, nas matas amazônicas, enfim, em lugares onde os habitantes — e obviamente, eleitores — haviam sido não só esquecidos pelo establishment de Lima, mas além disso, desprezados política e socialmente. [Ao final da contagem, o Partido Peru Livre, representado por Castillo, teve 19,13% dos votos para a presidência — quase 50% mais que a segunda colocada, com quem disputará o segundo turno. E, partindo de zero, elegeu uma bancada de 37 deputados, pouco menos de 1/3 do Congresso peruano}.

A grande surpresa mostra a significativa mudança que as sociedades de algumas nações latino-americanas vêm experimentando nas últimas duas décadas, visto que o sistema vigente, o neoliberalismo, que projetou imagem de sucesso em seus primórdios, hoje apresenta fissuras relevantes que ferem profundamente as realidades e esperanças de milhões de seres — que assistem, desamparados e impotentes, as suas condições econômicas perdendo força e desmoronando em silêncio, sem nenhum barulho na mídia e sem que as autoridades políticas locais se importem em resolver tais situações.

Consideremos, também, que o professor e dirigente sindical Pedro Castillo, 51 anos, natural de sua amada Cajamarca, filiou-se ao partido de extrema esquerda “Peru Livre”, isto é, ao setor rejeitado politicamente pela “esquerda progressista”, aquela que ironicamente eles chamam de “esquerda oficial”, e que em outros países é considerada uma centro-direita sob os disfarces do progressismo social-democrata.

A proposta eleitoral do Peru Libre, baseia-se numa tríade: saúde, educação e agricultura. São estes os setores prioritários onde é preciso fazer mudanças para promover o desenvolvimento do país, e é isso que Castillo garantiu ao longo de sua campanha. O seu programa também propõe a convocação de uma Assembleia Constituinte para redigir — em não mais de um semestre — uma nova Constituição Política, em substituição à atual. Vigente desde 1993, a Carta Magna peruana privilegia, protege e defende um modelo econômico de mercado livre. É um legado do governo de direita de Alberto Fujimori (1990-2000).

Pedro Castillo, professor e sindicalista, tornou-se conhecido nacionalmente ao liderar uma grande greve dos educadores, em 2017. Mas seu voto veio dos rincões

Castillo também promete expulsar estrangeiros responsáveis pela delinquência, em uma alusão direta aos imigrantes venezuelanos que chegam ao país desde 2017, em quantidades que ultrapassam um milhão de pessoas. “Vamos dar 72 horas para os estrangeiros ilegais saírem do país, os que vieram para cometer crimes”, disse o candidato em mais de uma ocasião durante sua campanha.

A publicação “Semana“, afirma que Pedro Castillo, em entrevista a um meio de comunicação de Lima, insistiu que existe um monopólio escancarado no transporte aéreo, já que apenas uma companhia aérea detém o controle do mercado; essa companhia é a LATAM.

Seu plano de governo apresenta uma série de reformas profundas. A respeito delas, Castillo disse: “principalmente, uma reforma econômica na qual o Estado passaria a ter um papel de empresário para poder concorrer com o setor privado”. Acrescentou: “atualmente vivemos em um sistema capitalista aparentemente renovado, em um neoliberalismo econômico, chamado de Economia Social de Mercado, imposto desde 1993, e desde então, ele vai na contramão dos interesses da grande maioria do país. Para mudar essa triste realidade, é preciso propor ajustes no campo econômico — a maioria deles, de forma drástica”. A proposta inclui também a nacionalização de empresas de diversos setores da economia, como da mineração, petróleo, energia hidrelétrica, gás e comunicações.

Num discurso aos seus seguidores na praça principal de Tacabamba, após ficar sabendo dos resultados da eleição onde ganhou em primeiro turno, ele garantiu que “a mudança e a luta estão só começando” no Peru; e reafirmou seu compromisso de estabelecer uma aliança com “o próprio e verdadeiro povo peruano” para preservar suas raízes. “Hoje o povo peruano acaba de tirar a venda dos olhos. Eles tiveram bastante tempo, décadas, mas o que fizeram com o país? Você chega na metrópole de Lima, nas grandes cidades, e encontra lugares com opulência, mas que não olham nem um pouco além do seu nariz”, disse o candidato. É o “Peru profundo” que continua lutando para assumir as rédeas do país desde a Casa de Governo, também chamada de Casa de Pizarro.

O segundo turno vai ser bem disputado. Keiko Fujimori [que obtve 13% dos votos na primeira volta] já vem tentando ganhar vantagem e ofereceu ao quarto candidato, Hernando De Soto [11,6% dos votos] “trabalharem juntos” para enfrentar a “esquerda radical, independentemente das suas diferenças, pois também existem grandes coincidências”.

É bom lembrar que, nesta eleição, Keiko Fujimori se apresentou brandindo uma proposta autoritária de direita, reivindicando a presidência de seu pai, ainda preso por violações aos direitos humanos, a quem irá inocentar se chegar ao Palácio do Governo, como ela mesma declarou; e apostando numa administração rígida e severa para resolver os problemas dos peruanos. No entanto, ela é acusada de crime de lavagem de dinheiro vinculado ao financiamento ilegal de campanhas de seu partido, em 2011 e 2016, pela empresa brasileira Odebrecht e outras.

Enquanto Fujimori já utiliza a clássica ameaça de que uma esquerda radical poderia transformar o Peru “em uma nova Venezuela ou Cuba”, Pedro Castillo terá que aumentar esforços e aprofundar acordos (por mais que não goste deles) com a mesma “esquerda social-democrata oficial” que ele rejeita; caso contrário, a vitória obtida no primeiro turno eleitoral poderia se tornar uma vitória de Pirro… ou seja: vencer a batalha, mas perdendo todos os navios.

Desde países como o Chile, a evolução do processo eleitoral peruano é acompanhada com muita atenção e preocupação, devido aos inúmeros interesses econômicos que vários grupos empresariais chilenos possuem no país vizinho. Não é só a Latam, há importantes consórcios comerciais, agrícolas, pesqueiros e mineiros.

Fundamentalmente, o professor e dirigente sindical José Pedro Castillo Terrones, líder indiscutível do partido Peru Libre, em união com amplos setores rurais, “tomou Lima”, mas a batalha para assumir o governo da nação inca ainda não acabou. O segundo e decisivo turno eleitoral, a votação, está para acontecer no domingo 6 de junho. E a sorte está lançada.

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