Flipei, a festa literária pirata, reage à rasteira

Em SP, a Prefeitura de Ricardo Nunes tenta sabotar uma das mais importantes festas literárias independentes do país. Em vão: evento realizará, em espaços de resistência, sua maior edição – que aposta em alianças com vozes do Sul Global

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A Prefeitura de São Paulo rompeu, na última sexta-feira (1º/8), o contrato de cessão para o uso da Praça das Artes para a realização da 7ª edição da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), entre os dias 6 e 10 de agosto. A decisão, tomada cinco dias antes do início do evento, derrubou a divulgação nas redes sociais, assim como a programação no site oficial, publicados dias antes do ofício.

A Fundação Theatro Municipal (FTM) – responsável pelo espaço – alega que o evento “possui conteúdo e finalidade de cunho político-ideológico”. Em comunicado, os organizadores da Festa Literária denunciam o ato como algo calculado para prejudicar e impedir a tomada de providências em tempo hábil. Garante, no entanto, que o evento vai acontecer, independentemente da decisão da prefeitura. Ocorrerá em espaços de resistência da cidade: no Armazém do Campo, no Instituto Luiz Gama e no bar Sol y Sombra da rua Treze de Maio.

Recheada de convidados e debates de temas urgentes, a edição 2025 será a maior já realizada e contará com a participação de 220 editoras, realizará mais de 40 debates nacionais e internacionais, shows, bailes, atividades para crianças e lançamentos de livros. Este ano, o evento amplia sua aposta na internacionalização e nas alianças com vozes do Sul Global, com nomes de peso como Silvia Cusicanqui, Louisa Yousfi, Cynthia McLeod, Judith Sánchez Ruíz e Ilan Pappé.

Ideologia? A censura arbitrária e o “lobby sionista”

Segundo ainda a organização, o ofício da FTM, enviado às vésperas do evento, deixa claro o incômodo com os temas abordados pela festa. Em uma das mesas mais esperadas, a Flipei destaca a discussão urgente sobre a questão palestina e o genocídio em Gaza, com a presença do historiador judeu Ilan Pappé, um dos mais renomados intelectuais do mundo sobre o tema e que vem sendo perseguido desde que chegou ao Brasil. Junto com ele, a presença do militante Thiago Avilla, que estava na flotilha humanitária interceptada por Israel.

Ainda, segundo o diretor-geral da fundação, a Festa vai contra os “princípios de neutralidade e impessoalidade que regem a administração pública”. Porém, vale destacar que o mesmo órgão lutou juridicamente para usar o Theatro Municipal como palco de homenagem a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, em 2024 – pleno ano eleitoral no país. A Justiça de SP alegava, à época, que o então prefeito reeleito buscava “colar sua imagem à da família Bolsonaro às vésperas de uma campanha eleitoral pela Prefeitura”.

O vereador, Nabil Bonduki, um dos apoiadores e participantes do festival, destacou que justificativa da prefeitura é inadmissível, pois um evento cultural não existe sem debates políticos.

Não haverá naufrágio!

A decisão arbitrária da FTM, sob o guarda-chuva da Secretaria de Cultura, ameaça não só a realização do evento, mas toda uma economia criativa que envolve centenas de profissionais e o acesso a milhares de pessoas de programação cultural e gratuita de alto nível.

A Flipei nasceu, em 2018, como ato de resistência cultural e se consolidou como um dos maiores encontros culturais e literários independentes do país: movimenta editoras, constrói pontes entre autores, movimentos sociais e trabalhadores da cultura. Por isso, a escolha da Praça das Artes havia sido simbólica: um espaço público, no coração de São Paulo, selecionado para devolver à sociedade recursos públicos destinados a programas culturais, com uma programação aberta, democrática e 100% gratuita.

Além dos convidados já citados, a Flipei conta também com as participações de Rincon Sapiência, Leci Brandão, Jamil Chade, Laura Sabino, Jones Manoel, Ediane Maria, Milly Lacombe, Thiago Ávilla, entre outras personalidades do campo progressista.

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