Elitismo intelectual precisa parar de “matar a esquerda”
Safatle nos propõe assistir às dificuldades do campo da esquerda de braços cruzados, como se fôssemos espectadores da desgraça ou profetas do fim do mundo. É necessário sair dos bancos FFLCH, descer dos saltos e vir às periferias construir junto
Publicado 14/10/2024 às 17:48 - Atualizado 15/10/2024 às 06:52
Em entrevista para Uol, o filósofo da USP, Vladmir Safatle afirmou novamente que a “esquerda morreu”. De maneira reiterada, Safatle tem feito esta afirmação, pautado por preocupações legitimas quanto ao posicionamento ideológico recuado dos partidos de esquerda, seja no processo eleitoral, seja na atuação do governo Lula. Há de se concordar, que sim, o recuo tático dos partidos de esquerda e sua postura reativa frente ao avanço da extrema-direita, é sim uma preocupação. Contudo, algumas afirmações de Safatle são bastante preocupantes, tanto por seu conteúdo, quanto pelo momento em que estão sendo feitas.
O resultado do 1º turno das eleições de 2024, mostrou que a centro-direita e a extrema direita, tiveram avanços significativos, seja na quantidade de prefeitos e vereadores eleitos, seja nas vitórias ocorridas nas grandes cidades (acima de 200 mil habitantes). Isso reflete, que a tática dos partidos de esquerda em adotar, discursos ideologicamente recuados, foi fracassada. Essa ideia apregoada pelas grandes empresas de marketing eleitoral, de que a esquerda precisaria moderar o seu discurso para não ser vista como “radical”, para supostamente conquistar o eleitor médio, foi o grande derrotado nestas eleições! Os partidos de esquerda escutaram o conto da carochinha de marketeiros ultrapassados, que tiveram a única intenção de abocanhar o fundo eleitoral e não em fazer enfretamento político. Esta tática acéfala e cunhada em dados estatísticos vazios e sem análise crítica da realidade, custou caríssimo aos partidos de esquerda, seja pelos volumes vultuosos de recursos do fundo eleitoral despejado com marketing eleitoral, seja pelas derrotas colhidas na eleição.
Entretanto, insistir na afirmação que isso representa a morte da esquerda, é um erro crasso! Este derrotismo de Safatle, nos leva ao mais puro imobilismo, nos leva a assistir as dificuldades do campo da esquerda, de braços cruzados, como se fossemos expectadores da desgraça ou profetas do fim do mundo. É necessário sair dos bancos mofados da FFLCH-USP, sair desta postura derrotista e elitista, e reconhecer que sim há dificuldades, mas nunca, jamais, haverá vitória, sem luta! É necessário apoiar os “renascimentos” dos ideais de esquerda e não apontar insistentemente sua morte, e muito menos “chutar cachorro morto”.
“Ah, mas naquele tempo de fundação do PT, a esquerda funcionava com uma tríade juntando a academia, os sindicatos e igrejas progressistas e isso precisa ser renovado”
Estamos em 2024, com outros fatores conjunturais e estruturais, no meio de uma eleição municipal disputadíssima, e este “Sebastianismo de Esquerda”, definitivamente não contribui em nada.
Safatle afirma, que a esquerda está envelhecida… Em São Paulo, Boulos é candidato do PSOL, apoiado pelo PT, e tem 42 anos. A vereadora mais votada do PT, Luna Zarattini, tem 30 anos, outro novo vereador do partido, Dheison Silva tem 36 anos, um jovem de periferia. No PSOL, Luana Alves da luta da educação popular, Amanda Paschoal da pauta LGBTQIAPN+, Keit Lima da pauta das periferias e da participação popular, todos, abaixo de 35 anos.
Ao menos, na cidade de Vladmir, São Paulo, esta afirmação de que a esquerda estaria envelhecida, é absolutamente falsa! Objetivamente, citamos jovens vereadores eleitos, e com discurso atuais e avançados, ligados a pauta das mulheres, das periferias, da participação popular na política. Por que Vladmir Safatle “assassina” a esquerda, mesmo enxergando estas novidades em São Paulo?
Além disso, Vladmir afirma que a esquerda não tem proposta para as periferias e ignora o fato de que movimentos populares, fóruns e redes dos 5 cantos da Capital paulista, se reuniram para realizarem o “Encontro das Periferias” no dia 25 de agosto de 2024, movimento autônomo, que reivindica voz política e direitos. Lutar por voz política não é lutar por Soberania Popular? Reconhecer as feridas da escravidão, o efeito nefasto do capitalismo na formação proposital das periferias urbana, e lutar por mobilidade urbana e empregabilidade nas periferias, não é uma luta pela igualdade?
O movimento entregou em suas mãos, em Itaquera, o Manifesto das Periferias. Por que este documento foi ignorado em sua análise? Dia, inclusive que, membros do Movimento o interpelaram sobre sua ideia de “Morte das esquerdas”. O documento sintetizou 98 propostas para as periferias, assinada por diversas candidaturas a vereador e pelo próprio candidato a prefeito, Guilherme Boulos. Por que novamente, Safatle insiste em “assassinar” a esquerda, mesmo com este evidente surgimento de um movimento popular autônomo?
Afirmar, que a esquerda não tem proposta para periferia e que está envelhecida, é absolutamente falso. É possível afirmar sim, que os Movimentos Populares poderiam ter sido mais ouvidos pelas campanhas eleitorais, que mais candidaturas avançadas poderiam ter tido mais espaço. É possível sim, afirmar que membros da Elite Intelectual, como ele próprio, ignoram a existência de novos Movimentos Populares nas periferias. Mas dizer que a esquerda está morta, sinceramente, é um equívoco!
Me parece, que sim, há uma esquerda morrendo, a esquerda burocrata, a esquerda dos gabinetes, a esquerda dos simpósios e congressos mofados da USP, a esquerda que ainda cai em contos da carochinha de marqueteiros.
A elite intelectual deste país, especialmente de esquerda, precisa perceber o nascimento de novos movimentos populares, novas ideias em disputa, novas propostas de organização partidária. É possível sair do banco confortável do niilismo, mas definitivamente não será fazendo ilações no meio de uma disputa eleitoral acirrada. Não há projeto legitimamente de esquerda que não seja construído com o povo e com as periferias… Cadê os intelectuais, membros das direções partidárias construindo novos projetos nacionais junto com as periferias? É necessário descer do salto e vir aqui pra base e construir junto! Há momentos adequados para autocrítica, hoje, dia 14 de outubro, não é o momento, agora temos que ir para cima de Ricardo Nunes, ir pras ruas e disputar uma eleição dificílima, em que esquerda precisa de apoio e não de gente do nosso campo atirando pedras!
Gostei muito do instigante artigo, incluindo outras matérias da mídia alternativa ” Outras Palavras”, até porque sempre sinto falta dos “aúncios” na análise do Safatle sobre a atuação da esquerda, quando ele se concentra exclusivamente nas ” denúncias” ( algumas bastante pertinentes). Sensação também de desconforto pessoal, especialmente quando ele se refere ao distanciamento das bases, quando eu pego chuva, enfrento frio e agressões verbais nas atividades de rua, tentando conversar com tantas pessoas durante atividades de panfletagem. Nessa outra dimensão de trabalho de base, lembro que há mais de 6 meses participo de Rodas de Conversa com mulheres do Cantagalo, na condição de escutadeira e contadora de histórias. Um verdadeiro “laboratório” de formação política, experimentando metodologia de pesquisa – registros descritivos/reflexivos de cada encontro da Roda de Conversa em forma de Diário e uso de ferramentas nas relações dialógicas, como a Literatura e outras linguagens do campo da Arte. É com essa ” musculatura” freireana que vou me relacionando com tantos outros ” atores”, na perspectiva de buscar caminhos na nossa atuação política de esquerda. Só para ilustrar a potência dessa rede de relações e de conhecimentos, em diferentes tempos e espaços, adoraria conhecer o resultado do 1o Encontro das Periferias em SP ( agosto/24). Evento desconsiderado pelo Safatle, incluindo a minha experiência e a de tantos outros militantes, fragilizando a sua crítica à esquerda, como bem analisa Mateus Murada nesse texto. Valeu!
Quero hipotecar minha solidariedade à fala do poeta Mateus.
Tenho enorme respeito por Safatle. Foi pessoa fundamental para a resistência ao governo fascista anterior.
Mas precisamos dar vez e voz ao novo. A articulação das periferias é o novo. Eu esperanço nas periferias. Com certeza seu sotaque não será o sotaque cosmopolita da USP.
Será a gramática dura e acre do sofrimento. Será um tapa na cara de nós todos, militantes que pertencemos a uma outra lógica. Quando morríamos pelo que dizíamos. Pelo que acreditávamos. Entregamos a eles o que pudemos: um país fraturado, desigual, uma belingia. Elite belga e povo indiano. Mas que não aceitava mais morrer pelo que dizia e pelo que lutava. Foi o que deu pra fazer.
De lá para cá apanhamos, recuamos, mas consolidamos a democracia liberal. Agora precisamos conquistar a democracia popular. E a periferia vai conquistar ela.
Assino em baixo desse texto “Elitismo intelectual” do Mateus Murada.
Esse professor Safati quer “matar” o que ele não conhece, porque não deve amassar barro.
Parece que quer é chamar a atenção para o seu narizinho em pé. E assim o Sr Safati alimenta a pauta da direita.
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