Selic nas alturas e um silêncio incômodo
Ano termina com Selic em 15% – recorde nos últimos vinte anos. Lula criticou Banco Central mas calou-se após indicar Galípolo, que segue à risca a cartilha neoliberal. Uma vitória em 2026 é possível, mas sem mudar a rota da política econômica pode ser frustrante….
Publicado 16/12/2025 às 18:02

Durante os dias 9 e 10 de dezembro foi realizada a última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) de 2025. Por volta das 18 horas da quarta-feira, o Banco Central (BC) divulgou um comunicado em que foi dado conhecimento público à principal decisão do 275º encontro do colegiado. Assim, ficamos sabendo que os nove diretores do BC, reunidos sob o manto do Copom, decidiram por unanimidade manter a taxa referencial de juros no patamar de 15%.
A deliberação já era mais ou menos esperada, uma vez que em praticamente todas as reuniões anteriores do Comitê houve uma concordância quanto às sugestões apresentadas pela fina-flor do financismo de nosso país. Como se sabe, a cada segunda-feira o BC divulga os resultados da pesquisa Focus, que a instituição realiza junto a um pouco mais de uma centena de altos dirigentes do sistema financeiro. Por meio de um questionário virtual, os representantes dos interesses do capital no mundo das finanças apresentam suas projeções para itens como crescimento do PIB, taxa de inflação e resultado no Balanço de Pagamentos — de acordo com os resultados obtidos por meio da aplicação de modelos econométricos desenvolvidos por suas equipes. Mas uma das perguntas se relaciona especificamente ao patamar da Selic. E essa questão se responde com um chute (ou uma forma de pressão) a respeito de qual deveria ser a opinião dos membros do Copom sobre essa variável fundamental para o cenário macroeconômico e que eles mesmos definem.
Esta foi a quinta reunião consecutiva na qual o colegiado decidiu por manter a taxa em 15%. Para eles, pouco importa se a grande maioria da sociedade brasileira esteja contrária a tal fato. Pouco importam os graves efeitos recessivos da medida, por sua consequência direta sobre a redução das atividades econômicas de forma geral. Pouco importa o peso que tal nível de taxa oficial de juros significa sobre o volume de juros que o governo federal tem que retirar do Orçamento da União a título de despesas financeiras. A única coisa que parece pesar na decisão dos membros do Copom é a tentativa permanente de não contrariar os desejos e as expectativas daqueles que são efetivamente os patrões do sistema financeiro.
Copom, Selic e a tragédia brasileira
Ora, que esta fosse a orientação dos indivíduos indicados por Paulo Guedes e Jair Bolsonaro não seria de todo uma grande surpresa. Afinal, eles haviam sido indicados por um governo de extrema-direita e assumidamente comprometido com a então agenda neoliberal. Assim, graças a uma mudança na legislação do BC encomendada justamente pelo todo-poderoso ministro da Economia junto a seu chefe, foi introduzida no desenho institucional do órgão responsável pela regulação do sistema financeiro a quase-independência do banco. Com isso, os dirigentes receberam um mandato fixo e Lula não pôde contar com um Copom de sua confiança a partir de 1º de janeiro de 2023.
Assim, justamente pelo fato de que a política monetária não é uma orientação de natureza meramente “técnica” — como desejam nos fazer crer o financismo e seus escribas na grande imprensa — o colegiado de composição bolsonarista optou por uma estratégia de confronto e busca de inviabilização do governo que havia derrotado seu patrão nas urnas. O presidente do BC era Roberto Campos Neto (RCN), que iniciou 2023 com a Selic a 13,75% e terminou seu mandato em dezembro de 2024 com a taxa a 12,25%. O presidente Lula manteve uma campanha pública de críticas a tal comportamento do principal responsável pela política de juros elevadíssimos, fazendo eco junto a amplos setores de economistas e analistas do campo progressista, que sempre havíamos criticado o arrocho monetário.
Selic a 15%: recorde em 20 anos
Ao longo do primeiro biênio de seu terceiro mandato, Lula critico — dia sim e outro também — a conduta de RCN à frente do BC e do Copom. A expectativa toda que se criou foi a possibilidade da mudança em janeiro de 2025, quando finalmente ele teria a possibilidade de nomear a maioria dos dirigentes e o presidente do órgão. A indicação recaiu sobre Gabriel Galípolo, ex-secretário-executivo de Haddad no Ministério da Fazenda, que havia sido empossado logo no início por Lula, que o nomeou para o estratégico posto de Diretor de Política Monetária do BC. No entanto, desde que passou a substituir RCN no comando da autoridade monetária, o que se viu foi uma enorme frustração. Ao contrário de uma redução da Selic, o que se verificou foi uma lenta e persistente elevação no patamar da taxa. Ela saiu de 12,25% e foi subindo a cada novo encontro do Copom, até atingir 15% em junho de 2025. E daquele patamar nunca mais saiu.
A observação do gráfico acima nos permite concluir que o patamar atual da Selic é o mais alto desde o início do segundo mandato de Lula em 2007. Em nenhum momento desde então o Copom havia decidido por manter a taxa referencial de juros em níveis tão elevados. Apenas depois do estelionato eleitoral praticado por Dilma Rousseff em 2015, quando chamou Joaquim Levy para iniciar o austericídio que nunca mais terminou, houve um período com a Selic em níveis próximos aos atuais 15%. Mas, mesmo assim, a taxa estava abaixo, em 14,25%.

Com essa obstinação do Copom em manter a taxa tão elevada, o Brasil manteve sua posição de vice-campeão mundial na taxa real de juros. Ficamos somente atrás da Turquia nesta triste disputa, uma vez que a taxa de inflação em torno de 5% faz com que a rentabilidade real mínima das aplicações financeiras por aqui seja de 10% ao ano. Uma loucura! Variável que torna muito pouco atrativa qualquer iniciativa de investimento novo ou ampliação da capacidade produtiva no setor real da economia. Reafirma-se a condição de paraíso do parasitismo especulativo.
A postura adotada por Galípolo e todos os demais integrantes da diretoria do BC coloca a nu as relações de Lula com o mundo das finanças. O presidente da República nunca mais adotou qualquer declaração crítica em relação àqueles que ele mesmo havia indicado para os cargos no órgão. A taxa Selic aumentou expressivamente nesta segunda metade de seu terceiro mandato graças à ação irresponsável de pessoas que, em tese, seriam de sua confiança. Está registrado nos arquivos de todos os meios de comunicação a emissão que Lula realizou em horário de cadeia nacional no final de 2024. Ele convocou seus principais ministros para assistirem a ele proferir palavras de elogio àquele que havia indicado para presidir o BC. Ali estavam o chefe da Casa Civil, o ministro da Fazenda e a ministra do Planejamento. E assim falou Lula:
“Hoje nós estamos oferecendo um presente, uma novidade para o Brasil. Este jovem chamado Galípolo está assumindo a presidência do BC. E eu queria dizer ao Galípolo que nós estamos convictos, mais do que nunca, que a estabilidade econômica e o combate à inflação são a prioridade do governo. (…) Eu queria dizer ao Galípolo que você está aqui por uma relação de confiança minha e de toda a equipe do governo.” (…) Você será, certamente, o mais importante presidente do Banco Central que esse país já teve, porque você vai ser o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve” [GN]
Mudança de rota na política econômica: urgência nacional
Lula deve estar profundamente arrependido. Tanto por ter acreditado na sugestão apresentada a ele por Haddad quanto pelo desgaste provocado por declarar alto e em bom tom todo o seu apoio a quem está mantendo a Selic nas estratosferas. Galípolo optou pela estratégia que até mesmo as pedras de mármore do Palácio do Planalto sabiam e advertiam de forma aberta. Ele estava, desde o início, pavimentando sua trajetória para dar sequência à sua carreira como dirigente no interior do sistema financeiro para quando terminasse seu mandato à frente do BC. Exatamente como fez seu antecessor, tão criticado por Lula à época. Afinal, RCN saiu do BC diretamente para um alto cargo na direção do Nubank, a instituição financeira de maior valor patrimonial do mercado brasileiro.
Não é mais possível que sigamos com esse processo de “naturalização” do austericídio e de apoio incondicional ao projeto do financismo para nosso país. A possibilidade de vitória de Lula em outubro de 2026 não pode significar a continuidade do projeto conservador e neoliberal tal como proposto no documento “Ponte para o Futuro”, apresentado em 2016 pelo MDB de Michel Temer como programa para o período posterior ao golpeachment contra Dilma Rousseff. É fundamental e urgente uma mudança de rota, rumo a um Brasil que busque o desenvolvimento econômico, social e ambiental.
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