Por que os empresários exigem “austeridade”

Aparentemente, não há lógica — pois uma sociedade empobrecida consume muito menos. Mas num país sem projeto de futuro, o cálculo é outro. O desemprego disciplina. E as privatizações transformam em lucros o que deveria ser Comum

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O primeiro efeito da austeridade é o aumento do desemprego. E o desemprego muda a correlação de forças entre trabalhadores e patrões: o medo do desemprego é “disciplinador”. Dada a mudança na correlação de forças por conta do desemprego, os trabalhadores passam a aceitar salários mais baixos e piores condições laborais, por conta disso, os empresários, que só enxergam os salários como custo, consideram este rebaixamento a solução para a retomada da lucratividade em um momento de crise.

Contudo, se os salários, do ponto de vista do capitalista individual, são apenas um custo, no agregado se tornam um componente fundamental da demanda para garantir a própria realização da produção capitalista (Kalecki 1943 ).

Alguém poderia argumentar que a situação acima não se sustenta porque os lucros dos capitalistas seriam, normalmente, mais elevados sob um regime de pleno emprego do que são, em média, nos termos do livre mercado, ao passo que os aumentos salariais decorrentes do maior poder de barganha dos trabalhadores seriam mais propensos a aumentar preços, gerando inflação, do que para reduzir os lucros. Dessa forma, a manutenção de altos níveis de emprego afetaria negativamente apenas os interesses rentistas (KALECKI, 1943). Ocorre que essa dinâmica depende muito do grau de concentração e concorrência dos mercados e da evolução da produtividade da economia.

Setores de bens comercializáveis, que enfrentam a concorrência do resto do mundo, possuem pouca margem para repassar os custos salariais para os preços, o que os leva, tudo o mais constante, a uma maior propensão à contração nas taxas de lucros. A situação pode ser invertida a partir de processos de desvalorização cambial, onde os produtores internos de bens comercializáveis conseguiriam aumentar a margem de repasse dos custos salariais para os preços finais preservando uma parcela maior das taxas de lucro, o que geraria alteração de preços relativos com efeitos, inclusive, superiores às pressões inflacionárias.

Já o setor non-tradable, basicamente serviços, possui maior margem de repasse. Sendo assim, na ausência de ganhos de produtividade em situações de alto nível de emprego e ganhos reais de salário, há de se esperar pressões políticas advindas da queda da taxa e/ou por conta das pressões inflacionárias. No Brasil recente, antes da crise, houve pressões políticas em ambos os sentidos.

Ainda de acordo com Kalecki (1943), não são apenas os lucros que são apreciados pelos líderes empresariais: a “estabilidade política” gerada por taxas de desemprego naturais ou disciplinadoras também o são. Logo, do ponto de vista do capitalista, o desemprego seria uma parte integrante do funcionamento “normal” do sistema. Percebam que, neste ponto, a reforma trabalhista de 2017, aprovada após o impeachment e durante o processo de concretização da austeridade fiscal, potencializa os efeitos da austeridade e do desemprego em termos de “disciplina” e altera a correlação de forças capital-trabalho bem como amplia, de um ponto de vista microeconômico, as possibilidades de retomada da lucratividade em uma economia em desaceleração, já que reduz os custos do trabalho para além da queda salarial.

A segunda função da austeridade é esmagar a capacidade do Estado de manter o seu funcionamento básico através da imposição de uma série de restrições orçamentárias, abrindo, dessa forma, o caminho para o setor privado ampliar a sua participação em diferentes esferas de acumulação antes ocupadas pelo setor público. Dois casos recentes elucidam bem esse conflito de interesses e a “funcionalidade” da austeridade fiscal: quando o ministro da educação do governo Bolsonaro anunciou um grande corte de recursos em universidades federais, as ações das três maiores redes de ensino privado do país, Kroton Educacional, Estácio Participações e a Ser Educacional, dispararam imediatamente.

O segundo exemplo é a pressão do setor financeiro pela aprovação de uma ampla reforma da previdência que, caso concretizada, forçará uma enorme massa de trabalhadores, desassistidos pelo Estado, a contratarem fundos de previdência privados.

O diagnóstico acima é particularmente aderente ao caso do Brasil, que manteve baixos níveis de desemprego e elevação dos salários reais acima da produtividade por um longo período. A não elevação da produtividade se deu por conta da insuficiência de políticas industriais tecnológicas, que somadas à manutenção da abertura comercial e à liberalização financeira, não favoreceu a sofisticação estrutural, situação que se aprofunda a partir da descontinuidade da elevação dos gastos com investimentos públicos no primeiro governo Dilma.

Esta combinação, ao elevar a parcela dos salários na renda, reduziu as margens de lucros das empresas e acirrou o conflito distributivo, gerando uma forte reação dos capitalistas à política econômica vigente.

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