Nova Sabesp: Como não gerir uma crise hídrica?

Entre várias saídas, a empresa opta pela mais mesquinha: racionamento disfarçado que penaliza, sobretudo, os mais pobres. Afinal, importa o lucro, que avançou 64% em um trimestre pós-privatização. O segredo: tarifas altas e redução de funcionários

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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A privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) não representou apenas uma troca de comando, mas uma profunda alteração no alicerce jurídico e financeiro que rege o serviço essencial no estado. As primeiras movimentações da gestão privada têm gerado grande preocupação entre especialistas, que veem uma clara priorização da lógica de mercado que, segundo críticos, coloca em risco a universalização do acesso e a proteção da população mais vulnerável, especialmente em cenários de escassez hídrica.

A busca por segurança jurídica por parte dos novos operadores resultou na conversão do modelo regulatório para um de natureza contratual, estabelecendo uma matriz de risco amplamente favorável à concessionária. Essa “blindagem” tem consequências diretas no bolso do cidadão, pois a busca por maximizar a rentabilidade se reflete no aumento das tarifas. Um dos primeiros movimentos pós-privatização foi o reajuste tarifário, que gerou uma consequência social preocupante: o aumento da inadimplência. Para piorar o círculo vicioso, a renegociação de dívidas, sob a gestão privada, introduziu a amarga novidade da cobrança de juros sobre o parcelamento da dívida, algo inédito na política de cobrança da gestão pública. Essa medida, embora legal sob o novo contrato, sinaliza uma inegável mudança de foco do social para o financeiro na relação com o consumidor.

O contraste mais evidente entre as gestões surge no enfrentamento de crises hídricas. Diante da estiagem atual, a concessionária tem optado pelo manejo da oferta — a redução de pressão na rede, o chamado “racionamento disfarçado”. Esta tática, de menor custo operacional e impacto imediato no balanço, penaliza de forma desproporcional a população vulnerável e as áreas mais afastadas da rede, onde a falta d’água se torna rotina.

A adoção dessa política demonstra uma clara priorização dos interesses privados de rentabilidade em detrimento da sustentabilidade hídrica e da equidade social. O motivo é claro: a utilização de mecanismo de manejo da demanda como o bônus por economia representa um alto custo para a concessionária, ao reduzir a receita e, consequentemente, o lucro distribuível aos acionistas. No quadro a seguir, ambas as formas de abordagem da política pública de saneamento são abordadas.

Gestão Pública (Crise de 2014)Gestão Privada (Crise Atual)

Foco: Manejo da Demanda (Bônus por Economia)

Foco: Manejo da Oferta (Redução de Pressão/Racionamento Disfarçado)

Resultado Social: Redução incentivada de 30% no consumo per capita, protegendo a população de baixa renda.

Resultado Social: Falta d’água mais frequente para a população vulnerável.
Prioridade: Direito ao acesso e resiliência hídrica.Prioridade: Redução de custos operacionais e manutenção da receita.

Como se pode observar, a triste realidade é que, sob a ótica dos investidores, a nova gestão da Sabesp é inegavelmente uma máquina de resultados no âmbito financeiro. Balanços recentes atestam um aumento expressivo no lucro líquido, que chegou a avançar 64% em um único trimestre pós-privatização, e uma aceleração sem precedentes no ritmo de investimentos, totalizando mais de R$ 10,6 bilhões no primeiro ano. Essa performance é aplaudida pelo mercado, sendo sustentada pela promessa de universalização antecipada até 2029. No entanto – e tem sua contrapartida amarga. O lucro crescente é viabilizado, em parte, pelo aumento da receita (reflexo das novas tarifas) e pelo corte de custos (como a redução de pessoal). Essa lógica de maximização, que estimula a cobrança agressiva de juros sobre o parcelamento das dívidas e desincentiva o ‘bônus por economia’ de 2014, transforma um direito essencial em um ativo financeiro de alta rentabilidade.

O desafio que se impõe à “Nova Sabesp” é garantir que a montanha de investimentos prometida chegue às periferias e que a sede por dividendos — previstos para atingir até 100% do lucro em 2030 — não se sobreponha à obrigação de fornecer água justa e ininterrupta para quem tem a menor capacidade de pagar. O modelo regulatório, ao garantir a segurança do investidor, não pode negligenciar a segurança hídrica da população. A privatização, que prometeu eficiência e mais investimentos, precisa agora provar que a busca pelo lucro não irá desidratar a responsabilidade social e o compromisso com a resiliência hídrica do estado. A água é um bem essencial, e sua gestão deve equilibrar a saúde financeira com o direito universal.

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