Capitalismo: quem são os novos titãs

No dia da posse de Trump, vale examinar os megafundos que agora controlam a riqueza do Ocidente. Quem são. Como manejam o equivalente a 8,5 vezes o PIB dos EUA. Por que estão ávidos por enfraquecer os Estados e reinar absolutos

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Resenha de Titans of Capital (2024), de Peter Phillips, publicado pela Seven Stories Press

Peter Phillips escreveu um livro que mais parece um relatório de pesquisa, e que é de uma prodigiosa utilidade: em vez de ilustrar as suas opiniões, ele nos dá ferramentas para entender como todo o processo de acumulação do capital se deformou, gerando a convergência das catástrofes da desigualdade e da destruição ambiental. Ao detalhar como as coisas efetivamente funcionam no topo da pirâmide do poder econômico – e, portanto, do poder político, Phillips põe em nossas mãos uma excepcional ferramenta de trabalho.

Quem lê os meus trabalhos sabe que eu não sou muito pródigo em flores, mas neste caso, os dois dias que gastei em ler este pequeno livro me deixaram entusiasmado. E como as traduções demoram a aparecer, recomendo a todo o nosso pequeno mundo que se interessa por entender a zona econômica que vivemos, que comprem o livro em inglês mesmo. Nada de complexo nesta escrita.

Para já, pensando nas pessoas que têm dúvidas sobre a nossa dependência do poder econômico global, tema central deste livro, vou só apresentar este gráfico, que não está no livro, mas que ilustra este tema no Brasil:[1]

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O nome BlackRock é pouco familiar para as pessoas no Brasil. Lembremos que em 2024 essa empresa gestora de ativos (fortunas) administra um pouco mais de 10 trilhões de dólares. O presidente americano Joe Biden administras 6 trilhões, orçamento federal dos Estados Unidos. Vejam no gráfico acima para onde essa corporação estende os seus drenos no Brasil, isso que ela se encontra em inúmeros países. Empresas chave da economia brasileira têm os seus interesses ligados à BlackRock, cujo objetivo não é produzir nada, é apenas drenar dividendos, e o máximo possível, como vimos no caso da Petrobrás, elevando os preços para aumentar os dividendos, um dreno amplo sobre toda a população, a chamada profit inflation, inflação gerada por elevação de lucros. O preço que você pagou a mais no botijão de gás ou no posto de gasolina foi para pagar dividendos.

Bastam participações acionárias limitadas para colocar as empresas ao seu serviço, ou seja, maximizar dividendos para acionistas, os que hoje chamamos de “proprietários ausentes”, absentee owners. Isso é a realidade da indústria dita nacional. Não tenham dúvida de que quando os diretores da Samarco ou da Vale tiveram de optar entre consertar as barragens ou aumentar os dividendos, optaram pelos dividendos, e os bônus correspondentes para eles mesmos. Privatizar, ou seja, abrir as portas para acionistas internacionais, é também desnacionalizar. Isso para situar o mecanismo que permite aos gigantes financeiro no topo drenar recursos da base da sociedade em escala mundial.

Phillips selecionou as 10 maiores empresas de gestão de ativos. No conjunto, administram quase 50 trilhões de dólares, equivalentes em 2022 a mais ou menos a metade do PIB mundial de 100 trilhões. Essa é a dimensão. Em seguida, ele elenca, para cada empresa, os diretores, um total de 117 para o conjunto das 10 empresas. Essa gente não constitui a lista de bilionários, e sim gente que ganha muitos milhões, mas essencialmente tomando as decisões. O detalhe da diretoria de cada uma destas gigantescas corporações mostra que a maior parte dirige não uma empresa, mas várias outras, tanto entre os 10 como para fora. Vejam também que em 5 anos, entre 2017 e 2022, aumentaram esse controle em 89,5%, quase dobrando. O controle no topo está se reforçando rapidamente.

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Gera-se assim um universo de interesses entrecruzados das corporações, um gigantesco oligopólio planetário, que não tem nada a ver com o que chamamos de economia de mercado, a tradicional visão que nos ensinam, de empresas que concorrem lealmente para prestar melhores serviços à população. Estão solidamente articuladas para se servir. Uma ficha para cada diretor permite ver que se trata de boas famílias, que estudaram essencialmente nas mesmas escolas de elite e universidades correspondentes, formando uma classe de colegas. Dois terços são americanos. Participam todos das três principais organizações intracorporativas, o Council for Foreign Affairs, Business Round Table e Business Council. Todos são convidados regulares do Fórum Social Mundial, do qual Larry Fink, da BlackRock, é inclusive um dos administradores (trustee).

O fato de cada um dos diretores ter interesses cruzados com outros no grupo dos 10 vai ser reforçado pelo fato de participarem dos conselhos de administração de numerosas outras instituições, como a CIA, ou o Departamento de Estado, com forte presença nas decisões militares, mas também como conselheiros políticos em várias áreas, de numerosos departamentos públicos, permitindo manter ofensiva permanente contra por exemplo a regulação do mercado de medicamentos, a política tributária, e em particular a regulação das fontes de gases de efeito estufa na área da energia.

Phillips traz de maneira detalhada, empresa por empresa, quanto cada uma investe no petróleo e no gás (apesar de proclamarem a sua adesão aos ESG e às energias limpas), no carvão, no tabaco, no álcool, na indústria do plástico, na produção de armas de fogo, na indústria das apostas, na privatização dos sistemas carcerários, inclusive de armamento pesado militar. E em cada setor buscam a maximização de vendas e de retorno a curto prazo.

Igualmente importante é o fato da apresentação dos dados, empresa por empresa, diretor por diretor, setor por setor de atividade, ser extremamente bem organizada, permitindo uma visão de conjunto sobre como o sistema funciona, o grau de poder que alcançou, o ritmo de avanço que continua, e tipo de impacto que gera, por exemplo ao apoiar combustíveis fósseis ou o tabaco. Dois capítulos complementares, sobre a China e sobre a Rússia, fecham este pequeno volume, que nos traz uma claridade impressionante sobre como funciona o topo da pirâmide, o poder realmente existente.

Simplesmente organizando a informação mais significativa sobre as maiores corporações do mundo, o autor deixa clara quem está no topo da pirâmide mundial de poder corporativo, e como usa este poder. Essas corporações por sua vez controlam indiretamente, por participação acionária, os gigantes da comunicação (GAFAM – Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft) e evidentemente os banco menores, seguradoras, grandes empresas de seguro de saúde, o Big Pharma e assim por diante. Os algoritmos movem o dinheiro segundo os interesses da maximização no curto prazo.

A fratura entre a maximização dos interesses corporativos, este universo que curiosamente chamamos de “os mercados”, e os interesses da sociedade, em termos de progresso econômico, social e ambiental fica claramente exposta. É o poder de cima para baixo que fica claro, poder que permite que o dinheiro flua de baixo para cima. Simplesmente pela desproporção entre o dinheiro que colocam nas inúmeras empresas, o dinheiro que extraem, explica-se que neste universo de tanto progresso tecnológico tenhamos tantos desastres sociais e ambientais.

Deixem-me lembrar que a pesquisa de Eduardo Magalhães Rodrigues, no pós-doutorado que fez comigo na PUC-SP, na Pós-Graduação em Economia Política, apresenta um primeiro desenho semelhante em como as corporações, através de tomadas cruzadas de participação acionária e de diretorias cruzadas, constituem igualmente um universo extremamente centralizado, com papel particularmente central da Eletrobrás. Não à toa batalharam a sua privatização. Mas fica também claro o funcionamento do universo oligopolizado das finanças e, surpreendentemente, dos planos de saúde, hoje em dia uma grande indústria da doença.


Notas

[1] Peres, João – No Brasil, maior gestora de fundos do planeta tem investimento três vezes mais poluidor que na Europa e nos EUA. – O Joio e o Trigo, 18 de maio de 2024

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