Brasil: os sentidos reais da alta do PIB

Crescimento, bem acima do que esperavam os analistas “de mercado”, mostra papel multiplicador dos salários e a possiblidade de reconstruir a indústria. Mas também expõe a enorme regressão produtiva, depois de quatro décadas de neoliberalismo

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Segundo os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia brasileira cresceu 3,3% no segundo trimestre de 2024, na comparação com o mesmo período do ano passado. Esse resultado superou a maioria das expectativas, que apontavam um avanço em torno de 2,7%, na mesma base de comparação. Em relação aos primeiros três meses do ano o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,4%.

Na comparação anual, a indústria avançou 3,9%. O setor de serviços, que responde por quase 70% do PIB, cresceu 3,5%. Na Agropecuária, houve um recuo de 2,9% na comparação anual, causado pela menor produção de soja e milho devido às condições climáticas. Falta de chuvas na região Centro-Oeste, e altas temperaturas encurtaram o ciclo de algumas lavouras e derrubaram a produtividade. Segundo o IBGE, alguns produtores tiveram de fazer replantio, como no caso da soja. Outros optaram por aumentar a área de algodão, cuja produção está batendo recorde neste ano, com alta de quase 10% em relação ao ano passado. Essas condições não afetaram da mesma forma a pecuária e outras culturas agrícolas, que apresentaram bom desempenho no período – como foi o caso do algodão e do café.

Em valores correntes, o PIB totalizou R$ 2,89 trilhões no trimestre, acima em 6,4% do valor verificado nos primeiros três meses deste ano (R$ 2,71 trilhões) e superior em 6,9% ao total obtido no segundo trimestre do ano passado (R$ 2,7 trilhões). Conforme mostra a tabela abaixo, no segundo trimestre de 2024, frente ao mesmo período do ano passado, o Consumo das Famílias expandiu 4,9% e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 5,7%. Esses fatores foram fundamentais para o resultado geral do PIB no período, acima das expectativas.

O crescimento acima da média do consumo das famílias e da taxa de investimentos revela uma liderança do consumo interno, em boa parte estimulada pelas políticas de sustentação da renda, operadas pelo governo. Por exemplo, a política de ganho real para o salário-mínimo, que neste ano teve recomposição de 4,57%1, exerce forte impacto no consumo, em função de sua influência no conjunto dos salários e no mercado consumidor interno do país.

Os resultados das negociações coletivas no setor privado estão ajudando também a incrementar o mercado consumidor interno e puxar o crescimento: de 482 negociações da data-base maio, registradas no Mediador até 4 de junho, 87,3% resultaram em ganhos reais aos salários, na comparação com o INPC-IBGE. Outras 10,4% levaram a reajustes iguais à inflação e apenas 2,3% ficaram abaixo do índice inflacionário. A variação real média dos reajustes de maio foi de 1,86%, percentual modesto, mas que faz diferença no conjunto da massa salarial.

Além do consumo de bens e serviços ter incrementado no terceiro trimestre (o setor de Serviços, também expandiu 3,5%, ajudando a puxar o crescimento) a FBCF (que indica quanto do novo valor adicionado da economia é investido), cresceu 5,7% no trimestre, comparado ao mesmo período do ano passado. Em uma conjuntura na qual o mercado de trabalho vem apresentando seguidos avanços, e o nível de utilização da capacidade instalada vem operando acima da média histórica, uma parcela do consumo adicional tem sido suprida pelo crescimento da indústria, o que explica o crescimento do setor, de 3,9% em um ano, acima do crescimento do PIB no período.

É possível que o melhor desempenho da indústria também esteja relacionado ao impacto das medidas decorrentes do plano Nova Indústria Brasil (NIB), anunciado em janeiro deste ano. A NIB, que implica em um conjunto de metas até 2033, prevê R$ 342,7 bilhões de investimentos até 20262. Define 13 instrumentos que poderão ser acionados pelo governo para cumprir as metas (compras governamentais empréstimos, subvenções, investimento público, créditos tributários, comércio exterior, transferência de tecnologia, propriedade intelectual, infraestrutura da qualidade, participação acionária, regulação, encomendas tecnológicas e requisitos de conteúdo local). Tudo indica que o acionamento de tais instrumentos já esteja provocando resultados no nível de crescimento industrial.

Uma parcela do crescimento da demanda foi também suprida pelo aumento das importações, que se expandiram 14,8%, muito acima das exportações (+ 4,5% em um ano). Segundo os dados do IBGE, as exportações cresceram, principalmente, pela extração de petróleo e gás natural, indústria alimentícia, agropecuária e derivados do petróleo. Nas importações, destaque para a indústria automobilística, produtos químicos, produtos de metal, agropecuária e serviços. Ou seja, a balança comercial do período é ilustrativa de um problema estrutural da economia brasileira, que é o baixo valor agregado das exportações, quando comparadas às importações.

O Brasil finalizou 2023 na condição de 9ª economia do mundo. Em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil estava em 11º lugar no ranking. A subida nesse ranking é especialmente relevante. O país sofreu um golpe de Estado em 2016, perpetrado, dentre outros motivadores, contra o desenvolvimento econômico nacional. A Operação Lava Jato, que neste ano completou 10 anos (foi iniciada em março de 2014) tinha o objetivo não declarado de impedir ou, no mínimo, atrasar o desenvolvimento nacional e fazer o país recuar em todos os sentidos. O caráter antinacional do golpe ficou bem caracterizado pelos governos decorrentes (Michel Temer e Jair Bolsonaro), que colocaram em marcha políticas contra o desenvolvimento social e econômico do país.

É significativa a diferença da magnitude do PIB do Brasil, em relação aos primeiros colocados no ranking mundial, especialmente os EUA e a China. Se o Brasil quiser melhorar a vida de seu povo, terá que produzir mais riqueza. Que, evidentemente, terá que ser distribuída, o que exige mudar significativamente o perfil de distribuição de renda. Acontece que o desenvolvimento nos países subdesenvolvidos não é um problema de simples dificuldade no ciclo de crescimento – é uma resultante de disputas políticas. Crescer não é um simples desafio de caráter técnico, mas está relacionado à correlação de forças. Esse processo, que não é recente, se agravou com a crise internacional do sistema capitalista, que tornou os países imperialistas ainda mais agressivos contra o desenvolvimento nacional das economias subdesenvolvidas.

Como o Brasil, entre os países atrasados, é um dos mais industrializados ainda – apesar de todo o processo de desindustrialização nas últimas décadas – quanto toma qualquer iniciativa na direção do desenvolvimento, é atacado com muita ferocidade. O sonho dos países imperialistas é de transformar o país, em definitivo, em um exportador de matérias primas e em base onde as companhias estrangeiras possam explorar seus negócios, aproveitando a abundância de recursos naturais (como petróleo e água) e uma população acostumada a baixos salários. Uma parcela significativa, aliás, depende de auxílio público para não passar fome. Esse projeto dos países ricos não é voltado exclusivamente para o Brasil, mas para o conjunto da América Latina – como torna-se muito claro no processo em curso na Argentina.

1 Este é o resultado em relação ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor, calculado pelo IBGE. A política de valorização permanente, negociada pelas Centrais Sindicais com o governo, foi estabelecida pela Lei nº 14.663, de 28 agosto de 2023. A regra da política é referenciada na taxa de crescimento real do PIB de dois anos anteriores, além da variação do INPC em 12 meses encerrados em novembro do exercício anterior ao do reajuste.

2 Originalmente eram R$ 300 bilhões, mas em agosto o governo anunciou uma ampliação dos recursos em R$ 42,7 bilhões a partir do aumento de verbas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e de linhas de créditos do Banco do Nordeste (BNB) e o Banco da Amazônia (Basa).

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