Por que celebrar a volta do Palácio Capanema

Joia da arquitetura moderna brasileira é reinaugurada neste 20/5. Viagem à época de sua construção mostra como o edifício foi pensado, desde o começo, de forma integrada à arte de renomados escultores. Hoje, cada obra tem vida própria – pela presença, ausência ou remoção

Foto: Leonardo Martins , em seu flickr
.

A reinauguração do Palácio Capanema, projetado na década de 1930 para abrigar as dependências do Ministério da Educação e Saúde Pública do governo Vargas, vem recebendo ampla cobertura dos veículos de comunicação.

Segundo a versão oficial, as obras foram iniciadas em 2019 e recebeu, do atual governo, investimentos do Novo PAC para ser devolvido à população. As informações revelam que o edifício abrigará escritórios do Ministério da Cultura, instituições vinculadas ao IPHAN e dependências que serão abertas ao público, como o terraço, provido de um café panorâmico.

No domingo, dia 11 de maio de 2025, um periódico de grande circulação no país publicou, como destaque do jornal, uma coluna sobre a reabertura do Palácio Capanema, prevista para o dia 20 do mesmo mês.

Coincidentemente, na mesma página, elogia a manifestação de um conhecido economista, grande parceiro de bancos internacionais, defendendo o congelamento de ganhos reais do salário-mínimo no Brasil por seis anos, para “proteger os mais pobres”.

Pelo menos existe coerência entre os textos, sugerindo o retorno do referido jornal às suas origens, quando apoiava a ditadura militar e a demolição de edifícios referenciais da cidade, como o Palácio Monroe, que recebeu, na ocasião, um efusivo editorial comemorando o desaparecimento do “mostrengo arquitetônico” da Cinelândia.

Assistiu, insensível, à demolição do Solar de Monjope, à Rua Jardim Botânico, marco da arquitetura neocolonial, em frente ao Parque Lage, ameaçado por uma obra da mesma empresa, que pretendia implantar fundações de concreto em sua vizinhança imediata, comprometendo o lençol freático e a ambiência daquele patrimônio da cidade.

O artigo lamenta que o Palácio Capanema, referência internacional da arquitetura moderna, não foi negociado para a iniciativa privada, como desejava um ministro do governo anterior, conhecido por suas polpudas contas e investimentos em paraísos fiscais. Trata o episódio como “resistência ideológica”, talvez por contrariar interesses de alguns pares.

No entanto, o decreto-lei n.25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, que não foi revogado, estabelece, em seu Art. 11, que “as coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.”

Não há “resistência ideológica”, mas desconhecimento da legislação federal vigente, além do valor arquitetônico e cultural da edificação, reconhecido internacionalmente.

Em seguida, exalta o resultado da “reforma”, que, na prática, descaracterizou alguns ambientes, como o antigo terraço e o restaurante original ali localizado, transformado em um “café panorâmico”, conforme imagens divulgadas nos meios de comunicação. Além disso, talvez por falta de pesquisa mais aprofundada, foram esquecidas as obras de Celso Antônio, como a “Mulher Reclinada” e, principalmente, a “Maternidade” que, por capricho, foi retirada do seu local original, doada ao antigo Estado da Guanabara e colocada num gramado, na Praia de Botafogo.

O projeto destinado ao Ministério da Educação e Saúde foi objeto de um concurso público, realizado na década de 1930, que não construiu o vencedor, desenvolvido pelo professor Archimedes Memoria.

A bibliografia oficial registra que o ministro Gustavo Capanema, com intervenção direta do arquiteto Lucio Costa, manifestou sua preferência pelas propostas modernistas, decidindo assim pelo pagamento do prêmio ao primeiro colocado, sem o aceite para sua execução.

Para desenvolver o novo projeto, surgia uma equipe que se tornou icônica para a implantação da arquitetura moderna no Brasil: Lucio Costa, o coordenador inicial, ex-diretor da Escola Nacional de Belas Artes; Affonso Eduardo Reidy, arquiteto municipal, com experiência em obras públicas, além do convívio acadêmico com profissionais como Warchavchik e Agache; Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos, que haviam participado do concurso com uma proposta modernista; Carlos Leão, pintor e arquiteto, que trabalhara no escritório Costa/Warchavchik; e Oscar Niemeyer, que se agregou ao grupo durante os trabalhos.

Os primeiros estudos não agradaram ao ministro. Outra vez, por interferência direta de Costa, houve o convite àquele considerado por ele “o maior arquiteto do nosso tempo”, Le Corbusier, para consultoria sobre a implantação da Cidade Universitária e para o Ministério.

Jeanneret-Gris, conhecido como Le Corbusier, chegou ao Rio de Janeiro em julho de 1936 e durante cerca de um mês promoveu conferências e participou diretamente nos projetos para os quais fora convidado. Frequentemente apresentava novas sugestões, descartando os trabalhos desenvolvidos pela equipe, às vezes de forma depreciativa, como apelidar de “múmia” a proposta inicial da equipe brasileira.

Seus croquis indicavam uma escultura monumental de um “Homem Sentado”, elemento recorrente em diversos estudos posteriores, incluindo aqueles da comissão responsável projeto definitivo. O próprio ministro acolheu a ideia, defendendo-a com veemência para o presidente, pois afinal era o Ministério do Homem.

Diversos croquis, incluídos em arquivos e na bibliografia sobre o Ministério, demonstram a preocupação da equipe de arquitetos em assinalar o caráter e a posição das obras de arte no edifício, desde os estudos preliminares.

Algumas foram incluídas em outros projetos de integrantes da Comissão, como Costa e Niemeyer, para o Pavilhão da Feira de Nova York, em 1939, que apresentou uma réplica da “Mulher Reclinada”, de Celso Antonio.

Segundo os princípios estabelecidos pelos arquitetos em conjunto com o ministro Capanema, as Belas-Artes estavam presentes por todo o edifício, interna ou externamente: pinturas a têmpera, azulejaria, paineis, esculturas em grupo, isoladas ou mesmo os bustos tradicionais de personalidade célebres no cenário nacional. Artistas modernos, independentemente de suas orientações ideológicas, tiveram seus nomes sugeridos e aprovados, sem qualquer interferência direta do presidente.

Candido Portinari pintou paineis na sala de audiências e hall de recepção, ambos no gabinete ministerial e também no auditório, além da azulejaria presente nos grandes panos murais do pavimento térreo, em conjunto com Paulo Rossi-Ossir. Próxima aos Jogos Infantis, painel monumental no hall de recepção do ministro, havia uma réplica da estátua do Profeta Isaías, cujo original encontra-se na escadaria da Igreja do Bom Jesus, em Congonhas. A associação da obra de Antonio Francisco Lisboa com a pintura de Portinari pode ser uma forma de celebração da proximidade que a modernidade se encontrava em relação ao Patrimônio Nacional, em muito breve criando o IPHAN.

Bruno Giorgi esculpiu os bustos de Gonçalves Dias, Rui Barbosa, José de Alencar, Osvaldo Cruz, Machado de Assis e Castro Alves, distribuídos pelo gabinete ministerial, além do “Monumento à Juventude Brasileira”, conjunto colossal disposto em posição estratégica nos jardins do pavimento térreo, voltado para a fachada envidraçada do edifício e a “Moça em Pé”, também colocada no térreo, porém em recinto fechado, o hall de acesso privativo às dependências do ministro.

Celso Antonio foi o primeiro artista contratado para realização do “Homem Sentado” ou “Homem Brasileiro”, obra encomendada num momento inicial para ocupar, com destaque, o pavimento térreo. Antonio também esculpiu os bustos de Getúlio Vargas e Capanema, além da “Moça Reclinada”, originalmente disposta no terraço-jardim, anexo ao gabinete do ministro, “Mãe” ou “Maternidade”, coroando o núcleo central da escada helicoidal de acesso ao mezanino, e a “Moça Ajoelhada”.

A “Moça Reclinada” foi retirada do jardim, transferida para o lugar original da “Maternidade”, enquanto esta foi guardada e inexplicavelmente transferida para um jardim, entre pistas de rolamento, fora de seu contexto original.

Mulher Reclinada, de Celso Antonio, transferida dos jardins para o salão de exposição, onde ficava a Maternidade. Acervo Particular

Celso Antonio também elaborou estudos para o grupo escultórico que ficaria na empena cega do auditório, atendendo a uma sugestão de Capanema, inspirada na Vitória de Samotrácia, obra também preterida após o arquiteto Lucio Costa associá-la a uma borboleta pregada na parede.

Jacques Lipchitz, escultor lituano, recebeu a encomenda para realizar o “Prometeu Liberto”, conjunto que substituiria os estudos de Celso Antonio e de Victor Brecheret para a empena do auditório. O resultado que não logrou êxito em relação às dimensões originalmente propostas, substituído praticamente por um estudo, desagradando o autor.

Prometeu Liberto, de Jacques Lipchitz, na empena do auditório. Foto William Bittar

O resultado final gerou polêmicas, incompreensões, incluindo charges na imprensa. No entanto, também recebeu críticas favoráveis pela ousada interpretação figurativa de um mito grego.

Adriana Janacópulos, a única representante feminina presente no corpo responsável pelas artes integradas, esculpiu “Mulher Sentada”, implantada no terraço-jardim contíguo ao gabinete do ministro, em conjunto com a Moça Reclinada, de Celso Antonio. A artista recebeu a encomenda em fevereiro de 1938 e seria, originalmente, em mármore branco Ravaccioni. A peça final, ampliada, foi executada em granito cinzento brasileiro, de Petrópolis, entregue em 1942. Segundo Fernando de Azevedo, é “uma obra prima de realismo poético. Bem construída e bem modelada, é rica de qualidades de finura e equilíbrio”.

Observando-se o conjunto de esculturas incluído no edifício, com exceção aos bustos, pois todos são personalidades masculinas, tratados de forma absolutamente figurativa tradicional, as obras monumentais representam a figura feminina, incluindo “Juventude”, de Giorgi. Apenas o Prometeu de Liptchitz fugiu à regra, mas se tratava de um personagem mitológico.

Há, portanto, um curioso paradoxo. A maioria dessas obras foi criação de artistas masculinos, pois apenas uma escultora, Adriana Janacópulos, fora contratada para executar sua “Mulher Sentada”, colocada no terraço-jardim do gabinete ministerial.

Mulher Sentada, de Adriana Janacópulos, nos jardins do pavimento ministerial. Acervo Particular

Já que havia a expressa intenção de associar a pasta a um “Ministério do Homem”, o provável símbolo seria uma estátua de 12 metros de altura, em granito, representando este personagem ideal, sempre tratado no masculino.

Este “Homem Novo”, brasileiro autêntico, era uma proposta oficial muito clara, principalmente depois da decretação do Estado Novo. Por isso o cuidado nas escolhas dos temas e respectivos artistas na concepção inicial, depois bastante alterada, inclusive com a participação direta de Capanema, acatando sugestões do grupo modernista que integrava seu ministério.

Atendendo a uma sugestão original de Le Corbusier, optou-se pela contratação de Celso Antonio para realizar a empreitada, jamais concluída, mas apresentada ao público junto à maquete do edifício, o “Homem Sentado”, durante a exposição do Estado Novo, em dezembro de 1938.

Em 1943, a escultura seria substituída em temática e autoria pela “Juventude Brasileira”, de Bruno Giorgi, um jovem casal que estimulava o civismo entre os estudantes, caminhando pelo pátio em direção ao ministério.

A “Nova Mulher”, companheira desse homem brasileiro, pouco aparecia com a mesma representatividade ou valorização, devido ao seu papel na sociedade. O próprio direito ao voto feminino era conquista muito recente. Ainda assim, era concedido apenas a casadas, desde que autorizadas pelo marido, ou viúvas que se sustentassem. Apenas em 1934 foi integralmente previsto na Constituição.

Nas artes, havia o reconhecimento de artistas como Anita Malfati ou Tarsila do Amaral, na pintura, porém o quase anonimato das escultoras Julieta de França e Nicolina Vaz de Assis. A lista era muito restrita ou mesmo considerada pouco capaz de executar obras com tal monumentalidade.

Ainda assim Janacópulos estabeleceu diretrizes para sua escultura, “Mulher Sentada”, desde os estudos iniciais, revelando em entrevista que “era necessário que a nossa esculptura fixe tal modelo, eternize as linhas e a vida interior da brasileira de hoje – tal como ela existe já no romance, na poesia, na música (na canção popular) e mesmo na pintura”.

A força feminina, expressa com energia nas esculturas de Celso Antonio, seria observada pela expectativa da sociedade em relação ao papel da mulher, inclusive na arte, como um doce e sensual modelo, em suas “Maternidade” e “Mulher Reclinada”, plena de sensualidade tropical.

Observando o conjunto escultórico do edifício, decorridos oitenta anos de sua inauguração, aquelas peças de arte talvez não tenham perpetuado sua mensagem original. Fora de seu contexto político, torna-se necessário estabelecer associações mais detalhadas para apreender a mensagem de sua época, inclusive para aqueles que irão ocupar o edifício reinaugurado.

Além disso, quase todas as esculturas estão distribuídas no interior da edificação, exigindo algum estímulo e interesse do público para adentrar e compartilhar sua contemplação, exceção feita à “Juventude”, que passeia pelos jardins do pavimento térreo. Mesmo esse conjunto, pela sua implantação, não raramente um transeunte a associa ao edifício mais próximo, dissociando-a do diálogo idealizado originalmente.

Outras peças foram transferidas, por questão de gosto pessoal, como no caso do arquiteto Lucio Costa, que aproveitou a realização de obras de manutenção e encaixotou a “Maternidade”, também de Celso Antonio, executada em mármore, em 1941, autorizando, em 1968, sua transferência para um jardim da Praia de Botafogo, no Rio de Janeiro. A praça, de difícil acesso, é cercada por vias com tráfego intenso, ficando a escultura exposta às intempéries e ao vandalismo que contribuirão para sua deterioração, caso a mesma não seja reincorporada à seu lugar de origem.

Maternidade, de Celso Antonio, originalmente no salão de exposições do Ministério, transferida para a Praia de Botafogo, em 1968. Acervo Particular

Cada escultura ali concebida definia uma intenção, relacionada diretamente ao seu lugar. Era a materialização do ideário de seus criadores, ainda que não lograssem o êxito pretendido no diálogo com o público em geral. Depois de concluído, cada elemento artístico passou a construir sua própria história, através da presença, ausência, remoção ou dos extáticos e estáticos silêncios, nem sempre ouvidos ou interpretados.

Algumas daquelas esculturas nasceram incompreendidas, como o “Homem Sentado”, de Celso Antonio, nunca construído; a nudez sensual da “Moça Reclinada”, que causou alguns protestos dos mais conservadores; a força nativa da “Mulher Sentada”, de Janacópulos, acompanhando a “Moça” nos jardins ministeriais, pouco visitados pelo grande público; as duas peças que se encontram mais acessíveis à contemplação, o “Prometeu” de Lipchtiz, motivo de polêmicas, rejeições e pilhérias, desde sua colocação na empena cega do auditório, ou o colossal conjunto “Juventude”, de Giorgi, a única escultura que inclui um casal, mas nesse caso, com o sutil posicionamento da figura masculina à frente. Uma concepção forte e vigorosa, que homenageava os jovens, procurando aproximá-los do Estado Novo.

O silêncio nos sussurra diante daquele casal, que sugere percorrer o átrio, caminhando entre os jardins de Burle Marx. Em algum momento, participaram de protestos estudantis, entre cassetes e gás lacrimogêneo. A altiva figura feminina pode estar caminhando atrás, porém certamente protegendo o companheiro, aguardando o momento de seguir ao seu lado, quem sabe até os jardins da Praia de Botafogo para resgatar a Maternidade para seu lugar de origem, de onde não deveria ter saído.

Monumento à Juventude Brasileira, de Bruno Giorgi, nos jardins térreos do Palácio Capanema. Foto: William Bittar


Referências

BITTAR, William, MENDES, Chico e VERÍSSIMO, Chico. Arquitetura no Brasil – de Deodoro a Figueiredo. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2015.

CAPANEMA, Gustavo. Depoimento sobre o edifício do Ministério da Educação In Revista Módulo, n.85, Rio de Janeiro, mai 1985.

LISSOVSKY, Maurício e SÁ, Paulo Sérgio Moraes de. Colunas da Educação; a construção do Ministério da Educação e Saúde (1935-1945). Rio de Janeiro: MINC/IPHAN; Fundação Getúlio Vargas/ CPDOC, 1996.

MOREIRA FILHO, Eliézer. Um gênio esquecido: Celso Antonio e o Modernismo. São Luis: EDUFMA, 2012.

SOARES, Sandra Branco. Capanema Maru: o Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro: Jauá, 2021.

Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para [email protected] e fortaleça o jornalismo crítico.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *