Mário de Andrade e a arte de um jovem modernista

O mineiro Rosário Fusco, integrante do Grupo Verde, tinha “vontade de aparecer” e abrasileirar o Brasil. Autor de Macunaíma viu seu talento e falhas. Em diálogo epistolar mostra-se franco e aberto à juventude, vendo nela feixes de um futuro do Modernismo

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Este texto foi originalmente publicado no Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social (BVPS), com o título “Desenhos de um modernista quando jovem”. Para ler outros textos da BVPS por nós publicados, clique aqui.

O ano era 1927. Cinco anos se passaram da ocupação modernista no Theatro Municipal de São Paulo, onde declamaram poemas, conferências e expuseram pinturas de seu novo movimento. Cinco anos também se passaram desde a publicação da revista Klaxon (1922-1923), primeiro esforço do grupo modernista para continuar o escândalo da Semana de Arte Moderna de 1922. Com aquelas páginas circulando mensalmente poemas, crônicas, contos e críticas de livros, uma espécie de rotina modernista ia se consolidando. Ela seguiria em frente com a produção de Estética (1924-1925), no Rio de Janeiro, dirigida pelos jovens Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Morais, neto; e A Revista (1925-1926), em Belo Horizonte, editada pelos rapazes do Grupo da Estrela, dentre os quais figuravam Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava. Como numa corrida de revezamento, as revistas formaram uma cadeia contínua que manteve os ideais modernistas em circulação.

Chegamos então em 1927, ano que Verde (1927-1929) aparece e dá continuidade à construção cotidiana do modernismo. A revista apresentava aos modernistas já estabelecidos um grupo de jovens rapazes em Cataguases, atentos aos debates que vinham maquinando. Tomando para si aquelas novas ideias, os rapazes da Verde passariam a evocar os ideais do movimento modernista, enquanto procuravam entrar em contato com seus outros membros. Não à toa, Verde chegou acompanhada na rua Lopes Chaves, em São Paulo, moradia de Mário de Andrade. Junto dela, uma carta de Cataguases assinada por Rosário Fusco, jovem de apenas 17 anos que se apresentava a uma das lideranças do modernismo. Respondendo a essa carta e outras que vieram dos novos rapazes de Cataguases, Mário se aproxima daquela nova juventude que entrava em cena.

Busco neste texto observar a construção cotidiana do modernismo a partir do diálogo epistolar entre Mário de Andrade e o Grupo Verde.[1] Sendo este o tema de minha dissertação de mestrado, procuro aqui trazer um assunto específico presente naquelas cartas: as conversas sobre os desenhos de Rosário Fusco na sua troca epistolar com Mário.[2] Compreendendo o modernismo como um movimento cultural, isto é, uma “iniciativa articulada – embora descentrada e heterárquica na coordenação das ações – para a alteração, controle ou seleção dos recursos culturais disponíveis nos processos de reflexividade da vida social” (Botelho; Hoelz, 2022: 237), observar a sua construção cotidiana permite avaliar a alteração daqueles recursos no âmbito da rotina de produção e circulação dessas novas ideias.

De um lado, a rotina intelectual do modernismo pode ser vista na circulação de suas revistas, espécie de instrumento e veículo privilegiado para a difusão de novos princípios e manifestos (de Luca, 2011). No entanto, me detenho aqui nas formas de comunicação privada do movimento cultural, mais especificamente, na correspondência de Mário com o Grupo Verde. Naquelas páginas, havia uma espécie de projeto de pedagogia epistolar do intelectual paulista (Moraes, 2007) voltado à disseminação do movimento em uma escrita dialógica, aberta aos jovens e suas inquietações (Souza, 2008). Nessa interação com as juventudes, observa-se o aprendizado social do modernismo pela formulação de normas e valores. Trata-se, portanto, de um tipo específico de processo de significação do que era fazer parte do modernismo, em que os atores sociais se modelavam naquela relação visando um ideal de portador social das ideias do movimento cultural, o self modernista (Botelho; Hoelz, 2022).

Ao nos determos nessa correspondência durante a produção da revista Verde, encontramos conversas que tratavam de outras maquinações daqueles jovens mineiros. Seja pela revista, seja pelos livros que tencionavam publicar ou na prática artística cotidiana, as cartas que circularam entre São Paulo e Cataguases não deixam de ter um estatuto de crônica da obra de arte (Moraes, 2007), permitindo acesso às experimentações cotidianas do fazer artístico daquela juventude.

A tópica dos desenhos apareceria pela primeira vez nas conversas sobre o livro não publicado de Fusco, Codaque. Desde a primeira edição da Verde é possível identificar a vontade do grupo de publicar algum livro, como indica, por exemplo, uma resenha de outro livro não publicado de Rosário Fusco (Mendes, 1927). Essa vontade se concretizaria posteriormente com Poemas Cronológicos (1928), de Rosário Fusco, Enrique de Resende e Ascânio Lopes; Meia-Pataca (1928), de Guilhermino César e Francisco Inácio Peixoto; Fruta de Conde (1929), de Rosário Fusco; e 13 poemas (1928) de Martins Mendes.

Codaque foi o primeiro projeto de um dos rapazes do Grupo Verde a ser discutido com Mário de Andrade, em carta do jovem Fusco datada de 22 de outubro de 1927: “Aí vão dez poemas que eu pretendo enfeixar num volume com desenhos de Pedro Nava ou Delpino Jr. […] Estou com uma baita vontade de aparecer. De qualquer maneira. Que tal?” (Fusco, 1927 apud Menezes, 2013: 27). A conversa sobre esse projeto continuaria a preencher páginas entre Cataguases e São Paulo. Com elas, o livro vai ganhando seus contornos com cortes e modificações em seu esquema, enquanto a amizade entre os dois ia se fortalecendo. Para além de opiniões, Fusco também não deixa de pedir um prefácio para seu novo amigo, que, ao aceitar, entrelaça o futuro daquele rapaz com um árduo desafio coletivo, no qual, daqui para a frente, caberia a Fusco tomar parte ou não:

Não tenho medo absolutamente de apresentar você mesmo se você só trouxesse matéria ruim por enquanto por causa do que prevejo pra depois. Inteligente está claro que você é. Lirismo se percebe que tem. O presente não é nada pelo que você pode fazer no futuro e tenho esperança que fará. Tudo depende de trabalhar agora, e tomar com seriedade essa brincadeira luminosa da arte. O modernismo brasileiro estaria muito além da sua já enorme vitória, não fosse o poder de frouxos que se meteram nele e não aguentaram o tranco. (Andrade, 1927 apud Menezes, 2013: 50)

Encontrando naquele jovem rapaz certa “vontade de aparecer”, Mário o percebia como alguém para continuar a obra mais ampla que era o modernismo. No prefácio concedido, publicado na quarta edição da Verde, o autor de Paulicéia Desvairada apresenta o novo escritor ao público, vendo sua obra como um começo promissor de uma carreira literária do jovem de apenas 17 anos: “Poemas como Rio de Janeiro, Madrigal, Jornal do Interior, Baía, não indicam apenas ideologicamente a margem que o futuro reserva pros nossos prazeres. Já é principio de viagem. O que se enxerga inda não é coisa propriamente nova não. Mas é fecunda e já comove bem” (Andrade, 1927a: 10). O potencial futuro promissor também se estendia ao Grupo Verde. Na resenha que Mário faz da primeira edição da revista, por exemplo, o intelectual paulista relevava as influências presente nos escritos daqueles jovens para ressaltar a promessa que apresentavam para o movimento:

É possível distinguir dentro das poesias e contos de “Verde” as forças principais de Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Oswald de Andrade, Alcantara Machado, Ribeiro Couto etc. Isso para mim não tem a mínima importância, porque, como já falei uma feita, planta nova carece de espeque, e esses mesmos influenciadores não foram desde início as personalidades marcadas que são hoje. Os rapazes de “Verde”, faz pouco que saíram do epíteto de meninões e quando a gente nessa idade moça já escreve o Serão do Menino Pobre, A Função, a Viagem Sentimental, o Bloco, se não se deixar levar pela facilidade (principalmente sintomática da prosa de “Verde”), pode estar certo que será forte e característico (Andrade, 1927b: 2).

Havia com os verdes uma expectativa. Era uma nova juventude que, ao entrar naquele circuito modernista mais amplo, trazia consigo os feixes de um futuro não só particular a cada um deles, como também coletivo. No contato de Mário com eles, havia um empenho em colaborar na construção daquele futuro, apostando neles para continuar o empenho do movimento modernista. Entrelaçando futuro e presente, Mário se mostrava uma liderança aberta aos chamados daquele grupo, contribuindo na produção da revista e opinando sobre suas produções particulares, o que, de certa forma, alimentava a coragem de seus interlocutores em participar do movimento.

Voltando ao livro, após diversas cartas com seus retoques e opiniões, Codaque ganha uma forma mais lapidada, o que trazia certa felicidade de Fusco frente a aprovação de seu projeto:

Recebi ontem a sua carta do dia 2, Mário. Estou muito alegre com você, sabe! Por uma porrada de coisas mas principalmente por V. ter gostado do projeto Codaque. Eu queria fazer uma coisa puxada compreende! Capa de Tarsila apresentação de você e desenhos do Nava ou do Delpino. Acho porém que isso é vontade de segurar o mundo com a mão… Talvez eu mesmo ilustre os troços. Que tal? (Fusco, 1927 apud Menezes, 2013. p.81)

Entre os traços da escrita, flagramos a conversa de Fusco e Mário sobre os desenhos daquele jovem rapaz, que até o momento tinham aparecido duas vezes na Verde: a primeira ilustrando o poema “Ternura” de Francisco Inácio Peixoto e a outra abrindo o conteúdo da segunda edição da revista, após suas páginas publicitárias. Não é possível rastrear de qual dos desenhos Mário estava falando – embora, pela proximidade temporal, podemos presumir se tratar do segundo desenho –, mas, diante do excesso da vontade de Fusco, Mário lhe sugeriria que pedisse a Nava[3] para desenhar o Codaque, concordando que seria precipitado desenhar o próprio livro:

Acho que você deve pedir pro Nava ilustrar o livro de você. Não gostei nada do desenho que você publicou na Verde e acho mesmo que como você fala, você está querendo abraçar o mundo com as mãos. Ou com os braços. Continue assim. […] E se o desenho que você botou na Verde não presta isso não quer dizer que você não continua a desenhar. Continue. Quem sabe se inda você chega a uma solução pessoal interessante de desenho? Ninguém não pode saber. Agora esse futuro não é suficiente pra que você vá encher Codaque de desenhos ruins (Andrade, 1927 apud Menezes, 2013: 91).

Ilustração do poema “Ternura”, na Verde nº1. Retirada do Portal Revistas de Ideias e Cultura.
Desenho de Rosário Fusco, na Verde nº3. Retirada do Portal Revistas de Ideias e Cultura.

Opinando sobre a produção de Codaque, Mário tenta podar os excessos da “vontade de aparecer” de Fusco. Criticando os desenhos daquele jovem, que poderiam comprometer a qualidade da obra, Mário tem o cuidado de separar o momento atual do desenhista Fusco daquilo que o rapaz poderia vir a produzir nessa frente. Observando sua disposição em segurar o mundo com os braços, o presente não era suficiente para Fusco ir adiante nas ilustrações de Codaque, restando a ele canalizar aquela vontade no aprimoramento de seu traço. Afinal, o cumprimento do destino – não só pessoal, como também do modernismo – exigia “aguentar o tranco”. Podemos perceber aqui que, na conformação de uma rede de sociabilidade nas cartas, o que se forja não é somente um ideal normativo para guiar o movimento, mas também a própria identidade de seus participantes enquanto atores sociais e políticos (Botelho; Hoelz, 2022: 220-221). Nesse caso, uma espécie de self modernista circulava e sugeria uma modelagem por um ideal de disciplina quase ascética no trabalho artístico: se, por um lado, o que Fusco trazia nos seus desenhos arriscava a qualidade de Codaque, por outro, a vontade de aparecer deveria ser canalizada no exercício de seu traço, preparando-o para cumprir um destino promissor.

A resposta de Fusco à sugestão de Mário é curta, avisando que pediria a Nava que fizesse os desenhos de seu livro. Porém, em 9 de janeiro de 1928, o jovem mineiro voltaria àquele assunto ao enviar um novo desenho: “Se a figura interessar me escreva para eu ficar alegre comigo, sim?/ Não desisti e nem desistirei de desenhar não./ Estou seguindo seu conselho: vou me formar bem direitinho pra ver em que que dá o troço” (Fusco, 1928 apud Menezes, 2013: 111). Conforme indica Menezes (2013), o desenho em questão seria publicado no terceiro número da Revista de Antropofagia, possivelmente enviado por Mário à redação da revista, o que expressaria certa aprovação quanto ao progresso do jovem Fusco nos desenhos:

Desenho de Rosario Fusco, na Revista de Antropofagia, 1ª dentição, n°3. Retirada do Portal Revistas de Ideias e Cultura.

Embora Codaque não tenha ido para a frente, a presença dos desenhos de Fusco em livros publicados pelo Grupo Verde se concretizaria em Meia-pataca (1928), livro de poemas de Guilhermino César e Francisco Inácio Peixoto cuja capa fora por ele ilustrada.

Capa de Meia-pataca (1928)

Nas cartas encontramos ainda dois desenhos antes da publicação de Meia-pataca, intitulados “Paisagem” e “Paizagem antropofágica”. O comentário de Mário ao recebê-los é positivo, sem deixar de lado as observações quanto à pressa no traço: “Numa das últimas cartas, junto com dois poeminhos ‘Ditado da casa caiada’ e ‘Carta aberta pra Rosa’ vieram dois desenhos feitos às pressas. Notei sobretudo na ‘Paisagem’, apesar da pressa e falta de inspiração com que foi feita, já melhor segurança de traço e menos parecença com alheio. Guardo ela como indício bom” (Andrade, 1928 apud Menezes, 2013: 177).

Paisagem, Arquivo Mário de Andrade (IEB/USP)
Paizagem Antropofágica, Arquivo Mário de Andrade (IEB/USP)

Comparando os dois desenhos com a capa de Meia-pataca, pode-se perceber alguns elementos repetidos. Se em “Paizagem Antropofágica” é possível encontrar as folhas de uma árvore no canto direito, presentes também na capa do livro, as semelhanças deste com “Paisagem” sobressaem. Ambas possuem uma composição com pequenas casas no primeiro plano e ao fundo da paisagem uma igreja e um trem. No entanto, enquanto no desenho a parte inferior é interligada a sua parte superior por meio de uma estrada com um carro transitando, na capa este mesmo trajeto é substituído por um caminho de árvores.

Apesar dos elementos repetidos – as casas, a igreja e o trem –, nota-se que esses dois últimos  estão em posições diferentes e em morros mais arredondados na capa do livro. Abaixo do morro direito, onde agora figura o trem, vemos um rio e uma ponte. Vale lembrar que antes da fundação do município de Cataguases a região ainda era distrito de Santa Rita do Meia Pataca e que, depois de sua elevação a município, ela passa a ser o ponto final da Estrada de Ferro Leopoldina, inaugurado em 1877 (Paula Neto, 2020). Elementos e dados que nos fazem conjecturar a capa enquanto um retrato da paisagem de Cataguases, uma espécie de demarcação da experiência local de onde evocam a estética modernista – também vista no título do livro, Meia-pataca, e em seu poema de abertura, uma homenagem à cidade e seu rio assinada por Guilhermino Cesar:

O conquistador chegou cansado

e batizou com o ouro da cobiça

a terra que lhe prometia

um punhado de coisas tentadoras

MEIA-PATACA!

Vieram mais gentes

porém não havia mais ouro

no rio de águas feias.

Vieram outras gentes.

Cataguases… a cidade cresceu.

O Pomba tem barcos de nome estrangeiro

brincando no dorso barrento.

O Meia-Pataca ficou desdeixado

pobre riozinho que se esconde

e passa de longe medroso.

— Olhando o rio esquecido

eu penso no ouro que sumiu

e no ouro que ficou pra sempre

no coração da minha gente (César, 1928 apud Sant’Ana, 2008).

Embora a capa tenha suas semelhanças com o desenho enviado para Mário, não podemos atestar que este seja um esboço daquela. Antes, propomos pensá-la como um exercício de desenho por Fusco, o que a aproximaria do sentido daqueles outros dois desenhos enviados. Nessa prática, a busca por aprimorar-se parte da observação da realidade local, em um tipo de experimentação de linguagens que produzia significado sobre a realidade que lhes cercava, de modo a tornar visível o mundo que se vê (Kuschnir, 2013) pelo ato de seleção e recortes do que poderia simbolizar a paisagem cataguasense.

Se tratando de desenhos que expressam a cidade pela composição de uma paisagem específica, chamo a atenção para os elementos que Fusco mobiliza para retratar Cataguases em “Paisagem” e na capa de Meia-pataca: edifícios de uma pequena cidade, com suas casas e igreja; os elementos naturais, com diferentes tipos de árvores preenchendo o desenho e o rio no canto direito como alusão ao seu espaço fluvial; e, por fim, a inclusão de elementos da modernidade, como o carro e trem. Modela-se aqui uma ambiência local de uma cidade que se modernizava, flagrando uma paisagem semântica semelhante à composta por outros retratos locais que os verdes produziam da região, como é o caso do poema “Cantos da Terra Verde” de Enrique de Resende, publicado na terceira edição da Verde:

Desce o rio, lento, pesadão, molengo.

Mas, de repente,

se despenha no desespero do despenhadeiro.

É a cachoeira, a acachoar, zoando e retum-

                                   bando, no seio vir-

                                   gem da floresta virgem.

E, além, são as águas, que se refreiam, que se

                                                           represam,

e é a luta esplendida de mil cavalos imaginários

nos canos grossos,

nos tubos longos,

pelas turbinas a dentro – num turbilhão.

E, então, lá no alto, à luz do dia, apoteoticamente,

as fábricas gemem,

os teares cantam,

a serras guincham,

– e, à noite, como que num milagre, é a cidadela

toda esplendente de alampadarios. (Resende, 1927)

Nos poemas ou nos desenhos, notamos em Rosário Fusco, e no Grupo Verde de forma geral, a experimentação de diferentes linguagens como formas de sentir e pensar o Brasil. No entanto, se esses exercícios se orientavam para um ideal de “abrasileiramento do Brasil”, a elaboração deste ideal se fazia a partir de uma prática cotidiana de observação da realidade local, mobilizando-a como matéria para o trabalho artístico. Adeptos, portanto, dessa renovação artística,[4] observamos no contato daquela juventude com Mário de Andrade uma expansão do significado do movimento modernista. Encontrando nele um crítico aberto ao diálogo, a carta surge como um laboratório de experimentação, no qual o trabalho artístico requer uma disciplina constante para aprimorar-se. A mudança da cultura brasileira não se faria da noite para o dia, exigindo certo vezo para este abrasileiramento, que passava pela qualidade da produção daqueles rapazes. Afinal, sendo esta uma tarefa coletiva, o futuro daquele ideal também estava nas mãos daqueles promissores rapazes de Cataguases.


Notas

[1] O Grupo Verde era composto por Enrique de Resende, Ascânio Lopes, Rosário Fusco, Guilhermino César, Christophoro Fonte-Bôa, Martins Mendes, Oswaldo Abritta, Camilo Soares e Francisco Inácio Peixoto. À exceção de Fonte-Bôa, Mendes e Abritta, é possível verificar o contato do grupo com Mário de Andrade nas cartas coligidas por Menezes (2013).

[2] O tema deste texto foi-me sugerido em minha defesa de mestrado, Planta nova carece de espeque: juventude e aprendizado social do modernismo no Grupo Verde (2024), na qual observei a construção cotidiana do modernismo de forma mais detalhada. Aproveito para agradecer aos membros da banca André Botelho, Maurício Hoelz e Rodrigo Jorge Neves pelos valiosos comentários durante a defesa.

[3] Membro do grupo modernista de Belo Horizonte, Pedro Nava também era um dos jovens mineiros que se correspondiam com Mário de Andrade. Nesse diálogo entre Nava e Mário havia um incentivo para que aquele rapaz continuasse a aprimorar seu traço. Além disso, Nava também já havia ilustrado um livro de Austen Amaro, Juiz de Fora: poema lírico (1926). Para saber mais sobre a relação de Nava com o desenho em sua mocidade, ver Bittencourt, 2017.

[4] A atenção a este ideal modernista pode ser vista desde a primeira edição da Verde, na qual este princípio é afirmado logo em sua apresentação: “Abrasileirar o Brasil é o nosso risco./ Pra isso que a VERDE nasceu./ Por isso que a VERDE vai viver./ E por isso, ainda, é que a VERDE vai morrer” (VERDE, 1927. s/p).

Referências

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MENEZES, Ana Lúcia. (2013). Amizade “carteadeira”: o diálogo epistolar de Mário de Andrade com o Grupo Verde de Cataguases. 433 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira), FFLCH-USP, São Paulo.

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