Há 50 anos, o Vietnã vencia o Império
Outras Palavras publica série de textos sobre um acontecimento crucial do século XX. Análises abrangem a luta contra potências coloniais e os caminhos trilhados pela revolução até hoje. Parte um: a vitória sobre a dominação francesa, em 1954
Publicado 30/04/2025 às 20:02 - Atualizado 30/04/2025 às 20:12

“A própria existência do Vietnã como um país independente e a sobrevivência dos vietnamitas como um povo diferente devem ser vistas como um milagre, para o qual muitos historiadores tentaram, inutilmente, encontrar uma explicação satisfatória” (Joseph Buttinger, historiador austríaco) [1].
“A guerra do Vietnã é um fenômeno típico do século XX: em meio a um cenário de violência total, a miséria e a grandeza humana formam uma unidade indivisível. Nem toda a bibliografia sobre o conflito conseguirá dar a inteira dimensão do padecimento de um povo que ‘fez a história’, sobretudo porque o Terceiro Mundo é atualmente o centro dinâmico da história. Milhões de pessoas simples mobilizaram-se para enfrentar a mais sofisticada tecnologia de morte já criada, e venceram” (Paulo Fagundes Visentini) [2].
“Ação militar sem política é como árvore sem raízes (Ho Chi Minh)” [3].
Saigon foi o epicentro do mundo naquele 30 de abril de 1975. No final da manhã, tanques do Exército de Libertação Nacional irromperam o portão principal do palácio presidencial e soldados hastearam a bandeira que simbolizava a reunificação do Vietnã. Uma nova história estaria para ser contada, pondo fim ao conflito que movimentou corações e mentes ao longo de boa parte da Guerra Fria. Mas como compreender um embate ferrenho, traumático e mortífero que durou três décadas – e que envolveu alternância de agressores imperialistas (França e Estados Unidos), releituras estratégicas, movimentos desencadeados pela confrontação capitalismo versus comunismo (ou EUA versus União Soviética) e a genialidade de duas figuras vietnamitas?
Talvez uma das melhores formas de análise esteja no enquadramento do evento em uma dimensão híbrida, na qual um conjunto considerável de variáveis se sobrepõem e, às vezes de forma contraditória, se entrelaçam. Desse modo, é razoável pensá-lo como uma mola, cujos agentes propulsores reflitam as duas questões principais daquele contexto: a própria Guerra Fria, lançada pelo presidente Harry Truman em 1947, e os inúmeros movimentos de libertação nacional que se espalhavam sobretudo pelas colônias afroasiáticas. Em consonância com o latente desejo (e projeto) pela independência vietnamita, o foco revolucionário emanado no Vietnã acabou se transformando em uma espécie de guerra civil entre o Norte e o Sul, já que os deliberados instintos capitalistas hegemônicos não aceitavam a sua capitulação naquela fachada do Sudeste Asiático, fator que levou à cooptação de elites sul-vietnamitas em prol dos interesses imperialistas. Não é à toa que os comunistas do Norte, liderados por Ho Chi Minh, sempre trataram os sul-vietnamitas que aderiram à causa alheia como “marionetes” ou “fantoches”.
Quanto à conjuntura delineada pela Guerra Fria, o conflito acabou envolvendo direta e/ou indiretamente a República Popular da China (após 1949), a União Soviética, a Coreia do Norte (após 1953) e Cuba, aliados pró-Hanói; Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Filipinas, Tailândia e Taiwan, aliados pró-Saigon; além dos vizinhos Laos e Camboja, parte da Indochina francesa que também acabou obtendo a sua independência. Mas é preciso ir além. Como bem analisou Eric Hobsbawm, o envolvimento estadunidense numa “guerra condenada, contra a qual seus aliados, os neutros e até a URSS os tinham avisado, é quase impossível compreender, a não ser como parte daquela densa nuvem de incompreensão, confusão e paranoia dentro da qual os principais atores da Guerra Fria tateavam o caminho”. E continua, lembrando que o evento “dividiu e desmoralizou a nação, em meio a cenas televisadas de motins e manifestações contra a guerra; destruiu um presidente americano; levou a uma derrota e retirada universalmente previstas após dez anos (1965-75); e, o que interessa mais, demonstrou o isolamento dos EUA” [4].
Entretanto, a análise ainda requer a inserção de dois elementos entranhados no conflito, como será visto no capítulo 2: a adoção de uma articulada e eficiente estratégia de guerrilha, desafiadora a qualquer tipo de guerra convencional, e a questão agrária, tão bem compreendida e trabalhada pelas forças revolucionárias, variáveis nevrálgicas para compreender a vitória do Vietnã pela representatividade da guerra como expressão nacional de uma revolução social, como nos explica Visentini [5].
“É correto que o povo vietnamita possuía larga tradição de resistência nacional e foi capaz de sacrifícios sobre-humanos. Mas isso é insuficiente para conduzir à vitória uma pequena nação camponesa contra uma superpotência militar, industrial e tecnológica. Sem um processo de transformação social que liberasse as potencialidades contidas na maioria da população e uma organização política à altura de tão complexa tarefa histórica, pouco poderia ter sido feito” [6].
Também não é possível falar sobre o conturbado e traumático processo de independência vietnamita sem a devida referência a duas figuras extremamente relevantes. A primeira delas é Ho Chi Minh (foto 1), tido como o pai da pátria. Nascido em 19 de maio de 1890 com o nome de Nguyen Sinh Cung, na aldeia de Kim Lien, norte do protetorado francês de Anam, ainda na adolescência desenvolveu um sentimento contra a administração francesa da Indochina [7]. Aos 19 anos, foi expulso da escola por distribuir jornais anticolonialistas e, dois anos mais tarde, embarcou na tripulação de um navio mercante francês como ajudante de cozinha e viajou pelo mundo – com uma rápida passagem pelo Rio de Janeiro. No retorno, ficou na França e buscou, sem êxito, a independência vietnamita na Conferência de Versalhes, em 1919, que reorganizou o sistema internacional após o fim da Primeira Grande Guerra.

Em 1920, filiou-se ao Partido Comunista Francês (PCF) e assistiu ao Congresso do Partido Socialista Francês realizado em Tours. Contatos com a esquerda francesa, o estudo de economia política e o cotidiano com a desigualdade social de uma sociedade hierárquica e industrializada no coração da Europa ampliaram as suas perspectivas e moldaram um pensamento revolucionário. Tornou-se jornalista profissional e passou a escrever para periódicos de esquerda sobre a exploração vietnamita pelos franceses. Entre 1923 e 1924, ficou em Moscou, onde participou do V Congresso da Internacional Comunista como delegado do PCF e estudou na Universidade dos Trabalhadores Orientais, tendo contato com os métodos revolucionários defendidos por Lênin.
Por suas qualidades de liderança, começou a receber ajuda monetária de Moscou e a viajar constantemente para Paris. Em 1926, fundou a Associação da Juventude Revolucionária Vietnamita em Cantão, na China. Em 1930, organizou o Partido Comunista do Vietnã (PCV) em um encontro secreto em Hong Kong, rebatizado Partido Comunista da Indochina (PCI) um ano mais tarde, quando traçou os objetivos da organização com a elaboração de um plano revolucionário para derrubar o regime francês na Indochina. Ademais, foi nomeado pela União Soviética como chefe do Departamento Comunista do Comintern para o Extremo Oriente, ou seja, o embaixador oficial de Moscou perante os movimentos comunistas em todo o Sudeste Asiático.
Preso pela polícia colonial britânica de Hong Kong, ficou detido entre 1931 e 1932, mas transferido para um hospital penitenciário por causa de uma tuberculose. Solto, viajou para Cingapura, onde foi detido novamente e enviado a Hong Kong. Em 1933, a imprensa britânica noticiou a morte de Ho no cárcere, mas ele havia conseguido escapar clandestinamente com a ajuda de um inglês anti-imperialista. A polícia secreta francesa convenceu-se de seu desaparecimento. Ledo engano: o vietnamita retornara a Moscou. Com habilidade e mesmo à distância, continuou trabalhando nas atividades do PCI, além de ter sido enviado ao sul da China em meio à guerra civil naquele país. Foi lá, em um campo de treinamento militar, que conheceu Vo Nguyen Giap, que se tornaria seu grande companheiro de luta.
Detido pela terceira vez, e com a saúde abalada, convenceu-se de que o movimento revolucionário em gestação dependeria do fim e das consequências da Segunda Guerra. Solto, retornou ao Vietnã, onde ficou sediado em Bac Bo, uma zona de cavernas não muito distante da fronteira com a China. Viu-se isolado e sem suporte material – sem contato com Mao Tsé-Tung, envolvido na guerra contra os japoneses, e com as lideranças soviéticas, empenhadas em derrotar o nazismo na Europa. Em 1941 fundou o Viet Minh, grande e dinâmico movimento de libertação nacional. Entre 1941 e 1942, foi preso novamente, agora na China governada pelo Kuomitang de Chiang-Kai Shek, pois entrara no país disfarçado de repórter chinês.
Solto por consentir ajudar no trabalho da Liga Revolucionária do Vietnã, mesmo que contrariado, retornou ao Vietnã em março de 1944 para se juntar novamente ao movimento que fundara três anos antes. Em agosto de 1945, com a saída dos japoneses, o Viet Minh tomou o poder, e Ho Chi Minh declarou a independência da República Democrática do Vietnã, tornando-se seu primeiro presidente. Os franceses reocuparam a sua colônia e foram derrotados em 1954, mas os Estados Unidos, irredutíveis com um Vietnã comunista, entraram diretamente na guerra contra o Viet Minh desde então. A partir de 19 de dezembro de 1954, Ho Chi Minh, como presidente e líder do país, passou a viver em uma casa simples de estilo vietnamita adjacente a uma outra casa de alvenaria que foi transformada na sede da presidência, em um lindo complexo ornado por um lago e um amplo bosque tropical, na zona norte de Hanói. Foi ali que ele assinou o decreto que instituiu a Constituição da República Democrática do Vietnã, em 1º de janeiro de 1960.
Na década de 1960, Ho Chi Minh desempenhou um papel primordial, embora mais distante da frente de batalha por causa da idade. Com mensagens enviadas para todo o país, seu carisma, sabedoria e senso de oportunidade mantiveram o espírito nacionalista entre grande parte da população vietnamita, não deixando apagar a chama revolucionária que tomou conta da Indochina desde o advento do Viet Minh – e ampliada com a fundação da Frente Nacional de Libertação do Vietnã do Sul (FNL), em dezembro de 1960. Ademais, direcionou grande parte de sua energia ao futuro do país, elaborando e estimulando políticas públicas centradas na implantação de um sistema de ensino universal. Assim, edificou um conjunto de valores e ideias capazes de introduzir na mentalidade da sociedade um processo de desenvolvimento ancorado na educação, juntamente com outros quatro pilares (virtude, corpo, mente e espírito) para servir o movimento revolucionário e trabalhar na construção da nação.
Fotos 2-4 – Ho Chi Minh em seu esforço moral, simbólico e espiritual pela reunificação do Vietnã. Fonte: Memorial Ho Chi Minh (10 jan. 2024)



Foi nessas circunstâncias que Ho Chi Minh também entrelaçou a luta anti-imperialista com o contexto mundial da Guerra Fria, buscando convencer a opinião pública internacional a condenar a brutal agressão estadunidense ao Vietnã, tida como imoral, covarde e injusta. Viajou pelo mundo (visitou 29 países desde que seu tornou presidente) e recebeu jornalistas, diplomatas e políticos no Vietnã do Norte para mostrar in loco a extensão dos bombardeios inimigos e a consequente destruição de alvos civis. Ho Chi Minh não viveu para ver o fim da guerra, e a reunificação do país sob o nome de República Socialista do Vietnã, declarada oficialmente em 2 de julho de 1976. O grande pai da pátria veio a falecer em pleno conflito, em 2 de setembro de 1969, em Hanói, de ataque cardíaco, aos 79 anos. Declarado luto oficial, as forças revolucionárias realizaram um cessar-fogo de três dias para reverenciar o grande líder. Ho Chi Minh deixou um testamento defendendo o prosseguimento do conflito até a vitória final e conclamando a reunificação do movimento comunista internacional.
Convicto da libertação vietnamita, três anos antes de sua morte Ho Chi Minh havia afirmado, em uma entrevista: “Quando a vitória chegar, nosso povo reconstruirá o país” [8]. A cidade de Saigon foi rebatizada com o nome de Ho Chi Minh, e seu corpo jaz embalsamado em um lindo mausoléu situado na capital vietnamita. A sua figura é onipresente em todo o país: nas cédulas, nos cartazes pelas ruas, nos livros escolares. Museus, estátuas, bustos e quadros referenciam o principal artífice da independência nacional. A mensagem estampada no jardim adjacente ao seu mausoléu sintetiza o espírito devocional de sua liderança e carisma: “O grande presidente Ho Chi Minh vive para sempre em nossa trajetória.”
A outra figura é o já citado general Vo Nguyen Giap (foto 5). Nascido na comuna de Loc Thuy, província de Quang Binh, em 25 de agosto de 1911, atuou como membro do Politburo, secretário da Comissão Militar Central, deputado, primeiro-ministro, ministro da Defesa, comandante-em-chefe do Exército Popular do Vietnã e membro da Assembleia Nacional. Chamado pelo povo vietnamita de “general do povo” e “irmão mais velho do Exército Popular do Vietnã”, foi o braço direito de Ho Chi Minh e o principal estrategista militar das forças revolucionárias que lutaram contra o imperialismo, cuja expertise foi reconhecida até mesmo pelos ocidentais. É tido como o grande responsável pela concepção do exército do Viet Minh, dotando-o com três organizações distintas, embora complementares: regulares, regionais e populares. Deixou a vida pública em 1991 e veio a falecer em 4 de outubro de 2013, aos 102 anos.

Esta série, composta por seis capítulos, busca compreender o conflito na perspectiva vietnamita, no que for possível, ajustando a lente para a visão do país que resistiu, enfrentou e expulsou o imperialismo de seu território. No atual mundo dos símbolos e das narrativas não é pouca coisa, primeiramente, se atentar para o fato de que, no Vietnã, as crianças aprendem na escola que o fenômeno histórico, a partir de 1954, foi a “Guerra Americana”, e não a “Guerra do Vietnã”, como determinado pela historiografia ocidental. Assim, não se trata simplesmente de adotar uma leitura político-governamental ou “chapa-branca” deste conflito de envergadura, mas de praticar um esforço dialético para buscar um outro ângulo de um evento que, como já dito, movimentou corações e mentes ao longo de boa parte da Guerra Fria.
Além da leitura de algumas obras escritas no Brasil a respeito, a série conta com farto material coletado em duas visitas ao Vietnã (2020 e 2023-2024), totalizando 41 dias de viagem pelo país, de norte a sul [9]. Um privilégio e uma grande oportunidade para mergulhar nos traumas e nas virtudes de um povo que merece o respeito e a admiração de qualquer ser humano de espírito mais elevado.
O primeiro capítulo mostra um panorama da formação e práxis dos movimentos de libertação nacional que culminaram com o rompimento dos grilhões imperialistas franceses em 1954. O segundo retrata a entrada direta dos EUA na guerra e discute, entre outros pontos, os embates na chamada Zona Desmilitarizada (DMZ) e a relevância estratégica da Trilha Ho Chi Minh, ponto-chave de ligação física (e espiritual) entre o norte e o sul do país. O terceiro explicita, em números e imagens, a brutalidade da agressão estadunidense, que despejou centenas de milhares de bombas e de toneladas de armas químicas em quase todas as partes do Vietnã, causando um trauma que perdura até hoje. O quarto é dedicado ao importantíssimo e fundamental papel da mulher vietnamita no conflito, caracterizado pelo “Movimento das Três Responsabilidades”, baseado na produção, combate e família como suporte do norte à luta no sul. O quinto retrata os dois últimos anos da guerra, da retirada do apoio militar dos Estados Unidos à queda de Saigon, em 30 de abril de 1975, destacando a estratégia desenhada para a ofensiva final que culminou com a tomada do palácio presidencial na capital sul-vietnamita e a proclamação da República Socialista do Vietnã, em 1976. O sexto e último capítulo busca mostrar, em linhas gerais, os caminhos trilhados após o êxito da revolução, com idas e vindas, erros e acertos, avanços e percalços.
A nação, reunificada, mergulhou em um profundo e hercúleo trabalho de reconstrução, em meio aos traumas, contradições (inclusive com seus vizinhos China, Laos e Camboja) e feridas abertas por três décadas de resistência e conflito armado. Mas a inserção no comércio internacional e as reformas econômicas adotadas pelo Partido Comunista desde 1986, batizadas de Doi Moi (renovação), têm resultado em altas taxas de crescimento e implantação de infraestrutura em meio a um processo planejado, em pleno andamento, de urbanização e modernização ao estilo chinês – mas resguardando as peculiaridades socioculturais e as potencialidades do país. E, obviamente, gerando as suas próprias contradições.
De 1990 a 2022, o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) do Vietnã foi de 6,7% ao ano, bem acima dos 2,9% da média mundial e dos 2,1% do Brasil. Entre 1992 e 2020, a população do país cresceu 38,5% (de 69,8 milhões para 96,7 milhões), enquanto o número de pessoas na pobreza extrema (renda diária inferior a USD 2,15, em valores de 2017, ajustados pela Paridade do Poder de Compra) e a taxa de pobreza diminuíram, respectivamente, de 31,5 milhões para 600 mil e de 45,1% para 0,7% [10]. Atualmente, o Vietnã recebe turistas de todas as partes do mundo interessados não apenas em sua história recente, mas também em sua rica cultura, vilas e cidades antigas (Hoi An, Hue), centros urbanos dinâmicos (Hanói, Ho Chi Minh, Danang) e belezas naturais estonteantes (praias, baías de águas cristalinas pontilhadas por formações rochosas, cavernas, montanhas, vales fluviais entremeados por imensos arrozais).
Para alguns analistas, o Vietnã entrou no século XXI na condição de “tigre asiático de terceira geração” [11]. Foi nesse espírito que Lê Mai, ex-vice-ministro das Relações Exteriores, cunhou uma frase famosa, no início dos anos 1990, que simbolizou, em certa medida, uma superação parcial do passado conflituoso. “O Vietnã não é uma guerra, é um país” [12]. E como ficou o inconsciente coletivo da sociedade vietnamita após a guerra? Questão demasiado complexa, mas, como disse um rapaz perto dos 30 anos, guia de turismo em Ho Chi Minh, ao ser perguntado sobre esse sentimento: “Nós perdoamos, mas jamais esqueceremos.”
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Capítulo 1 | Da Indochina francesa ao Acordo de Genebra (1858-1954)
O saguão principal do belíssimo prédio do Correio Central de Ho Chi Minh, maior cidade do Vietnã, ostenta 10 relógios, cinco de cada lado, pendurados em paredes ornadas por pinturas de mapas das linhas telegráficas do Delta do Mekong e da então cidade de Saigon e arredores. Cada um indica o horário de lugares em diferentes continentes: Europa (Paris, Londres e Moscou); Américas (Washington e Califórnia); África (Pretória); Oceania (Canberra) e Ásia (Beijing, Tóquio e Seul). Esta preciosidade decorativa do portentoso prédio em estilo art déco, construído em meados do século XIX quando a cidade de Ho Chi Minh ainda se chamava Saigon, claramente denota a divisão mundial imposta pelos imperialismos europeus daquele contexto. Afinal, o Vietnã, como parte da Indochina (juntamente com Laos e Camboja), compunha uma peça fundamental na rede comercial do imperialismo francês como fornecedor de matérias-primas baratas em situação geográfica privilegiada, com larga faixa litorânea entre a China e a Índia.
Até a fundação da República Democrática do Vietnã (RDV), em 2 de setembro de 1945, foi um longo período de resistência do povo vietnamita desde que forças imperialistas francesas invadiram o país, em 1858, com apoio do Império Espanhol. Várias revoltas eclodiram durante a segunda metade do século XIX, seguidas de movimentos de resistência no início do século XX impetrados por jornalistas, advogados e intelectuais que reivindicavam liberdade de imprensa e democracia, muitas vezes com atentados, e culminando com a fundação do Partido Nacionalista do Vietnã, ocorrido na capital Hanói, em 1927. Entretanto, a ausência de uma ideologia que pudesse agregar forças e de uma liderança competente só foram supridas em um movimento revolucionário pela fundação do Partido Comunista do Vietnã (PCV), concretizado em fevereiro de 1930 – e, curiosamente, em Hong Kong –, com a presença ilustre de Ho Chi Minh. A tarefa era hercúlea, mas em dois anos o PCV – que seria renomeado como Partido Comunista da Indochina, mas que de certa forma se confundia com o PCV por causa da relevância das ações de resistência em solo vietnamita – foi capaz de estruturar a sua organização partidária em comitês e de infiltrar a sua ideologia e a luta anti-imperialista pelas zonas rurais ostentando o entrelaçamento da foice e do martelo como símbolo principal.
Em 1935, a jornalista francesa Andrée Viollis publicou o livro SOS Indochina, escrito a partir de suas observações da visita oficial que fizera ao Vietnã quatro anos antes. Naquela oportunidade, Viollis também conversou com muitos presos políticos e acabou oferecendo um relato devastador da realidade do cotidiano na colônia francesa, que enfrentava a resistência com brutal repressão e sessões frequentes de tortura.
Em julho de 1936, a Conferência do Comitê Central do PCV foi realizada para estabelecer a Frente Unificada Anti-imperialista da Indochina com a coalização de todas as forças patrióticas, progressistas e democráticas e a introdução de formas públicas, secretas, legais e ilegais na luta pelos direitos de liberdade, pelos meios de sobrevivência e pela democracia, seja no âmbito parlamentar, por meio da imprensa ou nas zonas rurais. A impressão maciça de livros e jornais – Bao Ban Dan (jornal Amigos do Povo), Bao Dan Tien (jornal Avanço Popular) e Nhanh Lua (jornal Galho Ascendente) são alguns exemplos – foi extremamente relevante para auxiliar a organização de um movimento de vanguarda com ações revolucionárias. Entre 1936 e 1939, o movimento democrático se espalhou pelo país, forçando os colonialistas franceses a realizarem concessões para algumas demandas nas quais as massas estavam engajadas, tornando-se uma força política revolucionária. Este foi o segundo exercício partidário para preparar todas as forças para a Revolução de Agosto de 1945.
Simultaneamente, emergiam os movimentos que pegariam em armas para derrubar o inimigo. Empunhando martelos, foices, lanças e poucas armas de fogo, os Guardas Vermelhos foram a primeira força armada do PCV, que tinha no horizonte a defesa do povo e do governo revolucionário, mantendo a sua segurança ao mesmo tempo em que combatia as tropas francesas. Seus membros foram recrutados de várias instituições, como Agricultores Vermelhos, Libertação das Mulheres e Liga da Juventude Comunista, e eram organizados em esquadrões e pelotões sob as diretrizes do partido.
Munida com bombas, granadas de cimento, lanças e armas de fogo rudimentares e formada rapidamente em 1939 em muitas comunas, fábricas e firmas (cada uma com seus próprios esquadrões e pelotões) do sul do país, a Guerrilha Nam Ky foi fundamental em muitas áreas rurais e lugares próximos de Saigon, evitando com que os franceses desmantelassem as bases de resistência. O Exército de Salvação Nacional foi uma escolta guerrilheira que operou na base de Bac Son-Vu Nhai entre fevereiro de 1941 e maio de 1945 em três pelotões, totalizando 103 membros. Pela superação de toda sorte de dificuldades, tornou-se a principal força na luta contra o inimigo, proteção das bases revolucionárias e incremento de movimentos revolucionários locais.
O movimento Viet Minh (1941-1945) personifica a construção de uma solidariedade nacional
Um fato novo seria crucial para o destino do Vietnã: a invasão japonesa do Sudeste Asiático, em setembro de 1940, acarretando o enfraquecimento gradativo das forças francesas em toda a Indochina. Em maio de 1941, o 8º Comitê do PCV, sediado em Pac Bo (foto 1), indicou como tarefa prioritária para a libertação nacional o estabelecimento da Aliança do Vietnã pela Independência (popularmente chamada de Viet Minh), cujo objetivo seria juntar todas as forças patrióticas para a construção de uma solidariedade nacional em prol da independência. Até março de 1945, o Viet Minh construiu forças políticas, forças armadas e bases revolucionárias, além de preparar revoltas armadas menores para direcionar rebeliões mais amplas de tomada de poder. Entraram em circulação novas publicações de apelo revolucionário, como os jornais O Vietnã Independente, História do nosso País, A Bandeira da Libertação, A Perseguição do Inimigo e A Salvação Nacional (foto 2), além de panfletos de convocação à luta armada (foto 3).


Em 22 de dezembro de 1944, foi criada a Unidade de Propagação do Exército de Libertação, mediante criteriosa seleção de soldados leais de grupos guerrilheiros e de outros que estavam treinando no exterior. Comandada pelo general Vo Nguyen Giap, a ideia era combinar forças políticas e militares para facilitar as operações com apoio popular nas investidas contra o inimigo, em um estilo de luta com ações rápidas, secretas e inesperadas. Imediatamente após a sua fundação, atacou e destruiu as bases inimigas Phai Khat e Na Ngan em Cao Bang, ampliando consideravelmente as suas forças em várias companhias.

Entre 1944 e 1945, tanto as forças japonesas quanto as francesas obrigaram o povo vietnamita, como esforço de guerra, a substituir plantações de arroz por plantas fibrosas e oleaginosas, como juta, cânhamo, algodão e rícino para utilização como matéria-prima de alimentação e combustível. Como resultado, mais de dois milhões de pessoas morreram de fome. Revoltado com a situação, o PCV propôs o slogan “Destrua celeiros para solucionar a fome” e lançou o movimento de salvação nacional contra o fascismo japonês. Respondendo ao chamado, vietnamitas em todo o país se rebelaram para destruir celeiros japoneses, minimizando rapidamente a questão da fome, pois a produção de arroz seria reativada para fins domésticos.
Com o estágio final da Segunda Guerra Mundial, as condições para a tomada do poder cresceram entre o final de 1944 e o início de 1945 como consequência do enfraquecimento do Eixo no enfrentamento aos Aliados. Em 9 de março de 1945, o Japão destituiu o governo francês, abrindo a oportunidade para o Partido Comunista da Indochina convocar compatriotas por todo o país a se engajar no que chamou de “grande movimento de salvação nacional contra os fascistas japoneses”. Identificado como inimigo da Indochina, emergiram vários movimentos contra a presença japonesa.
No mesmo mês foi formada a Guerrilha Ba To, organizada pelo Partido Comunista da Indochina para operar no combate aos japoneses na Trilha Truong Son, que reunia uma vasta rede de caminhos entre florestas e montanhas para conectar o norte ao sul do Vietnã, muitas vezes penetrando nos vizinhos Laos e Camboja [1]. Chegou a contar com aproximadamente duas mil tropas, sendo a principal força de apoio aos movimentos populares de retomada do poder na província de Quang Ngai. No final de abril, um grande número de comunas, distritos e cidades havia sido libertado. Em maio de 1945, uma ofensiva da Unidade de Propagação do Exército de Libertação na cidade de Thai Nguyen demarcou o início de revoltas gerais para a tomada de poder em todo o país. Sua junção com o Exército de Salvação Nacional e outras forças deu origem ao Exército de Libertação do Vietnã. A base de Tan Trao (província de Tuyen Quang) foi escolhida como a capital da Zona de Libertação, onde Ho Chi Minh se estabeleceu e trabalharia durante todo o período de resistência contra o colonialismo francês, até 1954, com importantes decisões para a consecução da Revolução Vietnamita.
Com a rendição japonesa em 12 de agosto, várias rebeliões ocorreram por todo o país e, no dia seguinte, a Conferência Nacional do PCV decidiu estabelecer um governo provisório liderado por Ho Chi Minh e editar a ordem militar nº 1, conclamando uma revolta geral para tomar o poder em todo o Vietnã. Após o ato, o Congresso Nacional foi instalado e aprovou as dez principais políticas para a frente do Viet Minh, dentre as quais o Comitê de Liberação Nacional, o governo provisório comandado por Ho Chi Minh e as bandeiras e hino do Vietnã. Em 16 de agosto, o Exército de Libertação marchou a partir de Tan Trao, iniciando uma série de revoltas para a tomada do poder.

No dia 19, dezenas de milhares de pessoas em Hanói saíram as ruas e, muitas delas armadas, ocuparam as representações do Japão e da França (foto 4). Ao longo de duas semanas revoltas se sucederam em várias cidades – como em Hue e Saigon –, estrangulando a ocupação japonesa e o regime colonial. Em 30 de agosto, o imperador Bao Dai anunciou a sua abdicação [2]. Era o fim do feudalismo e do colonialismo no Vietnã. Em 2 de setembro de 1945, na Praça Ba Dinh, em Hanói, o presidente Ho Chi Minh, em nome do governo provisório, leu a Declaração de Independência, documento que marca o nascimento da República Democrática do Vietnã (foto 5).

No dia seguinte houve a primeira reunião do governo provisório, na qual Ho Chi Minh propôs que fosse organizada uma eleição geral para a composição da Assembleia Nacional e de um governo eleito.
Para salvar o país e resguardar a independência nacional: nova ofensiva contra o imperialismo francês (1945-1954)
A República Democrática do Vietnã, declarada em 2 de setembro de 1945, foi resultado do sucesso de monumental empreitada revolucionária, mas nasceu em um ambiente de muitas dificuldades: economia arrasada, baixíssimo orçamento, campos desertos, fome crescente e alta taxa de analfabetismo. O governo provisório liderado pelo presidente Ho Chi Minh formulou muitas políticas para estabelecer o governo revolucionário do nível central ao local, gradualmente restaurar a economia do país, ampliar o Exército e erradicar o analfabetismo. Uma ampla campanha nacional de mobilização pelo voto foi colocada em execução para mobilizar os cidadãos a gozar de seu direito a escolher o novo governo.
Ademais, o imperialismo europeu não estava preparado para acatar a declaração de independência do Vietnã, cuja mensagem ecoara pela Ásia e África. Tropas britânicas assumiram o comando do país – a França estava reorganizando as suas Forças Armadas após a ocupação nazista – e sufocaram a independência recém-proclamada. Nesse contexto, cabe destacar que o governo precisou negociar com muitas forças militares estrangeiras que haviam adentrado o Vietnã. Do paralelo 16 ao norte, constavam cerca de 200 mil homens enviados por Chiang-Kai Shek, então presidente da República da China, com o pretexto de auxiliar os Aliados a derrotar o Japão. Do paralelo 16 ao sul, havia 60 mil soldados japoneses, além de 20 mil tropas britânicas que facilitaram o reingresso de forças francesas – que abriram fogo em Saigon em 23 de setembro de 1945, fato que deu início a uma segunda invasão do Vietnã. Diante de muitos inimigos e com o destino nacional em risco, o governo provisório desenvolveu flexibilidade, inteligência e determinação com as forças estrangeiras para proteger o seu novo status de independência nacional.
Um acordo firmado em março de 1946 entre Ho Chi Minh e o representante francês Jean Sainteny “acatava a substituição dos chineses pelos franceses em troca do reconhecimento, pela França, do Estado livre do Vietnã, no seio da Federação Indochinesa e da União Francesa” [3]. Estava livre, mas não independente, pois o governo francês recusava-se a utilizar a expressão Doc Lap (independência em vietnamita). “Da mesma forma, não quiseram reconhecer de maneira explícita a unidade dos três Ky, como era chamado o conjunto de áreas que compreendia Tonkin, Anã e Conchinchina, outra reivindicação dos tonquineses, considerando que a sorte da Conchinchina, colônia francesa, não podia ser decidida sem intervenção legislativa e autodeterminação local” [4].
Também é preciso ressaltar que a guerra de resistência vietnamita foi travada em simultâneo com a construção do país, transformando-se em uma condição nevrálgica para a vitória militar. Embalados pelo slogan “Emulação patriótica”, o incremento da produção e a implantação de uma economia de autossuficiência sempre foram ações trabalhadas pelo Partido Comunista do Vietnã (PCV), que buscou o desenvolvimento agrícola, industrial, do sistema de transportes, dos correios e financeiro (com a própria emissão de moeda) como suportes materiais à resistência e estabilização das finanças.
O setor cultural também foi extremamente relevante ao longo da guerra de resistência. Com o slogan “Tudo pela vitória”, houve o desenvolvimento de várias atividades, como a organização de exibições, performances e impressão de livros, que buscavam sempre projetar aos vietnamitas a combinação de um sentimento nacional, popular e científico. O campo educacional focou no combate à erradicação do analfabetismo, em todo o país, pelo movimento de “Educação popular”. O partido e o governo não apenas criaram um novo sistema educacional, mas enviaram gestores e estudantes para aprender no exterior e introduzir progressos intelectuais para a reconstrução da nação. Também foram abertos cursos livres para montar um quadro médico em Viet Bac e nas zonas liberadas, atendendo a demandas militares e civis.
Após um grande apelo de mobilização nacional, uma sucessão de batalhas para encurralar as forças francesas
Em 6 de janeiro de 1946, ocorreu a eleição geral, que contou com 90% de participação para a escolha dos 333 deputados e do governo oficial, sob o comando de Ho Chi Minh. No centro e no norte do país a população ainda elegeu os Conselhos Populares nos níveis de província e comuna pelos princípios do sufrágio universal, e os Comitês Administrativos também foram estabelecidos em todos os níveis. Em 9 de novembro de 1946, a Assembleia Nacional aprovou a primeira Constituição da República Democrática do Vietnã, afirmando o direito do povo vietnamita à liberdade e à democracia.
Com a intenção de se impor e dominar o Vietnã mais uma vez, o imperialismo francês incrementou sabotagens para invalidar tratados assinados e exigiu a rendição do povo vietnamita. Recusou-se a implementar os acordos assinados em 6 de março de 1946 e a Convenção Temporária de 14 de setembro do mesmo ano, e estabeleceu, contra os interesses vietnamitas, a “Cochinchina autônoma” no sul do país. Em novembro, as tropas francesas, vindas do desembarque em Danang, atacaram Haiphong e Lang Son, no norte, além de, na capital Hanói, provocar massacre de civis nas ruas Yen Ninh e Hang Bun e atacar o Ministério das Finanças. Em 18 de dezembro, enviaram um ultimato exigindo a dispersão das forças armadas do Vietnã. Em caso contrário, haveria novas ações militares na manhã do dia 20, um domingo.
Em situação de emergência, o PCV decidiu lançar a Resistência Nacional, assinada pelo ministro da Defesa com ordens para que vários campos de batalha fossem abertos em todo o país de forma simultânea às 20h do dia seguinte (sábado, dia 19). No cair da tarde do sábado, Ho Chi Minh conclamou o “Chamamento pela defesa nacional” e apelou para alguma forma de resistência nacional, declarando que “quantas mais concessões forem feitas, mais longe irão os franceses colonialistas”. Para o grande líder vietnamita, “tudo deve ser sacrificado para que não se perca o nosso país, e não retornemos a ser escravos”, exigindo um “grande movimento nacional de resistência de todas as pessoas, de muitas maneiras, por quanto tempo que seja, e no espírito de autor-resiliência” [5].
Depois de frustradas tentativas de conciliação e concessões com a França para resguardar a independência nacional, todas as forças em Hanói abriram fogo pelo Dia Nacional de Resistência, respondendo ao apelo de Ho Chi Minh. Era o início de um autodeclarado movimento de resistência nacional, na qual as Forças Armadas vietnamitas e grupos civis surpreenderam e atacaram o exército francês em várias cidades do país. Na capital Hanói, foram necessários dois meses de luta ininterrupta para evitar que as forças francesas tomassem o poder, com a instalação de inúmeras barricadas pelas vias públicas e o uso intensivo dos “soldados suicidas”, que se jogavam nos tanques franceses com uma bomba em punho (foto 6). A partir desse momento, foram acionadas as forças de resistência para proporcionar o retorno seguro do Comitê Central do PCV e do governo à base de Viet Bac e para a movimentação de armazéns, fábricas e maquinário de combate para os campos de batalha rumo a uma guerra de resistência de longo prazo.
Em outubro de 1947, os franceses empreenderam a marcha Lea, dividindo a sua tropa de elite em três direções com o objetivo de atacar Viet Bac com um movimento de pinça, destruindo rapidamente o principal foco militar de resistência vietnamita. Em resposta, o Comitê Central do PCV elaborou a diretriz para destruir a ofensiva francesa no inverno, estratégia que durou 75 dias e foi capaz de manter a integridade da Viet Bac, frustrando a expectativa francesa de “luta rápida, vitória rápida”.

Falhadas as táticas em ritmo acelerado, os franceses foram forçados a empreender ataques de longo alcance, dando meia volta para reforçar áreas ocupadas e tomar zonas livres, implementando a política de “usar vietnamitas para lutar com vietnamitas, usar a guerra para florescer guerra”. No processo de invasão do Vietnã e do estabelecimento de um regime linha-dura, além da organização de tribunais e de forças policiais, os franceses construíram rapidamente um sistema prisional em vários níveis (do local ao central), para encarcerar e perseguir soldados revolucionários com o objetivo de aterrorizar a população e prevenir revoltas e rebeliões populares. Mas as precárias condições de encarceramento e brutais formas de tortura – não por acaso o sistema era chamado de “inferno na Terra” – não intimidaram o desejo dos soldados revolucionários detidos de lutar pela independência do país, buscando resiliência e a continuação dos trabalhos, mesmo que em outra situação. O slogan “Transforme a prisão em uma escola revolucionária” fortalecia o movimento de solidariedade com a experiência da redação de documentos políticos e teóricos no interior do cárcere, que posteriormente seriam utilizados em ações de treinamento.
Consciente da conspiração do inimigo, o PCV concentrou-se em desenvolver guerras de guerrilha para destruir os planos franceses. “Ao definir uma estratégia de guerra prolongada, Giap organizava uma guerrilha sistemática que permitiria a passagem progressiva para a constituição de formações capazes de passar à contra-ofensiva geral no momento oportuno” [6]. Desse modo, três campanhas foram pensadas para um avanço gradual: Yen Bai (1948), Song Thao (1949) e Le Hong Phong (1950). Cartilhas foram produzidas para incentivar o alistamento/treinamento militar, além de estimular o incremento da produção (fotos 7-8).
Fotos 7-8 – Cartilhas de incentivo ao alistamento/treinamento militar e incremento da produção (1950-1951) Fonte: Museu Nacional de História (16 jan. 2024)


Em particular, a Campanha da Fronteira, em setembro de 1950, contribuiu para mudar o jogo no campo de batalha, pois o Exército vietnamita entrou em uma fase estratégica de contra-atacar o inimigo. O início se deu em Cao Bang, com o objetivo de destruir as guarnições francesas com a entrada do apoio militar dos países socialistas – União Soviética e da própria China, sob comando do Partido Comunista desde a Revolução Maoísta de 1949 –, permitindo a expansão das bases vietnamitas. Mas para que essa estratégia fosse viável, seria necessário deixar livre a fronteira com a China, ao norte. Sob comando do general Giap, foi a mais significativa ação militar vietnamita, com alto valor estratégico. O presidente Ho Chi Minh foi pessoalmente ao teatro de operações, a fim de encorajar os soldados.
A operação perdurou por 29 dias, de forma ininterrupta, resultando na morte de 8 mil soldados inimigos e na liberação de cinco distritos, 12 cidades e 750 km da linha de fronteira, onde viviam cerca de 350 mil pessoas. A base Viet Bac foi expandida e o suporte militar soviético e chinês pôde ser iniciado. Importante ressaltar, ainda, o fato de que o êxito da campanha de certa forma fraturou a política conspiratória francesa e anulou o plano de estabelecer “terras autônomas” para algumas minorias étnicas.
Interessante notar o contexto da Guerra Fria naquele momento, que se alastrava pelo Extremo Oriente. Entre 18 e 30 de janeiro de 1950, tanto China quanto União Soviética já haviam reconhecido a RDV como única representante do povo vietnamita. Em 7 de fevereiro, EUA e Grã-Bretanha, logo seguidos por outros países ocidentais, reconheciam os novos Estados associados do Vietnã, Laos e Camboja. Na França, o Partido Comunista lançava a campanha “paz no Vietnã”, incentivando sabotagens e ações violentas contra os reforços militares franceses. Entretanto, os EUA rapidamente admitiram a necessidade de ajuda militar ao país europeu, concretizada a partir de 30 de junho. Cinco dias depois, a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul, e o presidente estadunidense Truman decidiu pela intervenção militar.
O Segundo Congresso Nacional do Partido Comunista da Indochina ocorreu entre 11 e 19 de fevereiro de 1951, na província de Tuyen Quang, e decidiu separá-lo, gerando partidos próprios para Vietnã, Laos e Camboja, com plataformas mais adequadas às especificidades da realidade revolucionária de cada país. No Vietnã, Ho Chi Minh e Truong Chinh foram, respectivamente, alçados à condição de presidente e secretário-geral do partido. Do fim de 1951 ao começo de 1953, foram abertas as campanhas do Noroeste e de Hoa Binh, coordenadas pelo Exército Pathet Lao para, assim, arquitetar a Campanha do Alto Laos. Esses movimentos foram capazes de eliminar boa parte da vitalidade e dos meios de guerra do Exército francês, liberando áreas estratégicas e reforçando a base de Viet Bac. Abaixo seguem os dados das principais campanhas vietnamitas, por ordem cronológica:
- Campanha da Fronteira (06/09 a 14/10 de 1950), em Cao Bang-Lang Son: foi uma vitória estratégica, pois, além da enorme captura de armas e material de guerra, contribuiu para mudar o curso da guerra e proporcionou um salto da organização e direção do Exército do Vietnã. As forças inimigas contaram com 11 batalhões e nove companhias com soldados europeus e africanos.
- Campanha Hoa Binh (10/12/51 a 23/02/52): sob o comando do general Giap, contou com seis unidades militares e forças locais. Os franceses lutaram com 13 batalhões de infantaria, três batalhões paraquedistas, quatro batalhões de artilharia, um batalhão de blindados, uma companhia de engenharia e um pelotão de tanques. Resultado: cerca de 6 mil soldados inimigos mortos; captura de armas; liberação da área de Hoa Binh-Song Da; manutenção da comunicação entre o Viet Bac e as regiões 3-4 e dispersão dos campos de batalha franceses.
- Campanha do Alto Laos (13/04 a 18/05 de 1953): conduzida pelo Exército Popular do Vietnã em colaboração com o Exército Pathet Lao em Sam Nua e Xieng Khoang. As forças vietnamitas contaram com três unidades, um regimento e alguns batalhões. Resultado: destruição da Unidade Francesa Lao-Viet; captura de 2.800 soldados franceses; liberação de Sam Nua e parte das províncias de Xieng Khoang e Phung Xa Li; expansão da base de resistência no Laos e a sua conexão com a zona liberada do noroeste vietnamita.
- Campanha Tay Bac (14/10 a 10/12 de 1952): sob o comando do general Giap, ocorreu no noroeste do país. As forças vietnamitas contaram com três regimentos, um batalhão, nove companhias de morteiros (75mm e120mm), um regimento de engenharia e 11 companhias de soldados locais. As forças francesas foram a campo com oito batalhões e 43 companhias de infantaria, que ganharam o reforço, posteriormente, de nove batalhões de infantaria, um batalhão paraquedista, um batalhão misto, um batalhão de artilharia e outros três batalhões. Resultado: destruição de quatro batalhões e 28 companhias; liberação de uma grande área em zona estratégica; conexão com o Viet Bac e frustração da implantação da “Zona Autônoma do Thai” pela França.
Em meio à Guerra Fria, e disposta a encerrar a resistência a qualquer custo, a França lançou o Plano Navarre, arquitetado e dirigido pelo general Henri Navarre, comandante-em-chefe do Exército Expedicionário Francês na Indochina. Consistia em duas etapas, a serem executadas em 18 meses. A primeira, entre o outono e o inverno de 1953 e a primavera de 1954, abrangia uma estratégia defensiva no norte e outra ofensiva no sul. A segunda, entre o outono e o inverno de 1954, concentraria todas as forças para uma batalha decisiva contra o Viet Minh no norte. O plano foi baseado em maiores esforços orçamentários do governo francês e da ajuda dos Estados Unidos, com tropas, uma grande quantidade de equipamento bélico e a transferência das potentes estratégias de blocos de manobra. Além do incremento financeiro que já vinha ocorrendo desde 1950 (tabela 1), o Exército francês recebeu dos EUA (foto 9), entre 1945 e 1954, nada menos do que 350 aviões, 390 fragatas de combate, 1.400 tanques e veículos armados, 16 mil caminhões, 175 mil armas de fogo e 255 milhões de munições de todos os calibres, dos quais 15 milhões de projéteis de canhão [7].

Tabela 1 – Gastos com a guerra de reconquista da Indochina (1950-1954)
(em bilhões de francos)
Ano | Custo total | Ajuda dos EUA |
1950 | 214,5 (80,5%) | 52 (19,5%) |
1951 | 322,8 (83,9%) | 62 (16,1%) |
1952 | 365 (64,6%) | 200 (35,4%) |
1953 | 365 (56,2%) | 285 (43,8%) |
1954 | 196 (26,1%) | 555 (73,9%) |
Total | 1.463,3 (55,9%) | 1.154 (44,1%) |
Fonte: Museu de Reminiscências da Guerra (1º fev. 2020).
Em resposta ao plano franco-estadunidense de pacificar o Vietnã em 18 meses, em setembro de 1953 o Politburo decidiu abrir a Campanha Inverno-Primavera 1953-1954, que consistia em estudar e selecionar as fraquezas do inimigo para obrigá-lo a dispersar as suas forças, acelerar a guerra de guerrilha e manter as iniciativas nos campos de batalha. Consequentemente, o Plano Navarre precisou ser ajustado, com a concentração maciça das tropas inimigas em Die Bien Phu, que acabou se configurando como um complexo militar. Em outubro de 1953, tropas regulares do Exército Popular do Vietnã seguiram para lutar nas campanhas Lai (10 a 20 de dezembro de 1953) e do Norte de Tay Nguyen (26 de janeiro a 17 de fevereiro de 1954). Em coordenação com as forças armadas revolucionárias de Laos e Camboja lançaram ofensivas pela Indochina.
As campanhas do Laos Central (29 de janeiro a 13 de fevereiro de 1954) e do Baixo Laos e Nordeste do Camboja (30 de janeiro a abril de 1954) arrasaram com as tropas francesas e expandiram as zonas liberadas. Combinadas com guerras de guerrilha em várias porções do território (Delta do Mekong, Bin-Trien, sul e região central), as campanhas supracitadas dispersaram as forças francesas em várias direções, que ficaram em situação passiva. Resultado: 144.400 soldados inimigos mortos ou capturados vivos, amplo equipamento destruído (224 aviões, 93 canoas, 81 peças de artilharia, 40 locomotivas e 250 caminhões) e o confisco de 30 peças de artilharia e 30.840 armas de todos os tipos.
Diante da situação almejada, o partido e o governo mobilizaram a população para a Campanha Die Bien Phu, que contou com cerca de 55 mil soldados de cinco companhias (inclusive com as suas respectivas unidades de engenharia, transporte, comunicação e médica), 260 mil bombeiros e cerca de 600 carros, 20 mil bicicletas, 11.800 barcos e 27,4 mil toneladas de arroz coletadas pelo Exército. “Todos para a linha de frente, todos pela vitória” foi o slogan elaborado para motivar a ofensiva que marcaria o fim da ocupação francesa no Vietnã. Empreendida entre 13 de março e 7 de maio de 1954, sob comando do general Giap, destruiu o estratégico complexo militar francês e encerrou a sua ocupação imperialista na Indochina.
A ofensiva, que contou com três estágios, foi planejada com a estratégia de “ataque rápido, rápida vitória”, mas alterada para “ataque persistente, avanço estável” por causa do fortalecimento do sistema defensivo inimigo. No primeiro, que durou apenas quatro dias, dois ataques-chave no norte e nordeste (Him Lam e Doc Lap) forçaram a rendição da base de Ban Keo. No segundo, entre 30 de março e 30 de abril, foi atacado o flanco oriental de bases inimigas e tomado o aeroporto Muong Thanh, interrompendo o suporte aéreo francês. No terceiro e último, entre 1º e 7 de maio, a última base francesa no leste foi atacada, cercando a zona de Hong Cum, seguida da arremetida final sobre a sede do complexo militar francês (foto 10).

A tomada do quartel-general francês, em 7 de maio de 1954, levou o governo francês a assinar o Acordo de Genebra, em 21 de julho, colocando fim à guerra de resistência de nove anos e restaurando a paz, mesmo que temporária, em toda a Indochina – Laos e Camboja há haviam obtido a independência em 1953. Ministros de Grã-Bretanha, EUA, União Soviética e França buscaram elaborar um plano que pudesse levar a uma saída pacífica e, após longa negociação com o Viet Minh, ficaram acordados cinco pontos: a divisão do Vietnã em dois Estados no paralelo 17 (o do norte, governado por Ho Chi Minh, e o do sul, comandado por Ngo Dinh Diem, um ferrenho opositor do comunismo); a retirada total do Exército francês; a evacuação das tropas do Viet Minh do Vietnã do Sul; a permissão para que os vietnamitas pudessem escolher livremente em qual lado gostaria de viver e eleições gerais em todo o país, que deveriam ocorrer até julho de 1946 sob supervisão de uma comissão internacional.
A princípio, os principais líderes do Viet Minh não viram com bons olhos a divisão do país, mas Ho Chi Minh os convenceu de que se tratava de uma situação temporária e que as eleições gerais redundariam na união do Vietnã. E, apesar da relutância do representante francês em aceitar a designação de Diem para governar o sul – considerado incapaz e inseguro pelos europeus –, os EUA mantiveram a sua indicação por ter vivido quatro anos no país e por conta de seu caráter anticomunista. Mas a situação começou a mudar quanto Diem recusou, logo de imediato, as medidas desenhadas por Washington, impondo ações duras que desagradavam os sul-vietnamitas, seus potenciais futuros eleitores.
Um novo capítulo estava para ser escrito naquela parte do mundo, em plena efervescência da Guerra Fria. Afinal, como diz a música El derecho de vivir en paz,do chileno Víctor Jara [8]:
El derecho de vivir
Poeta Ho Chi Minh,
que golpea de Vietnam
a toda la humanidad.
Ningún cañon borrará
el surco de tu arrozal.
El derecho de vivir en paz.
Indochina es el lugar
mas allá del ancho mar,
donde revientan la flor
con genocidio y napalm.
La luna es una explosión
que funde todo el clamor.
El derecho de vivir en paz.
Tio Ho, nuestra canción
es fuego de puro amor,
es palomo palomar
olivo de olivar.
Es el canto universal
cadena que hará triunfar,
el derecho de vivir en paz.
Notas da Introdução:
[1] LLOYD, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Minh. São Paulo: Nova Cultural (Coleção Os grandes líderes), 1987, p.30.
[2] VISENTINI, Paulo Fagundes. A Revolução Vietnamita. São Paulo: Editora Unesp, 2007 (Série “Revoluções do Século 20”), p.89, grifos do original.
[3] LLOYD, op. cit., p.34.
[4] HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). 2. ed. 50. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p.241.
[5] [6] VISENTINI, op.cit., p.90, grifos do original.
[7] A Indochina francesa era composta, desde meados do século XIX, pelos protetorados do Laos, Camboja, Tonquim e Anam e a colônia da Conchichina. Os três últimos formavam o Vietnã, que havia sido organizado em 1804 por um príncipe da Dinastia Nguyen, das fronteiras com a China ao Golfo do Sião (atual Golfo da Tailândia), totalizando pouco mais de 331 mil km2 de área territorial (pouco menor do que o Mato Grosso do Sul).
[8] LLOYD, op. cit., p.91.
[9] Material iconográfico e historiográfico coletado nos seguintes museus e sítios históricos: Hanói (museus Nacional de História, da Mulher Vietnamita, de História Militar do Vietnã, Ho Chi Minh e de Belas Artes do Vietnã; antiga residência, memorial e mausoléu de Ho Chi Minh); Ho Chi Minh, antiga Saigon (museus de Reminiscências da Guerra, da Cidade de Ho Chi Minh, de Belas Artes e de História; complexo de túneis de Cu Chi e Palácio da Independência); Danang (museus de Danang e Ho Chi Minh); Can Tho (Museu de Can Tho); Hue (Museu Ho Chi Minh); Ninh Binh (Museu de Ninh Binh) e Zona Desmilitarizada (museus DMZ e de Quang Tri, base de Mie Doc, pavilhão nacional no Rio Ben Hai e complexo de túneis de Vinh Moc).
[10] FUCS, José. Crescimento faz Vietnã superar pobreza extrema, jornal O Estado de S. Paulo, Internacional/A13, 18 fev. 2024.
[11] Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong seriam os tigres da primeira geração; Cingapura, Malásia, Tailândia e Indonésia, da segunda.
[12] FUCS, op. cit., Internacional A/12.
Notas do Capítulo 1
[1] Com a entrada dos EUA na guerra, a Trilha Truong Son foi expandida, incrementada e renomeada Trilha Presidente Ho Chi Minh, sendo de fundamental importância para a vitória vietnamita, como será visto no capítulo 2.
[2] Bao Dai tornou-se imperador do Vietnã em 1925, após a morte do pai, mas com poderes limitados pelo imperialismo francês. Com a expulsão dos franceses pelos japoneses durante a Segunda Guerra, foi forçado a declarar a independência do país, fato que não se concretizou por causa da posterior derrota nipônica. Assim, foi persuadido por Ho Chi Minh a abdicar em 25 de agosto de 1945, tornando-se “conselheiro supremo” do novo governo instituído em Hanói. Por causa da instabilidade política, foi enviado para representar o país em Hong Kong e na China, mas, aliciado pelos franceses, retornou ao Vietnã em 1949 como chefe de Estado, e não como imperador. Desinteressado pelas questões vietnamitas, Bao Dai se transferiu para a França, mas os franceses, agora com apoio dos EUA, o mantiveram como representante oficial do governo do Vietnã do Sul. Com a paz estabelecida pelo Acordo de Genebra, mudou-se novamente para Paris e indicou o nacionalista Dinh Dien como primeiro-ministro. Com a contestada derrota para Dien nas eleições fraudulentas de 1955, abdicou ao trono vietnamita e foi para o exílio definitivo na França, onde morreu em 30 de julho de 1997, aos 83 anos.
[3] [4] DELMAS, Jean. Indochina 1946-1950: as raízes da guerra. História Viva. São Paulo: Duetto Editorial, n.15, jan. 2005, p.63.
[5] Declarações extraídas do Museu da Revolução (16 jan. 2024).
[6] DELMAS, op. cit., p.70.
[7] Dados extraídos do Museu de Reminiscências da Guerra (1º fev. 2020).
[8] Víctor Jara, 40 anos de idade, ativista político e um dos artistas ícones da contracultura chilena, foi preso, torturado e brutalmente assassinado pela ditadura militar de Augusto Pinochet em 16 de setembro de 1973, cinco dias após o golpe de Estado que destituiu o governo do socialista Salvador Allende. Seu corpo foi encontrado fuzilado e com vários ossos fraturados em uma favela da capital Santiago.
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