Tarifaço de Trump: Um pontapé para despertar o Brasil?

“Tarifaço” impactará a balança comercial – e exige que o governo deixe a letargia. Se isso ocorrer, haverá oportunidade para desacomodar o Brasil, hoje dependente da exportação de commodities, e impulsionar a reindustrialização

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Donald Trump anunciou a imposição de uma tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio dos EUA, medida que entra em vigor em 12 de março de 2025. Isso podia ser esperado; em seu primeiro mandato o presidente estadunidense já havia estabelecido tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio. Naquela ocasião, em 2028, definiu também tarifas sobre inúmeros produtos chineses, em áreas sensíveis como eletrônicos, móveis e eletrodomésticos. Essa política compõe um plano de retomada da indústria no país, que passa também por outras medidas: política de atração de empresas industriais estrangeiras, concessão de incentivos fiscais, ofertas de terras federais para plantas industriais e a criação de zonas especiais com impostos reduzidos para produção industrial (tipo Zona Franca de Manaus).

Assim, os aumentos de tarifas estão no contexto de um plano mais geral de recuperação da indústria norte-americana, que hoje responde por 17,9% do PIB e 19% da força de trabalho. Mesmo para os EUA a reindustrialização do país é um grande desafio, porque a política vigente nas últimas décadas era a de importar produtos industriais baratos da China e outros países. Ademais, o custo da mão de obra, apesar de ter caído nos últimos anos, é alto em comparação com outros países concorrentes. Além disso, a própria política de aumento de tarifas deve pressionar a inflação e levar a retaliações comerciais de outros países, que irão responder aos ataques, ou já o estão fazendo.

Os EUA produzem aço e alumínio, mas abaixo da necessidade de sua economia. Por exemplo, no ano passado o país importou 26,4 milhões de toneladas de aço, ficando na condição de segundo maior importador mundial (atrás apenas da União Europeia). No setor de alumínio é a mesma coisa. Apesar do país ter uma produção elevada (860 mil toneladas, mais 3,4 milhões de toneladas em reciclagem, em 2023), a demanda é suprida através de grandes volumes de importação. Em 2024, os principais fornecedores de aço para os EUA foram:

  • Canadá: 5,95 milhões de toneladas (22,7% das importações americanas).
  • Brasil: 4,08 milhões de toneladas (15,6%).
  • México: 3,19 milhões de toneladas (12,2%).
  • Coreia do Sul: 2,55 milhões de toneladas (9,7%).
  • Vietnã: 1,24 milhão de toneladas (4,7%).

O quadro da produção de aço no mundo em 2024, por sua vez, dá o tom das dificuldades que terão os EUA pela retomada da produção industrial:

  1. China: 1,01 bilhão de toneladas
  2. Índia: 149,6 milhões de toneladas
  3. Japão: 84 milhões de toneladas
  4. Estados Unidos: 79,4 milhões de toneladas
  5. Rússia: 70,7 milhões de toneladas
  6. Coreia do Sul: 63,5 milhões de toneladas
  7. Turquia: 36,9 milhões de toneladas
  8. Brasil: 33,7 milhões de toneladas
  9. Irã: 30,9 milhões de toneladas
  10. Vietnã: 22,1 milhões de toneladas

No ranking acima, destaque absoluto para os países asiáticos e para os países que compõem o Brics (com China muito à frente), bloco que, para a política de Trump, é o “inimigo a ser batido” (ou abatido).

Ao praticar políticas que visam proteger a economia norte-americana da concorrência, o presidente dos EUA tenta promover uma espécie de “desglobalização”. Não apenas através de aumento de tarifas, mas também da renegociação de acordos comerciais e da retirada dos EUA de tratados internacionais. Foi o caso da saída do Acordo de Paris, feita com a alegação de que o pacto prejudicava a economia norte-americana e beneficiava países concorrentes, restringindo o desenvolvimento da indústria e resultando em perda de empregos no país.

Não se sabe se a política protecionista de Trump terá muito fôlego, porque mesmo dentro dos EUA já há muita oposição em relação a ela. Nos meios empresariais, na imprensa, no meio acadêmico e no interior do próprio Partido Republicano, há muitas manifestações contra essas medidas, especialmente em relação aos riscos de retaliações de outros países e de aumento de custos para consumidores e empresas. É muito cedo para prognósticos taxativos, mas se a política protecionista de Trump progredir, pode levar a uma reconfiguração na forma de produção, com impactos importantes nas cadeias de produção globais. Por exemplo, o aumento de tarifas eleva os custos de insumos para indústrias que dependem do aço e alumínio importados, no setor automobilístico e da construção civil, impactando no lucro destes setores. Por outro lado, as grandes empresas multinacionais, que têm muitos recursos para contornar os efeitos do aumento de tarifas, podem, por exemplo, realocar investimentos em países não impactados pelas medidas, ou mesmo priorizar fornecedores locais.

Do ponto de vista dos países subdesenvolvidos, ou mesmo dos demais países imperialistas, a resposta adequada para a política de Trump seria proteger a indústria nacional, da mesma forma. Claro, procurando sempre equilibrar as ações de proteção à indústria nacional com o cuidado para que a população não pague os custos da política, seja por uma maior inflação ao consumidor, seja pelo aumento do desemprego. Substituir importações com critérios cuidadosos pode reduzir custos e reter no país uma maior parte da riqueza produzida. Pode inclusive aumentar o nível de nacionalização da economia, com o estímulo, por exemplo, da criação de empresas em determinadas áreas. Nos países subdesenvolvidos a globalização veio associada ao processo de desnacionalização e vendas de empresas fundamentais para grandes grupos multinacionais. O Brasil mostra bem isso, pois na década de 1990, combinou a privatização de empresas estatais fundamentais, com a venda de empresas privadas importantes para grupos multinacionais, processo que se intensificou após a crise financeira de 2008.

Nos países subdesenvolvidos a desnacionalização da economia veio acompanhada do enfraquecimento do Estado, o que debilitou ainda mais a inserção externa desses países. Um processo de substituição de importações só pode ser realizado por um Estado minimamente fortalecido, que tenha massa crítica para planejar o processo, e capacidade política para implementar tal política econômica. A China tem muito o que ensinar nessa área, pois conseguiu aproveitar a onda mundial de globalização para alavancar muito o seu desenvolvimento. O desenvolvimento econômico está longe de ser uma consequência natural de uma política econômica “adequada”. Os países que conseguiram se desenvolver o fizeram por ter encarado a luta pela soberania nacional e pelo desenvolvimento. Além, é claro, de aproveitarem, de forma estratégica, as “janelas” de oportunidades que se apresentam a cada conjuntura mundial específica.

Em 2024 os produtos do agronegócio representaram 48% do total de exportações brasileiras, além de outras commodities, como petróleo bruto e minério de ferro, que também têm participações significativas na pauta exportadora. As exportações de óleo bruto de petróleo, por exemplo, assumiram a primeira posição na lista dos principais produtos exportados, seguido da soja com 12,7%. A dependência das exportações de commodities trazem problemas conhecidos: seus preços são flutuantes, requerem geralmente trabalho não qualificado, tem salários flexíveis (geralmente para baixo), e criam poucas sinergias entre os setores da economia.

Somente nos últimos 5 anos, até 2024, o déficit comercial acumulado dos EUA foi de aproximadamente US$ 4,7 trilhões. A equipe de Trump sabe que, mesmo sendo os EUA o emissor do dólar, essa é uma posição de fragilidade da economia norte-americana. Uma das formas de melhorar esse desempenho é substituir importações por produção nacional, especialmente em setores estratégicos que possam gerar renda, empregos de maior qualificação e sinergias entre os segmentos da economia. É conhecido que as políticas neoliberais e a globalização foram muito destrutivas em todo o mundo, especialmente para os países subdesenvolvidos. Porém, conforme avaliação da própria equipe econômica de Donald Trump, nem o país mais rico do mundo escapou dos efeitos nocivos desse tipo de política, o que também indica a gravidade da crise mundial.

A resposta adequada ao protecionismo de Trump seria uma política semelhante para o Brasil, elaborada de forma inteligente e célere (não há tempo a perder). Como a China está fazendo, com muito planejamento, articulado com um conjunto de políticas fundamentais. O problema é que, além dos produtos básicos representarem quase metade das exportações, os semimanufaturados (produtos que passaram por algum processamento industrial, mas ainda não estão prontos para o consumo final) respondem por cerca de 13% do valor exportado (são itens como celulose, ferro-ligas e semimanufaturados de ferro ou aço).

A decisão do governo norte-americano traz essa contradição aos países subdesenvolvidos. Ao mesmo tempo que em que tira o país da acomodação das exportações de commodities, pode impulsionar a reindustrialização. Porém, como a balança comercial brasileira, em boa medida, está ao serviço da necessidade do mercado internacional e das grandes multinacionais, é muito difícil o Brasil converter esse problema que Trump coloca ao mundo, em uma alavanca para fomentar a indústria e o desenvolvimento.

Além do conhecido exemplo da Rússia, que cresceu quase 8% nos últimos dois anos, apesar do brutal bloqueio econômico que sofre – contra 1,2% da União Europeia no mesmo período – há o caso da Venezuela. As sanções econômicas impostas ao país vizinho, a partir de 2014, fez com que a economia venezuelana recuasse mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2013 e 2023. Segundo estudo da agência classificadora Austin Rating, o PIB da Venezuela (em preços correntes) caiu de US$ 258,93 bilhões, em 2013, para US$ 97,12 bilhões, em 2023.

Com a economia jurada de morte pelas criminosas sanções impostas ao país, o governo adotou uma série de políticas econômicas, que incluem a flexibilização do controle cambial e a abertura para investimentos externos em setores estratégicos. Aliadas ao fortalecimento das políticas de segurança alimentar, através dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), implementados em 2016, comitês comunitários responsáveis pela distribuição de alimentos básicos a preços subsidiados diretamente às famílias. Em 2021, a Venezuela começou a dar sinais de recuperação, crescendo 1,9% naquele ano. Nos dois anos seguintes o PIB acumulou 14,5% de crescimento, um dos melhores desempenhos entre as economias da América do Sul.

As políticas protecionistas de Donald Trump podem ser um problema para o Brasil, mas são principalmente uma oportunidade para discutir políticas de desenvolvimento. Os exemplos no mundo todo, mostram uma combinação de políticas macroeconômicas adequadas, com ações de desenvolvimento da indústria, e uma postura soberana, de defesa dos interesses do país. Nesse sentido, o panorama no Brasil é pouco animador.

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