O que Trump trama contra a Venezuela?

Navios e caças dos EUA exibem-se no Caribe para tentar intimidar Caracas. Escalada militar e econômica é nova política de Washington para América Latina – mas o que esperar dela, e que riscos implica, num contexto de conflitos globais?

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O texto a seguir, originalmente denominado “Trump e Maduro. Em 2025″ integra o número 13 (setembro de 2025) do boletim do Observatório do Século XXI, parceiro editorial de Outras Palavras. A edição pode ser baixada e lida aqui.

Nos últimos dois meses, houve uma escalada na disputa entre Estados Unidos e Venezuela. O acirramento retórico foi acompanhado de exercícios e deslocamentos militares. De um lado, Donald Trump acusa Nicolás Maduro de liderar um narcoestado e movimenta tropas e equipamentos em direção à costa venezuelana próxima ao Caribe, de outro, Maduro mobiliza milícias e tenta estreitar laços com outras potências extrarregionais.

Trata-se do segundo tempo de uma disputa entre líderes controversos que já coincidiram no poder de seus respectivos países entre 2017 e 2020, mas que agora encontram um mundo mais instável e aberto ao conflito. A tensão no Caribe é menor se comparada ao leste da Europa ou ao Oriente Médio e, em grande medida, terá seus movimentos determinados pela evolução desses outros conflitos.

Trump tomou posse de seu segundo mandato presidencial em janeiro de 2025, mesmo mês de Maduro, que havia sido reeleito seis meses antes. Trump poderia ter tido uma postura agressiva contra o líder venezuelano no discurso e nas ações. Maduro estava debitado por seu controverso processo eleitoral, cujo resultado não foi reconhecido por muitos países, entre eles o Brasil. Mas Trump preferiu marcar posição sobre a Groenlândia e o Panamá e concentrar seus ataques iniciais ao México. Embora a Venezuela tenha recursos naturais em quantidade bastante superior aos da Groenlândia, o país caribenho não foi alvo no início de 2025. Trump omitiu Maduro de sua agenda imediata, ignorando os apelos de María Corina Machado e outras lideranças da extrema-direita venezuelana.

A posição de Trump parecia clara em dar prioridade às questões migratórias e garantias de insumos e logística. Para as relações bilaterais com a Venezuela isso poderia ser resumido em Mais Petróleo, Menos Migração que, na prática, seria aumentar autorizações para a atuação da Chevron na Venezuela com licenças maiores para importações de petróleo pesado do país em troca de apoio do governo venezuelano para receber centenas de milhares de migrantes que haviam chegado aos EUA nos últimos anos — se valendo de permissões migratórias temporárias especiais relacionadas a situação política do país caribenho.

Assim, faria sentido uma aproximação com Maduro que ocorreu ainda no final de janeiro de 2025, com o enviado especial Richard Grenell a Caracas para negociar pessoalmente com o presidente venezuelano. A conversa garantiu a libertação de alguns cidadãos estadunidenses presos na Venezuela e aparentava ser o melhor momento das relações bilaterais deste 2017. Semanas depois, porém, houve alteração na posição dos EUA decorrente de disputas internas lideradas pelo assessor radical Mauricio Claver-Carone, face visível de lobby interno. Agora, os movimentos oscilantes entre ideológicos e pragmáticos se intensificaram.

EUA X Venezuela

Historicamente, os EUA dão atenção especial à Venezuela. Além da posição geográfica estratégica de um país caribenho, andino e amazônico, o petróleo foi determinante nas relações bilaterais do século XX, ainda que tenha perdido impulso nos últimos dez anos.

Durante e no imediato pós-II Guerra, a Venezuela foi o principal fornecedor de hidrocarbonetos aos EUA e a doutrina de política externa da Venezuela nos 40 anos que antecederam o chavismo se baseava em defesa da democracia formal e prioridade para as relações com o Império do Norte.

Durante o período chavista, iniciado em 1999, houve ações explícitas de ingerência estadunidense, como o apoio aos golpistas Pedro Carmona (2002) e Juan Guaidó (2019) combinadas com momentos de coexistência, especialmente no auge da Petrocaribe (2007-2013) e no ensaio de abertura cubana durante o final do período Obama (2015-2016). A política de apoio econômico aos vizinhos caribenhos era funcional aos EUA no sentido de limitar a emigração de guatemaltecos, haitianos, hondurenhos, jamaicanos, salvadorenhos, entre outros. No breve período em que os EUA tiveram uma posição menos agressiva a Cuba visando uma transição concertada, a rivalidade com a Venezuela também diminuiu.

Este movimento foi radicalmente alterado em 2017, com a primeira posse de Trump. Além de romper as negociações com Cuba, o governo Trump estimulou a conformação do Grupo de Lima, com muitos países da América Latina, incluindo Argentina, Brasil, Colômbia e México. Hoje, os três maiores países da América Latina são críticos à ingerência estadunidense.

A estratégia de derrubar o governo da Venezuela com isolamento político e asfixia econômica desenhada por EUA e pelo Grupo de Lima em 2017, teve como resultados concretos a diminuição abrupta da produção petroleira registrada, o aprofundamento da crise social venezuelana e o fortalecimento político e econômico interno dos militares fiéis a Nicolás Maduro. Vendo-se distante de seus aliados tradicionais, a Venezuela tornou-se o maior devedor chinês na América Latina. A cada passo que os EUA e a Otan avançavam no entorno russo, Moscou fortalecia os laços econômicos, políticos e militares com Caracas. Movimento perceptível há anos.

Em 2002, quando a direção da petroleira estatal PDVSA tentava derrubar o governo, Hugo Chávez recorreu ao Brasil para que fossem enviados navios para garantir o fornecimento interno de gasolina. Duas décadas depois, o Irã cumpria esse papel. Na eleição parlamentar de dezembro de 2015, vencida pela oposição a Maduro, a principal missão externa de observação eleitoral foi da Unasul. Nas eleições parlamentares de dezembro de 2020, com baixa participação da oposição, a Turquia ocupou esse espaço.

Em junho de 2019, durante a realização da reunião do G20 no Japão, Bolsonaro se reuniu formal e informalmente com Trump. Na conversa informal, Trump sugeriu que o Brasil atacasse a Venezuela, operação que contaria com todo o suporte dos EUA. A reação do então mandatário foi de que o Brasil não teria o menor interesse na operação. Após a reunião formal, Trump afirmou que Bolsonaro era um homem especial e que pretendia visitá-lo, o que nunca ocorreu. Desde o fim dos anos 1970, Donald Trump foi o único presidente dos Estados Unidos a não visitar o Brasil.

Após o fracasso do Plano Guaidó e das sugestões inusitadas, foi realizada a primeira visita de um secretário de Estado estadunidense à Ilha das Guianas. Em março de 2020, Mike Pompeu esteve na Guiana, Suriname, Colômbia e Roraima em uma mesma viagem com o objetivo de cercar diplomaticamente a Venezuela.

A segunda visita de um secretário de Estado norte-americano ocorreu em julho de 2023, quando Antony Blinken esteve em Georgetown para marcar posição contra a investida venezuelana sobre o Essequibo, que seria objeto de consulta pública em dezembro daquele ano. Em março de 2025, Marco Rubio realizou a terceira visita de um secretário de Estado à Ilha das Guianas em um novo contexto consolidado. Depois de cinco anos, a produção de petróleo na Guiana deslanchou e o pequeno país vizinho tem extraído mais hidrocarbonetos do que a Venezuela. A viagem incluiu uma visita à Jamaica e encontros com vários chanceleres e presidentes caribenhos.

Em 2020, o Brasil havia fechado a embaixada em Caracas e retirado todos os funcionários públicos da Venezuela, rompendo com décadas de amizade e cooperação econômica, diplomática e militar. Um novo embaixador só foi enviado no décimo-quarto mês do terceiro mandato do presidente Lula, após a consulta sobre o Essequibo. O Brasil ajudou nos diálogos entre Caracas e Georgetown no início de 2024, mas está longe de ter uma presença econômica, política na Venezuela e na Guiana. A presença do Brasil no Caribe é bem menor hoje do que era há 10 ou 15 anos. O comércio bilateral com a Venezuela retraiu 88% em termos reais e as relações diplomáticas voltaram a se distanciar depois da divulgação dos resultados eleitorais de julho de 2024.

Não é possível ter certeza sobre as formas de ingerência de Trump, mas parece que há uma ofensiva contra a América Latina, que tem como alvos imediatos o Brasil no que se refere ao assédio econômico por meio de tarifas e a Venezuela nas ameaças militares. Uma ação deste tipo, porém, ocorreria dificilmente sem apoio de países latino-americanos. O cenário mais provável é a busca por fantasmas, como o Cartel dos Sóis, sustentado pela construção ideológica de que as principais ameaças aos Estados Unidos no hemisfério são a migração e o narcotráfico, ocultando muitas vezes a busca por recursos naturais. Hoje, a Guiana passou a ser um fornecedor seguro aos EUA e um conflito aberto com a Venezuela poderia pôr em risco tanto a produção na projeção marítima do Essequibo como gerar uma crise migratória sem precedentes.

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