Gaza não será a Riviera dos genocidas
Como estão presentes, na fala abjeta de Trump, três tendências do capitalismo contemporâneo: delírio geopolítico, limpeza social e étnica e mercantilização total da vida. Ela não prosperará, mas expõe o perigo a que o mundo está exposto
Publicado 05/02/2025 às 21:55 - Atualizado 05/02/2025 às 23:03
Por Heather Digby Parton, na Salon | Tradução: Antonio Martins
Donald Trump e sua família claramente estão de olho nas possibilidades de desenvolvimento imobiliário na Faixa de Gaza há algum tempo. Em março passado, seu genro Jared Kushner, conselheiro do presidente para o Oriente Médio (entre uma dezena de outras coisas) durante seu primeiro mandato, disse na Harvard School of Government que “a área à beira-mar de Gaza poderia ser muito valiosa” e sugeriu que Israel deveria “remover as pessoas e depois limpá-la”. No dia da posse, o próprio Trump disse: “É uma localização fenomenal. No mar, o melhor clima, algumas coisas lindas poderiam ser feitas ali. Algumas coisas fantásticas poderiam ser feitas em Gaza”. Adicione um campo de golfe e você terá o Trump Gaza Golf Resort para acompanhar a nova Trump Tower em Jidá, na Arábia Saudita, e finalmente haverá paz no Oriente Médio.
Felizmente para Trump, Israel já fez o trabalho de demolição, restando apenas a questão incômoda de se livrar dos seres humanos. Kushner mencionou isso em sua palestra, mas só depois da campanha Trump compartilhou suas ideias sobre como tratar a questão. Em 21 de janeiro, a bordo do Air Force One, disse aos jornalistas que havia conversado com o rei da Jordânia e lhe pedira que “recebesse” pelo menos parte dos palestinos que vivem em Gaza. Depois, “nós simplesmente limpamos tudo aquilo”. Essa linguagem foi um tanto provocativa, considerando que a limpeza étnica é considerada um crime contra a humanidade.
É mais uma declaração absurda de um homem cuja capacidade de escapar de qualquer responsabilização por seus crimes o levou a acreditar que tem superpoderes.
Ficou claro, desde então, que o presidente teve, sozinho, a ideia de que os palestinos simplesmente deveriam se mudar para outro lugar, algo que ele parecia considerar a “solução final” óbvia na qual ninguém havia pensado antes. Ontem, por fim, ele anunciou um plano totalmente elaborado, primeiro em uma de suas sessões de assinatura de decretos executivos e depois em uma coletiva de imprensa com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
Ao responder às perguntas dos jornalistas no momento das assinaturas, Trump falou longamente sobre como Gaza foi dizimada e como é insalubre viver lá, de modo que – especulou – os palestinos ficariam felizes em se mudar para outro lugar, onde poderiam ter belas casas, a serem construídas pelos outros países árabes ricos. Segundo ele, a única razão pela qual os palestinos permanecem em Gaza é por não terem outra alternativa. Se Egito e Jordânia lhes oferecessem terras, eles ficariam “radiantes” em se mudar. Quando um jornalista observou que Egito e Jordânia haviam rejeitado categoricamente essa ideia, Trump disse que Venezuela e Panamá também haviam inicialmente dito não a ele, mas agora estavam fazendo o que lhes foi ordenado. Poderíamos, então, esperar que todos os outros países fizessem o mesmo.
Tudo isso já era bem estranho. Mas nada comparado ao que ele disse na coletiva de imprensa com Netanyahu, pouco depois. Repetiu sua crença de que os palestinos deveriam ser removidos à força para outro lugar. Mas acrescentou um detalhe que ninguém esperava. Ao lado do primeiro-ministro de Israel, que assentia, Trump disse que os EUA assumiriam o controle da Faixa de Gaza e tomariam uma “posição de posse a longo prazo.”
Ele sustenta que os EUA irão arrasar o local e depois construir novos edifícios, que fornecerão empregos para as pessoas da região. Mas não para os palestinos. Eles estarão vivendo em sua bela porção de terra, em outros países. Segundo Trump, isso foi “amplamente discutido” e todos adoram a ideia de os Estados Unidos possuírem aquela terra e desenvolvê-la em algo “magnífico”.
Quando responde sobre sua visão para o local, ele parece realmente enxergá-lo como algum tipo de resort internacional para onde “pessoas do mundo” irão.
E, como peça de resistência, depois de passar anos falando sobre “América Primeiro” e afirmando que não queria se envolver em “guerras eternas”, ele acabou de sugerir o envio de tropas dos EUA para a guerra perpétua mais explosiva do planeta.
Trump insistiu em suas declarações anteriores – e falsas — de que a Arábia Saudita e outros Estados árabes de acordo. A Arábia Saudita reafirmou seu apoio “inabalável” a um Estado palestino, e dois funcionários árabes expressaram perplexidade e preocupação, dizendo à CNN que era ‘difícil de entender e digerir'”. Afinal, eles também têm seus próprios cidadãos. Como relatou o Washington Post, a proposta “seria politicamente desestabilizadora no Egito e na Jordânia, onde os líderes temem que qualquer influxo de palestinos seja recebido com forte indignação devido à aparência de colaboração com Israel”.
Netanyahu, por sua vez, disse que Trump “vê um futuro diferente para essa porção de terra. Vale a pena prestar atenção nisso. Estamos conversando sobre isso. É algo que pode mudar a história.” Não é um endosso completo, mas é fácil entender por que lhe agrada. Livrar-se dos palestinos (a Cisjordânia também está no plano) e ter o exército dos EUA guardando a área enquanto Netanyahu a reconstrói como um novo lar para colonos israelenses. O que poderia dar errado?
Tudo isso se encaixa nas outras ilusões de grandeza de Trump, como a ideia de anexar a Groenlândia, transformar o Canadá no 51º estado e invadir o México e/ou o Panamá, algo sobre o qual ele vem falando desde a posse.
A proposta mais recente, com tom santimonioso de que seria feita pelo bem dos palestinos e levaria paz à região, trouxe de volta memórias muito desagradáveis dos dias em que o Partido Republicano vendeu a guerra do Iraque como uma cruzada para criar uma democracia jeffersoniana no Oriente Médio.
Esse discurso barato sobre propriedade imobiliária (será “a Riviera do Oriente Médio!”) não carrega exatamente os mesmos ideais elevados, mas, no fim das contas, significa a mesma coisa. Todos sabemos como o Iraque terminou.
Trump fala sobre “paz” o tempo todo porque está determinado a ganhar um Prêmio Nobel da Paz (talvez dois, para superar Obama). Mas está muito longe de ser um pacifista. Observar seu comportamento ao longo desses anos não deixa dúvidas sobre sua inclinação para a dominação e a violência. As primeiras semanas de sua presidência ilustram isso mais claramente do que nunca.
É difícil imaginar que ele realmente consiga executar algo de seus planos. São apenas mais uma declaração absurda de um homem cuja capacidade de escapar de qualquer responsabilização por seus crimes o levou a acreditar que tem superpoderes. Mais provavelmente, a nova atitude resultará no colapso do frágil cessar-fogo e em mais punição para os palestinos, além de gerar ainda mais incerteza e desconfiança entre os aliados dos Estados Unidos.
His vainglorious pronouncements of territorial expansion and manifest destiny are making the whole world fear not that he’s going to succeed in any of these crazy schemes but that he’s going to truly lose it and make a catastrophic decision. He’s still the guy with the nuclear codes.
Seus pronunciamentos vaidosos sobre expansão territorial e destino manifesto fazem o mundo temer. Não porque ele vá de fato conseguir concretizar esses planos insanos, mas pelo risco de que perca completamente o controle e tome uma decisão catastrófica.
Afinal, ele ainda é o homem com os códigos nucleares.