Passeio no jardim secreto dos gêneros

Cenouras bi, pepinos fluidos, maçãs lésbicas: reino vegetal é queer! Enquanto o Ocidente impõe binários, a Natureza ri: diversidade e beleza desafiam preceitos de funcionalidade. No mundo opressor, plantas ensinam: dissidência é base da vida

Foto: Nicole Beno/Noema Magazine
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Por Leah Zani, na Revista Noema | Tradução: Rôney Rodrigues

Minha pai plantou uma pequena horta no quintal do lado quando eu tinha cerca de sete anos. Milho, cenouras, batatas, vagens e talvez tomates — mas esses são difíceis de cultivar em lugares envoltos em neblina, e não me lembro de seu rubor vermelho.

Minha pai era um jardineiro cuidadoso. Luvas, pazinha, chapéu de palha, botas de trabalho, uma camisa xadrez remendada com as mangas arregaçadas, seus longos cabelos ruivos presos em uma trança. Ela tinha a aparência de um fazendeiro-cavalheiro, diligente mas erudito; plantava com precisão, usando um fio de prumo amarrado entre duas estacas e uma régua para medir espaçamento e profundidade.

A horta me fascinava. Minha pai me disse para não entrar nela quando ela não estivesse presente. Mas eu me esgueirava para lá enquanto ele estava no trabalho.

No início, eu ficava parada e tremia diante das palhas fechadas do milho, apertadas como crisálidas em hastes pouco mais altas que eu, e das batatas enterradas que eu imaginava crescendo a tamanhos fantásticos sob a terra. Como isso acontecia, eu me perguntava — como o mundo crescia? Lembro-me de ficar imóvel para sentir e participar da vida ao redor do quintal. Eu me encantava especialmente com frutas e vegetais — as plantas que alimentaríamos e que depois nos alimentariam.

Já naquela época, era da minha natureza tentar examinar o que estava oculto. Eu tinha pouquíssima paciência quando criança e não conseguia resistir a desembrulhar cada espiguinha de milho para ver os grãos verdes e enrugados em sabugos finos como lápis. Observei as folhas sobrepostas de cada palha, bordas quase translúcidas, as folhas macias e úmidas como a pele entre meus dedos. Espiava cada uma e depois lentamente recolocava a seda e reembrulhava as palhas. Todo o milho morreu depois devido à minha amorosa inquisição. Eu não tinha a graça da natureza.

Voltei minha atenção para as batatas. Cavei para tocar a superfície lisa de cada uma. Examinei suas formas rizomáticas distorcidas e puxei os cordões umbilicais que as ligavam à raiz-mãe. Aquelas raízes pareciam as veias sob minha própria pele. Eu as arranhava para ver de que cor eram sob a terra. Verde pálido, até um pouco de azul, às vezes amarelo-bege ou branco como massa de trigo. Apaixonei-me pelo almíscar amiláceo e papelado das batatas. Depois, cobri tudo novamente com terra

Arranquei todas as cenouras, comparando seus comprimentos. E abri as vagens para olhar as fileiras de minúsculos fetos verdes dentro delas. Achei que poderia empurrar as cenouras de volta ao solo, sem perceber que havia rompido as frágeis redes de raízes que as suspendiam. Pensei que poderia fechar as vagens novamente. Fiz isso quase todos os dias para verificar o progresso de seu crescimento vegetal.

Poderia me esconder atrás de um véu de inocência infantil, mas a verdade é que, quando não consegui fechar a primeira vagem, ainda assim abri todas as outras na trepadeira. Certamente, pensei, todos podem ser recompostos; certamente, certamente, não somos todos tão frágeis.

Naquela época, eu acreditava que era possível estudar algo sem alterá-lo. Mesmo criança, era movida por um desejo de medir e classificar, instintos que se tornaram úteis mais tarde em minha carreira antropológica. Percebo agora que eu estava procurando minha pai naquela horta fracassada. Eu tentava entender o gênero dela estudando o milho, as batatas e as vagens. Não a encontrei, mas encontrei algo mais.

Na tradição cristã protestante em que minha pai cresceu, Adão e Eva aprendem sobre sexo com uma maçã.

Essa é uma lição improvável, porque quase todas as maçãs que consumimos vêm de árvores que se reproduzem assexuadamente. Macieiras em flor têm partes reprodutivas masculinas e femininas, e suas flores podem exibir várias variedades de masculinidade e feminilidade ao longo de um espectro de estames, estigmas, pigmentos e perfumes diferentes. Elas recebem ajuda na polinização de outras espécies, como zangões e abelhas, que correm em seus galhos em uma verdadeira orgia de pólen. Nem todas as flores da macieira são sexualmente produtivas; algumas, aparentemente, só gostam de acariciar os zangões.

Depois que o fruto amadurece, as maçãs dependem novamente de outras espécies — esquilos, camundongos, ouriços, coelhos, humanos — para comer seus frutos e dispersar suas sementes. As flores e os frutos são um incentivo, uma isca evolutiva, para os outros parceiros nos sistemas de reprodução das árvores.

As maçãs são indisciplinadas, sexualmente falando. A semente de uma maçã Red Delicious não crescerá em uma árvore Red Delicious. Elas simplesmente não se importam muito com a hereditariedade. Sua estratégia evolutiva é experimentar continuamente sua identidade. A maçã pode não cair longe da árvore, mas essa árvore é uma feiticeira, uma artista, uma inovadora.

A primeira maçã Red Delicious foi encontrada em um pomar em Iowa em 1872. Minha pai mora em Iowa. Todas as maçãs Red Delicious produzidas desde então foram cultivadas em enxertos daquela árvore original, cujos galhos agora formam uma rede inimaginavelmente vasta distribuída pelo globo. Cada tipo de maçã vendida comercialmente tem sua árvore de origem, sua proverbial árvore do Éden. Quase todas as maçãs disponíveis no mercado são clones.

Essa é uma realidade muito diferente da monogamia rígida, da hereditariedade masculina e do binário de gênero heterossexual no conto de Adão e Eva. A divisão entre gêneros é um dos fundamentos da cultura euro-americana. Em nossa cultura, os gêneros são entendidos como opostos binários: se os homens são fortes, as mulheres são fracas; se as mulheres são emocionais, os homens são racionais. Homens são abelhas, mulheres são flores. Mas as abelhas e flores reais não seguem as mesmas regras. A natureza é muito mais fluida.

Nem todas as culturas humanas seguem esse modelo. Estudei por um tempo no Laos, um país etnicamente muito diverso: a etnia Lao não têm roupas, normas corporais, pronomes ou nomes marcados por gênero, embora essas coisas tenham sido introduzidas pelo colonialismo francês no século XIX. Homens e mulheres geralmente se vestem, falam e trabalham da mesma forma. Isso ocorre porque os gêneros laosianos são um par, em vez de um binário; ainda há dois gêneros, masculino e feminino, mas eles são mais semelhantes do que diferentes. Como um par de sapatos ou um par de luvas — cada metade compartilha mais em comum com a outra, e as duas são definidas por suas semelhanças, não diferenças. Se os homens são fortes, as mulheres também são.

Práticas culturais moldam corpos tanto quanto a genética. Quando vivi no Laos, tinha um colega que frequentemente ia trabalhar maquiado. Alguns dias ele usava joias, outros não. Ninguém no escritório se importava. Esse colega tinha um nome de gênero neutro e, como a língua laosiana não tem pronomes de gênero, nunca precisou escolher entre identificadores masculinos ou femininos. (Em inglês, ele escolheu pronomes masculinos.) Embora haja muitas formas diferentes de ser gênero fluido no Laos, não há uma ideia rígida de “passar” ou “fazer transição” da mesma forma que minha pai fez.

Nenhuma dessas formas de vivenciar o gênero é mais correta que a outra, e ambas expressam as possibilidades mais amplas de ser humano. Sexo e gênero não são pontos fixos separados por um vale intransponível. São paisagens em movimento que mudam dependendo de onde você está e para onde vai. A forma como a maioria das pessoas na cultura euro-americana pensa sobre sexo e gênero é uma perspectiva, a visão de uma paisagem. Não é a única.

Alguns anos atrás, mudei-me para minha primeira casa com jardim e comecei a ler catálogos de sementes e guias de jardinagem. Esse foi meu segundo encontro com a jardinagem após aquela primeira tentativa desastrosa.

Naquela época, eu já conhecia frutas e vegetais, mas estava completamente despreparada para sua diversidade sexual. O aspargo, por exemplo, cresce em plantas masculinas e femininas separadas. Então, se eu quisesse colher aspargos, precisaria de pelo menos duas plantas. Muito poucos vegetais no catálogo crescem assim. A maioria é como as vagens: uma mistura de flores autopolinizadoras que contêm partes masculinas e femininas. Na botânica, essas são conhecidas como “flores perfeitas”.

A seção sobre pepinos listava tipos que são ginóicos, monóicos, hermafroditas ou partenocárpicos — palavras que precisei procurar no contexto de vegetais. Descobri que os pés de pepino não são totalmente masculinos nem femininos, mas um caleidoscópio mutável que varia com as condições ambientais. Pepinos ginóicos têm quase todas as flores femininas, enquanto os monóicos têm flores masculinas e femininas na mesma planta. Uma planta monóica, como o popular pepino armênio, tende a produzir mais flores masculinas quando jovem, depois transita para uma planta majoritariamente feminina conforme envelhece.

A luz solar é outro interruptor reprodutivo comum para pepinos, seu sexo literalmente mudando com o clima. Grupos de pepinos se percebem e avaliam o ambiente para determinar quantos devem produzir flores masculinas e femininas. Por exemplo, quanto maior a densidade de plantas, mais flores masculinas, já que flores masculinas custam menos para as plantas produzirem quando os nutrientes devem ser compartilhados. Essa estratégia também reduz a reprodução, garantindo que nunca haja mais mudas do que o grupo pode sustentar. Assim, um grupo de pepinos se autorregula gerenciando a expressão sexual de cada planta. Para mim, isso parece muito com planejamento familiar.

Já os pepinos hermafroditas contêm partes masculinas e femininas na mesma flor. Pepinos partenocárpicos, como as variedades de pepino-limão, são plantas totalmente femininas que podem produzir frutos sem a ajuda de uma planta masculina. Condições ambientais disparam hormônios, fazendo com que frutifiquem assexuadamente. O sexo é puramente opcional para o pepino-limão. Sementes são um produto da reprodução, e como essas plantas tendem a se reproduzir sem sexo, os pepinos-limão geralmente não têm sementes.

A partenogênese era a estratégia reprodutiva que eu menos conhecia, mas, folheando as páginas, vi que muitas frutas e vegetais comuns são partenocárpicos: bananas, uvas, tomates, melancias, abóboras. Para complicar ainda mais, algumas plantas podem ser tanto partenocárpicas quanto monóicas, dependendo de suas condições de crescimento. Pouquíssimas plantas são apenas uma coisa ou outra.

Quando minha pai plantou vagens, ela pensou na capacidade delas de serem masculinas e femininas ao mesmo tempo?

Johann Wolfgang von Goethe, o grande poeta-cientista, foi um dos primeiros a estudar rigorosamente a metamorfose das plantas — a “liberdade infinita da folha em crescimento” de se tornar uma flor, uma maçã ou um pepino. Após observar cuidadosamente as plantas da semente à senescência, ele chegou à ousada conclusão de que a diversidade de formas vegetais é uma expressão de uma essência metamórfica interior. Estudos científicos posteriores confirmariam as observações de Goethe. Cada parte de uma planta pode se tornar qualquer outra parte sob as condições certas, e essas transformações são o verdadeiro motor da vida vegetal, não a reprodução sexual. É por isso que um pepino pode florescer masculino em uma estação e feminino na seguinte. Podemos nos concentrar em flores, frutos e vegetais, mas, da perspectiva da planta, crescimento e reprodução são a mesma coisa.

No jardim de Goethe, a única diferença discernível entre crescimento e reprodução era que o crescimento ocorria lentamente e a reprodução, de uma só vez. “O órgão que se expandiu no caule como uma folha, assumindo uma variedade de formas, é o mesmo órgão que agora se contrai no cálice, se expande novamente na pétala, se contrai no aparelho reprodutivo, apenas para se expandir finalmente como fruto.” O corpo de uma planta está em um estado de mudança fluida quase o tempo todo. O que nos parece formas fixas são na verdade fases em um processo mais longo de mudança que continua antes e depois de qualquer intervenção humana.

Pegue o “cravo proliferante”, como Goethe chamava a flor. Eu os cultivava em meu pequeno jardim, e eles eram os favoritos da minha avó. Mesmo o cravo mais perfeito pode inesperadamente gerar várias flores novas em sua base ou brotar talos frescos entre suas pétalas que, por sua vez, produzem suas próprias folhas e flores. Os receptáculos de sementes às vezes voltam a ser folhas, ou folhas se transformam em pétalas. Cada parte do cravo pode se transformar em qualquer outra, aparentemente por capricho e às vezes todas de uma vez, criando quimeras estranhas de partes vegetais.

Essa capacidade de transformação é prova da vitalidade da planta, e assim o “sexo” é substituído por uma força vital infinitamente expansiva. Referindo-se ao binário de gênero, Goethe usou a palavra “anastomose”, familiar a qualquer pessoa na área médica, para descrever como duas coisas que parecem separadas podem ter conexões ocultas. Para Goethe, essa força conectiva era evidência do divino.

Um catálogo de sementes revela o esforço humano para classificar e controlar a natureza indomável — tanto a amplitude de nosso esforço agro-biológico quanto a complexidade delirante e absurda de um mundo que excede nosso aparato científico atual. E se fôssemos tão indisciplinados quanto as plantas em nossos jardins? Se acessássemos sua força metamórfica vital?

Em seu livro Becoming Undone, a filósofa feminista Elizabeth Grosz examinou um aspecto pouco conhecido da teoria original de Charles Darwin, um processo evolutivo que ele chamou de “seleção sexual”. A seleção natural trata da sobrevivência e hereditariedade, a leitura seca do testamento genético após o funeral. A seleção sexual trata da expressão de características (algumas genéticas, mas também comportamentais e culturais) durante a vida do organismo. “A seleção natural regula as operações de nascimento e morte”, escreveu Grosz, “enquanto a seleção sexual regula as operações de beleza, apelo e atração”.

Essa força evolutiva menos conhecida molda tudo o que acontece entre os colchetes genéticos do nascimento e da morte. Darwin a chamou de seleção “sexual” porque descreve as exibições comumente vistas no cortejo e explica o desenvolvimento evolutivo dos trajes estranhos, excessivos, extravagantes e frequentemente não funcionais que distinguem os sexos. Mais do que isso, é o processo que diferencia membros individuais de uma espécie uns dos outros e cada sexo de todos os outros sexos. (Muitas espécies têm mais de dois sexos.)

Darwin reconheceu que “na maioria dos casos é quase impossível distinguir entre os efeitos da seleção natural e da seleção sexual”, pois não há distinção óbvia entre o que torna um organismo atraente durante sua vida e o que é benéfico para as gerações futuras. A seleção sexual realça a beleza e a individualidade, ao mesmo tempo que une organismos individuais com laços de desejo. Crucialmente, isso não tem necessariamente a ver com reprodução. Reprodução não é o objetivo da beleza.

Ainda assim, a beleza está em toda parte. A seleção sexual é a provocadora do espetáculo, o tempero da vida. Ela faz as flores cheirarem doce e as maçãs corarem de vermelho. É a crista do galo e o assobio do beija-flor. É um pepino com flores masculinas e femininas. Seu par favorito de saltos. Como você se apaixona.

E se víssemos a nós mesmos e outras formas de vida como produtos da beleza, em vez da sobrevivência? As ciências reducionistas focam na seleção natural, herança e genes como elementos essenciais da vida, mas são as forças muito mais astutas da atração que governam todos os seres enquanto respiram. As ciências tendem a olhar a vida do ponto de vista do gene, mas a seleção sexual só pode ser entendida a partir da perspectiva do próprio organismo. Da própria vida.

A maçã, o pepino-limão, o cravo: todo organismo tem um ímpeto vital em direção à beleza e à autoexpressão que está relacionado à sua aptidão genética, mas não pode ser reduzido a ela. Chamar o sabor de uma maçã de “estratégia evolutiva” é perder a maior parte do prazer e do fascínio das maçãs. Uma Red Delicious ainda é deliciosa se for clonada para sempre. Mais profundamente, a beleza, como Darwin usou o termo, não se limita a acervos genéticos: os traços que atraem organismos uns aos outros também os atraem para outras plantas e animais.

Darwin observa em A Origem das Espécies que “um gosto quase semelhante por cores bonitas e sons musicais percorre grande parte do reino animal”, especulando que esse senso de beleza deve ter se desenvolvido primeiro nos “animais inferiores” antes de ser transmitido à “mente do homem”. Compartilhamos esse senso de beleza também com as plantas, quando elas pintam seus frutos com cores e aromas. Somos os herdeiros de uma beleza mais antiga que a humanidade.

Nossa cultura passa muito tempo pensando na seleção natural — vermelha de dentes e garras — mas mesmo uma olhada superficial em nosso mundo mostra o poder da beleza. A beleza oferece uma inteligência alternativa na natureza, uma natureza moldada pela criatividade e atração, um desejo antigo e impulsivo que não é categorizável. A força metamórfica guardada em uma semente selvagem. O mundo que Grosz descreve é um repleto de flores, cada uma bela e diferente, onde a escolha se torna um imperativo. Nos galhos da macieira, onde há mais flores do que uma abelha poderia visitar, a abelha escolhe as flores que mais gosta.

“Oh, ervilha-doce”, meu pai disse quando notou meu rastro de destruição. Esse era seu apelido para mim: ervilha-doce. “Você não pode espiar o milho assim. Eles precisam crescer sozinhos.”

“Tá bom, papai”, eu disse. Mas não acreditei nela. O que poderia crescer sem ser tocado, cuidado, cutucado, visto? Minha atenção não era uma forma de amor? Minha pai não estava brava comigo, mas preocupada com seus vegetais. Eu também me importava com eles. Se ao menos eu tivesse sido mais paciente e menos ávida por conhecimento e controle sobre o mundo.

Minha pai ainda não estava pronta para revelar seu verdadeiro eu. No final da temporada, mal conseguimos colher um punhado de batatas raquíticas. As cenouras murcharam e as vagens morreram na trepadeira porque eu quis entender o que havia dentro delas. Eu buscava uma verdade que ainda não estava pronta para ser revelada. Meu pai nunca mais plantaria vegetais, mas cerca de um ano depois daquela horta, ela começou sua transição pública de gênero.

A ciência não é apenas sobre conhecer coisas, nomear e classificar. É também sobre a ética da produção do conhecimento em si. A percepção de Darwin foi derrubar a barreira entre humanos e outras formas de vida, abrindo portas para campos de pesquisa ilimitados pelo excepcionalismo humano. “Se o homem não fosse seu próprio classificador”, escreveu Darwin, “ele nunca teria pensado em fundar uma ordem separada para sua própria recepção.” No entanto, dois séculos depois, grande parte da ciência moderna ainda reforça classes e ordens separadas de vida, assim como Adão, antes da chegada de Eva, nomeou cada planta e animal no jardim. Criamos ordens menores para abrigar todos os seres que não são considerados humanos ou suficientemente humanos. Chamamos isso de ciência como se fosse neutra, mas sua função é frequentemente hierárquica.

Como Grosz nos lembra, desafiar essas classes de inferioridade é central para as lutas por igualdade de gênero, igualdade racial e justiça ambiental. Sistemas de conhecimento que rotulam algumas formas de vida e modos de viver como mais ou menos “normais” ignoram a complexidade de ser humano e a diversidade de toda a vida. A exuberância selvagem de nosso planeta excede qualquer ordem que tenhamos concebido até agora.

Goethe tentou criar um nome para o órgão primordial da metamorfose das plantas, mas achou impossível identificar cientificamente como o cravo poderia ter sido antes de ser um cravo. Ele decidiu não dar nenhum nome. Sendo um poeta, isso não foi uma falha, mas uma abstenção a serviço de uma sabedoria além da ciência.

A inteligência humana não é a única que existe no mundo verde: há também a família criativa de maçãs desajustadas, a comunidade mutável dos pepinos, a intersexualidade das vagens, a metamorfose dos cravos. Podemos aprender com o prazer da abelha em escolher entre uma abundância de boas opções. O mundo natural — na verdade, até mesmo nossos jardins — é mais diverso que as sociedades humanas dentro dele, concebendo sem fim novos modelos de sexo, gênero, família e formas de ser

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