Quem são os “donos” da candidatura de Biden

Agora, presidente fala contra “elites”. Mas desde que entrou na disputa contra Bernie Sanders, em 2020, suas pretensões foram bancadas pelo grande poder econômico que controla o Partido Democrata. Em especial a indústria de armamentos…

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Já se passaram duas semanas do debate entre Joe Biden e Donald Trump, nesse período, não houve um só dia em que a  candidatura do atual presidente não tenha sido contestada publicamente por jornalistas, analistas políticos ou integrantes do próprio Partido Democrata.

No entanto, ele segue como candidato. Concedeu uma entrevista à rede estadunidense ABC, na sexta-feira (5), falou na reunião do conselho da Otan, fez aparições públicas em que demonstrou um a postura mais enérgica do que a do embate desastroso com seu rival. Pouco adiantou. A pressão pela sua desistência seguiu forte até chega ao ponto em que, nesta quarta-feira (10), uma das pessoas do círculo de Biden, a ex-presidente do Congresso dos EUA Nancy Pelosi, lançou dúvidas sobre sua nomeação.

“Cabe ao presidente decidir se ele vai concorrer”, disse ela em uma entrevista ao Morning Joe na MSNBC. “Estamos todos encorajando-o a tomar essa decisão porque o tempo está se esgotando”, afirmou, em um recado pouco sutil. Ela também sugeriu que Biden e o partido discutissem a questão após a Cúpula da Otan.

Não deixa de ser significativo que a declaração de Pelosi tenha sido feita no mesmo programa em que o presidente, na segunda-feira (8), desafiou o que chamou de “as elites” do Partido Democrata. 

“Estou ficando tão frustrado com as elites — agora não estou falando de vocês — as elites do partido, ‘Oh, eles sabem muito mais.’ Qualquer um desses caras que não acha que eu deveria concorrer, concorra contra mim. Anuncie sua candidatura para presidente, desafie-me na convenção”, bradou Biden.

Quem são as “elites”?

Ao usar o termo “elites”, Biden usou uma gramática do seu adversário, Donald Trump, que costuma fazer discursos com o mesmo viés, embora o republicano seja pertencente a uma elite bastante restrita, dos bilionários. É uma tentativa de se aproximar do eleitor democrata médio, colocando-se também em uma posição de candidato contra um “sistema”, tomando aqui emprestada outra expressão bastante utilizada pelo ex-apresentador de O Aprendiz.

Mas é difícil dizer que o atual presidente é alvo, de fato, do que poderia ser considerado uma elite partidária. Aliás, se não fossem estes mesmos dirigentes, talvez ele não tivesse conseguido ser candidato em 2020. À época, ele havia amargado um quarto e um quinto lugar nas primeiras primárias da legenda e só depois de um acordo com a cúpula democrata, que fechou questão em torno da sua candidatura, e a desistência combinada de três pré-candidatos em seu favor, Biden começou a reagir.

Àquela altura, aliás, boa parte dos principais dirigentes estava mais preocupada em evitar uma guinada à esquerda da legenda, com uma eventual nomeação do senador de Vermont Bernie Sanders, do que em superar Donald Trump.

O analista político e ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos Robert Reich captou uma frase dita pelo democrata na sequência de suas críticas à dita elite: “Não me importa o que os milionários pensam”.

“Bingo. Foi a primeira vez que um presidente moderno admitiu que as elites do partido são os milionários (e bilionários) que o financiam, o que lhes dá poder político extraordinário — talvez o suficiente para tirar Biden da disputa”, avalia Reich. “Na verdade, o Partido Democrata é pouco mais que uma máquina nacional de arrecadação de fundos, assim como o Partido Republicano.”

Os partidos nos EUA e os bilionários

Depois da decisão da Suprema Corte no caso Citizens United v. Federal Election Commission, em 2010, quando os chamados comitês de ação política passaram a poder arrecadar recursos financeiros de forma ilimitada, o dinheiro passou a exercer uma influência ainda maior na política estadunidense. 

E desde a proposição da candidatura de Biden em 2020, passando pela sua eleição e chegando até o momento em que sua candidatura é questionada, sem ter erodido totalmente, os interesses financeiros estão à frente. Não só em relação a doadores que hesitam a respeito das chances de reeleição, com alguns já dialogando com o estafe de Trump, mas também com aqueles que aderiram à campanha democrata por conta da perspectiva da implantação de políticas ou acordos que os beneficiassem.

Diante de uma eventual retirada da candidatura Biden, como ficam estes acordos e perspectivas? Não é à toa que uma decisão como esta não seja tomada de pronto e nem de longe a única variável é a viabilidade político-eleitoral do atual presidente. Quem o suceder estaria disposto a manter o que já foi combinado e prometido a setores e atores econômicos poderosos?

Embora, como diga Reich, os dois principais partidos dos EUA são basicamente duas máquinas de arrecadação, os setores da elite econômica têm seus interesses mais ou menos contemplados conforme aquilo que foi discutido com as legendas.

O discurso de Biden na Cúpula da Otan acena para um destes setores de forma explícita. Disse que sua administração já havia investido US$ 30 bilhões na indústria de Defesa, o que resultaria em “cadeias de destruição mais fortes, uma economia mais forte”, saudando também o fato de boa parte dos países da Otan ter chegado à meta de gastar 2% do PIB em Defesa. 

É uma disputa pelo apoio dos senhores da guerra. E, embora todos os presidentes dos EUA tenham como uma das missões principais agradar a essa indústria, as guerras de Biden não são as mesmas de Trump e as duas podem corresponder a interesses de setores diferentes do mesmo campo.

BIden dará uma coletiva nesta quinta-feira (11) onde deve enfrentar uma mídia ressentida por ter tão pouco acesso ao presidente. Outro momento de risco. Mas seu destino pode já estar selado por quem realmente é dono de sua candidatura.

Publicado originalmente na revista Fórum

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