Benefício fiscal a agrotóxico: quem paga a conta?
STF deve julgar amanhã inconstitucionalidade das leis que incentivam venenos no campo. Bolsa-agrotóxico custa 7,8 bi ao país, contamina Ambiente e gera mais gastos aos SUS. É preciso derrotá-la e apostar na agricultura familiar
Publicado 29/10/2020 às 11:43 - Atualizado 29/10/2020 às 11:48
Agrotóxicos devem ter
isenções ou reduções fiscais? São produtos essenciais que merecem subsídios?
Essas questões começam a ser respondidas pelo Supremo Tribunal Federal na
próxima sexta (30), em sessão virtual do plenário com julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 5553.
A ação discute a
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais de ICMS e IPI a agrotóxicos,
garantidos pelo Convênio 100/1997 do Conselho Nacional de Política Fazendária e
pelo Decreto 8.950/2016.
Ajuizada
pelo PSOL em 2016, a ADI suscita debates intensos na sociedade civil. De um
lado, defendendo o fim dos benefícios fiscais aos agrotóxicos, organizações de
defesa dos direitos humanos, de saúde coletiva, de defesa dos direitos dos
consumidores e as defensorias públicas de São Paulo e da União. Do outro,
sustentando a permanência dos subsídios, organizações de representação do
agronegócio e da indústria de agrotóxicos.
Além
do direito à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à
alimentação adequada e à segurança alimentar e nutricional, a ADI questiona a
inadequação dos subsídios aos princípios da essencialidade e seletividade
tributárias. Com base neles é possível selecionar produtos que sejam essenciais
para a população brasileira e sua qualidade de vida e conceder benefícios
fiscais, como uma forma de garantia de acesso a tais bens.
Ocorre
que no Brasil, o aumento exponencial do uso de agrotóxicos é facilitado por uma
espécie de “política extrafiscal reversa” em que se estimula a aplicação ao
invés de promover políticas de redução de químicos agrícolas ou transição
ecológica.
Pesquisa da UFMT indica que a soja foi a cultura que mais utilizou agrotóxicos no país, representando 63% do total, seguido do milho (13%) e da cana-de-açúcar (5%). Soja, milho e cana-de-açúcar constituem 76% de toda a área plantada do Brasil e corresponderam a 82% de todo o consumo de agrotóxicos em 2015.
E mais agrotóxico não significa mais produtividade.
Em análise sobre a proporção da
produtividade e uso de agrotóxicos na soja, identificou-se que, de
2000 a 2012, o uso de herbicidas por unidade de área cresceu 90,3%, enquanto a
produtividade da soja por kg de herbicida cresceu apenas 50,7%.
São culturas majoritariamente
destinadas à exportação que consomem a maior parte do agrotóxico utilizado no
Brasil e que além das isenções fiscais para esses produtos também são
beneficiadas com desoneração de
tributos que incidem sobre as exportações brasileiras, como o IPI, o ICMS, o
PIS/PASEP e o COFINS.
E, como vimos com o arroz, na primeira oportunidade lucrativa os
grandes produtores escoam seus produtos ao mercado internacional, elevando os
preços da comida para a população brasileira. Quem garante esses alimentos no
mercado interno são justamente os agricultores familiares.
Os produtos são exportados, mas os venenos permanecem em nosso solo,
águas e corpos. São as diversas externalidades e custos indiretos da utilização
desses produtos. Conforme pesquisa da Fiocruz, para cada US$ 1 gasto na compra
de agrotóxicos, US$ 1,28 são gerados de custos externos com o tratamento de
intoxicações agudas.
De 2007 a 2015 foram registrados 84.206 casos de intoxicação por agrotóxicos
no Brasil, desconsiderando o alto índice de subnotificação. Além disso,
conforme o Sisagua, 1 em cada 4 municípios brasileiros tem as águas
contaminadas por ao menos 27 tipos de agrotóxicos, 16 destes altamente tóxicos.
E o alimento vai ficar mais caro?
Conforme o Censo agropecuário de 2017, propriedades de 2 a 5 hectares, as
maiores em número no Brasil, com cerca de 420 mil estabelecimentos cultivados
majoritariamente pela agricultura familiar, afirmam gastar cerca de 1,67% das
despesas de produção com agrotóxicos. Propriedades com até 100
hectares afirmam gastar menos que 5% do custo total de produção de alimentos com
agrotóxicos. Sem contar que temos 5 milhões de estabelecimentos rurais no
Brasil, destes somente 1,6 milhões usam agrotóxicos.
É
da agricultura familiar, grupo com baixa despesa do custo de produção com
agrotóxicos, que consumimos cerca de 70% do chega em nossa mesa. Portanto, o
impacto maior é aos grandes produtores exportadores.
Mesmo
assim, apesar do terrorismo do agronegócio que parece afirmar que iria à
falência com a tributação, o valor de aumento do preço do agrotóxico poderia
variar no máximo de 4% a 7%. Esse valor não é diretamente repassado ao
consumidor no alimento, não é uma correia direta de transmissão. Justamente porque
os alimentos vendidos no mercado interno não têm alta taxa de custo de produção
com agrotóxicos, diferentemente dos produtos que são massivamente exportados e
dependem de aplicação extensiva de agrotóxicos.
Veja-se,
a ADI não trata de sobretaxação (como ocorre com cigarros e álcool), apenas
questiona o fato de agrotóxicos terem isenções fiscais, isto é, serem
beneficiados de impostos que outros produtos já pagam. A ADI também não trata
de isenções de PIS/Confins e II, que também conformam o “pacote de benefícios”
aos agrotóxicos.
Alimentos
devem ter isenções fiscais, não os agrotóxicos. E para a concessão de
benefícios dessa natureza, com base na essencialidade tributária, as decisões
administrativas devem ser fundamentadas. O que não ocorreu. O estímulo é
ofertado há 23 anos sem critérios técnicos e sem a motivação da adequação e
necessidade da medida – conforme a ata da reunião de aprovação dos
benefícios do Convênio Confaz) apresentada pelo
Ministério da Fazenda.
Quem deve pagar essa conta de cerca de 7,8 bilhões, que segundo a Abrasco, deixam de ser arrecadados aos cofres públicos e ainda os custos externos de contaminação da biodiversidade e tratamentos com saúde no SUS? Você? O Estado? Ou aqueles que poluem e contaminam?
Entra anos sai anos e nada resolve esta questão dos agrotóxicos neste país. Políticos não tem interesse nenhum em resolver este problema qto mais gente contaminadas, pior para o sistema da saúde.