Flávio Bolsonaro: O filho que foge à luta?
A bolsa caiu e o dólar subiu. Mal anunciou sua candidatura, o filho 01 assume que pode abandonar a aventura após negociar o preço. Ao mesmo tempo, lança ao mar sua autoridade como porta-voz do clã – e novo capítulo da aprofunda a tragédia político-familiar
Publicado 08/12/2025 às 18:35

Um dos princípios básicos da disputa política é apresentar uma aposta surpreendente e resiliente de futuro. O passado pertence à história, mas o futuro recompensa quem faz as apostas corretas. A unção de Flávio Bolsonaro como príncipe herdeiro do bolsonarismo cumpria propósitos bem definidos: organizar a disputa familiar pelo espólio do ex-presidente encarcerado; alertar ao Centrão que o jogo eleitoral não poderia seguir sem a participação ativa do ex-presidente; e sinalizar que a bandeira da anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — sobretudo aos mais graúdos — não poderia ser negligenciada por seus aliados.
Mesmo não sendo uma aposta propriamente surpreendente, a coroação do filho 01 foi mal-recebida por grande parte da bolha direitista, especialmente aquela que se autodenomina centro-direita, mas que nunca hesita em apoiar o extremismo. O Centrão e a Faria Lima externaram seu descontentamento. O enredo elaborado pelo direitismo “que sabe conversar à mesa” previa garantir as condições necessárias para que o governador Tarcísio de Freitas superasse sua hesitação eleitoral e abraçasse um projeto nacional contra o presidente Lula nas eleições de 2026. Na verdade, a urdidura apontava para uma grande aliança de direita, que contaria com os votos do bolsonarismo — mas sem Bolsonaro pai no comando.
Após o anúncio do filho 01, a bolsa caiu e o dólar subiu. Muitos declararam que Bolsonaro pai havia transformado a disputa eleitoral de 2026 em um passeio para o presidente Lula. Não faltaram alertas ao filho 01 de que seu extenso telhado de vidro — rachadinhas, chocolates com lucros exorbitantes, negócios imobiliários mal explicados e até um desmaio em debate eleitoral — já brilhava à espera das pedradas dos adversários. No privado, aliados e patrocinadores devem ter sido ainda mais duros: nada de apoio financeiro, alianças políticas desanimadas, nenhuma possibilidade de anistia enquanto essa aventura estivesse de pé.
Antes que a notícia de sexta-feira (5 de dezembro) esfriasse, o senador Flávio Bolsonaro foi a público no domingo elogiar o governador Tarcísio e declarar que poderia abandonar sua candidatura presidencial, apressando-se em dizer que estava “na pista para negócios”. Era apenas uma questão de combinar o preço. Ainda que não explicitado, o valor da renúncia deve envolver um lugar de vice-presidente na chapa da direita e a anistia, o quanto antes, para os golpistas condenados.
Nessa piscada de olhos — expressão máxima da falta de resiliência política — o senador lançou ao mar não apenas sua candidatura, mas também sua autoridade como porta-voz do clã. Afinal, quem levará a sério um comandante que foge de um destino heroico na primeira lufada de vento ameaçador?
Há séculos, o Ocidente cultiva dois tipos de herói: Aquiles e Ulisses. O primeiro encarna a destreza e a valentia extremada, revestidas de inflexível integridade moral — o arquétipo do guerreiro, que Bolsonaro pai por muito tempo tentou projetar para si. O segundo representa o sábio que flexibiliza, faz concessões e se vale até de ardis para superar adversidades — o arquétipo do político bem-sucedido, que sabe interpretar os sinais do tempo. Caso viva o bastante, cada Aquiles acaba por tornar-se Ulisses para continuar relevante. Em apenas 48 horas, porém, o senador Flávio Bolsonaro demonstrou sua inaptidão para ocupar o papel de herói de qualquer estirpe ocidental nessa tragédia político-familiar.
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