Eleições: As lutas cidadãs para barrar o mercado de votos
Do voto de cabresto ao orçamento secreto, a compra e o sequestro de votos se atualizaram sem nunca desaparecer. Para 2026, retorna a articulação de mutirões civis para reconstruir a representatividade e resgatar a democracia capturada
Publicado 09/12/2025 às 17:23

O Foco
O foco ou objetivo da Campanha pelo fim da compra de votos é podermos um dia contar com um Poder Legislativo que não seja“inimigo do povo” – na expressão que já viralizou nas redes sociais. Em sentido inverso, que as leis elaboradas e aprovadas pelo Poder Legislativo — que num Estado Democrático de Direito todos temos que respeitar — sejam a favor do povo e não dos interesses de minorias privilegiadas e do poder econômico.
Ora, o que é hoje mais do que evidente é a enorme mudança que isso exige na composição e na representatividade de nossos Parlamentos, do nível municipal ao federal, assim como uma real elevação do nível de consciência ética de seus membros. Suas atuais maiorias (que são quem aprova as leis) vem se formando graças a parlamentares que estão a serviço de seus interesses pessoais e dos que financiam suas campanhas eleitorais. Ou, em outras palavras, quem aprova nossas leis são de fato vereadores, deputados e senadores mais fiéis à lei de Gerson — é preciso sempre levar vantagem — do que às demandas populares.
O mais incrível, no entanto, é que quem os elege é o mesmo povo que eles esquecem! Ou, falando de forma direta, é o povo que lhes dá o poder de legislar contra os interesses de quem os elege! Como tal absurdo pode ocorrer? Onde se escondeu nossa democracia?
Essa é uma história que já dura quase duzentos anos! Começou a ficar mais evidente logo depois que nossas leis passaram a ser feitas pelos representantes do povo brasileiro por ele eleitos, quando o Brasil se tornou um país independente.
Era então muito reduzido o número de eleitores e de funções preenchidas por eleição. Mas entre os primeiros candidatos a essas funções, os mais espertos logo perceberam que seriam mais facilmente eleitos se cercassem eleitores em currais eleitorais — o voto no cabresto —, ou comprando votos com favores e benefícios — voto comprado —, ou fraudando atas eleitorais — voto falsificado a bico de pena.
No entanto, se já no início do Império, em 1830, essas práticas foram consideradas criminosas, quando foi criada a Justiça Eleitoral em 1932, muitas décadas depois, ainda não lhe tinham sido dados instrumentos para punir tais crimes (obviamente os membros do Poder Legislativo, que o deviam fazer, eram na realidade seus beneficiários). E como as leis penais já previam a possibilidade de muitos recursos, o tempo passava com raríssimas punições.
Nesse quadro, tais práticas, usuais ao longo do Império e na República, foram se “naturalizando”, e passaram a fazer parte da cultura eleitoral brasileira, como ainda ocorre na maioria dos países menos desenvolvidos. Isto apesar dos esforços dos que lançavam campanhas pelo “voto consciente”, porque poucos dos seus promotores se davam conta de que isso não bastava. Com a eleição do Legislativo concomitante à do Executivo, nossas eleições se centravam, como até hoje, na escolha do ou da Chefe do Executivo, ficando secundária a escolha dos membros do Legislativo.
Mas, por melhor que seja o Presidente, Governador ou Prefeito eleito, ele só pode fazer o que a lei o autorize, como manda a Constituição. E se quem a elabora é o Legislativo, nós de fato o entregamos às chantagens insaciáveis dos parlamentares espertalhões que compram ou sequestram votos para serem eleitos.
A estratégia
Ora, um dos resultados da Campanha da Fraternidade lançada pela CNBB em 1976, com o tema “Fraternidade e Política”, tinha sido a tomada de consciência, por muita gente, desse caminho torto usado por muitos dos que querem se tornar “políticos” – uma das “profissões” mais cobiçadas para enriquecer sem maiores sustos, defendendo seus próprios interesses e os dos que financiem suas campanhas.
A Comissão Brasileira Justiça e Paz teve então a ousadia de propor uma estratégia para enfrentar esse desvio de conduta: evitar legalmente que candidatos desse tipo fossem eleitos. E para isso propôs o uso de um instrumento ainda pouco conhecido, criado dez anos antes na Constituinte: um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que punisse eficazmente quem comprasse ou sequestrasse votos.
Juristas especializados em Direito Eleitoral descobriram os meios para a Justiça Eleitoral punir eficazmente esse crime. E depois de dois anos com centenas de pessoas recolhendo — com a ajuda ostensiva da CNBB — o milhão de assinaturas necessárias à apresentação do Projeto, a CBJP seguiu sua tramitação no Congresso, passo a passo, durante sete semanas, no último ano do século XX. Surgiu assim a Lei 9840/99, apesar da zombaria dos que achavam que era mais fácil uma vaca voar do que tal lei ser aprovada. E a Justiça Eleitoral ganhou um novo instrumento contra o crime do uso do poder político e econômico para entrar no Legislativo.
Ora, mal começado o novo século, os cidadãos e cidadãs que persistentemente tinham colhido o milhão de assinaturas se lançaram numa nova tarefa: agir pela efetiva aplicação da nova Lei, denunciando à Justiça Eleitoral quem comprasse e sequestrasse votos. Criaram para isso o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, e durante dez anos foram cassados os registros de centenas de candidatos, flagrados cometendo esses crimes. E como a nova Lei determinava que se declarasse sua inelegibilidade durante oito anos, nosso Estado Democrático de Direito viu a possibilidade de se livrar de uma prática eleitoral que poderia destruí-lo.
Passados dez anos, a CNBB e a Comissão Justiça e Paz alcançaram uma nova vitória, fazendo voar outra vaca, ainda mais pesada, por já exigir um milhão e meio de assinaturas de apoio: a aprovação, depois de longos sete meses de acompanhamento de sua tramitação, do Projeto de Lei de Iniciativa Popular conhecido como da Ficha Limpa. E com a articulação dessa Lei com a 9840/99, mais de mil candidatos já não conseguiram se tornar membros corruptos da classe política.
Mas ainda foi muito pouco, face ao número de aproveitadores e oportunistas eleitos para constituir o “baixo clero” de nossos parlamentos. E hoje, passados vinte e cinco anos, a compra e sequestro de votos estão de novo quase “naturalizados”. Pior: suas formas foram aperfeiçoadas.
Em vez da exploração individual das carências populares, passou-se a comprar e sequestrar votos por atacado, por cabos eleitorais e lideranças políticas e religiosas; surgiram fundos eleitorais para partidos e candidatos; os algoritmos na internet passaram a ser usados para direcionar mensagens que rendam votos; foram inventadas as emendas impositivas ao orçamento público, para o uso de ainda mais dinheiro público, chegando-se ao orçamento secreto e ao atual festival de diversos tipos de emendas. E para culminar, o crime organizado, com sua violência, começou a eleger legisladores que defendam seus interesses… A democracia passou a correr grandes riscos.
Foco e estratégia hoje
Ora, os remanescentes ainda vivos, apesar de seus cabelos brancos, dos que tiveram em 1997 a ousadia de enfrentar a inércia legislativa interessada do Congresso Nacional, tiveram ainda a força e a coragem de lançar, no começo deste ano de 2025, mais uma etapa do esforço hercúleo feito até agora pela elevação do nível ético e da representatividade do Poder Legislativo de nossos parlamentos, em seus diversos níveis.
Redigiram um Manifesto, já assinado até agora por mais de 700 pessoas ( https://ocandeeiro.org/manifesto-contra-venda-votos/ ) e lançaram um plano de três grandes mutirões nacionais pelo fim da compra de votos: em 2026, 2028 e 2030. Prevendo a hipótese de mais mutirões em seguida, porque não será em cinco anos que se poderá mudar uma cultura política cristalizada em quase duzentos anos, e agora reforçada pelo aumento vertiginoso da bandidagem em nosso país — que nosso atual Congresso já tentou proteger — provocada pela lógica capitalista que conseguiu dominar o mundo.
Foi mantido o foco da campanha, mas ampliada sua estratégia, dando-lhe mais vigor e organização, pela pretensão de contar com a participação de muito mais brasileiros e brasileiras, bem mais jovens do que os “sonhadores” de 1999.
Que no início do próximo ano comecem a surgir, nas telas de nossos celulares e nos muros de nossas cidades, cartazes e convocações de eleitores e eleitoras para o primeiro Grande Mutirão Nacional de denúncia da compra e sequestro de votos em 2026. E que, ao mesmo tempo, que se inicie e se expanda a criação de Comitês Populares para a árdua tarefa de identificar e denunciar os compradores e sequestradores de votos, em cada comarca de todo o território nacional. E para isso ocorrer, espera-se também multiplicar o número de facilitadores/apoiadores em cada município do Brasil, a quem caberá estimular a formação desses Comitês e dar-lhes a informação e o apoio necessários
PS. Com a formação de uma rede desse tipo no Brasil, poderemos enfrentar juntos muitos outros desafios! E quem se animar imediatamente, que assuma a função de facilitador/animador em sua região de moradia, ou de animador de um Comitê Popular de denúncia. Ou nos indique quem se interesse em assim se integrar à empreitada. Ou contribua com cartazes e posts nas redes sociais, que chamem cada vez mais gente para os mutirões. Ou… siga seu interesse e disposição…
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